Vivendo em dois Mundos com a Pandemia

Gaitano Antonaccio

A ideia de escrever esse artigo surgiu da leitura de Humberto de Campos, notável escritor brasileiro, que diante de um mal que deformou sua face, antes da morte, tornou-se revoltado e usando a sua pena magnífica, sem reconhecer Deus em seu coração, considerava a sociedade, a maior das tolices humanas. Entendia que o ser humano entre tantas coisas cretinas criadas, foi a sociedade, a pior de todas. E preconizava em sua obra:

“É possível que haja outras iguais; não existirá, porém, outra pior. Os sujeitos que a vieram orientando, até aqui, têm se mostrado de uma incompetência abaixo de qualquer condenação. E o resultado é termos uma civilização que não é mais aos olhos de um crítico imparcial, do que um conjunto de convenções e mentiras. O mundo vem andando de uma forma tão errada, que estava no direito de dar contramarcha, voltar às origens, e quebrar a cara dos indivíduos que lhe imprimiram tal direção.”

Estaria Humberto de Campos pedindo ao corona vírus que fosse o maligno mensageiro para punir os indivíduos nessa volta às origens. Coadjuvando o que advertiu Humberto de Campos, outro notável escritor e poeta, Vivaldo Coaracy definiu o homem de forma dramática e desumana, quando sentenciou de forma realista:

“O maior inimigo do homem é o próprio homem. Foi o homem que inventou a mentira. É o homem que pretende dirigir e governar o pensamento e a vida do homem. Foi o homem que criou as religiões, o Estado, os governos, para separar os indivíduos, segregando-os em nação e cultos, para atirá-los uns contra os outros na fúria da destruição recíproca, na ânsia da escravidão, no apetite do predomínio. É o homem que, quando todos aspiram a paz, semeia a guerra; quando todos almejam ser livres, forja cadeias e restrições e, quando todos querem viver, invoca a morte do corpo e do espírito.”

Alvíssaras aos intelectuais e estudiosos, que conseguem preconizar as possíveis desgraças provocadas pelo homem contra si mesmo, além das agressões e desafios contra a natureza de Deus, fato que não foi mencionado nem por Humberto, nem por Coaracy, tidos como ateus na literatura moderna.

Nessa conjuntura do final do segundo decênio de 2020, estamos vivendo, possivelmente, a maior pandemia que já atingiu a humanidade, em toda a sua existência depois de Cristo, posto que estamos diante de uma peste incapaz de se deixar ver, que não nos permite sentir sua aproximação, que não nos deixa explicar como invade o nosso organismo e senti-la somente depois que a mesma começa a destroçar o nosso corpo, matando seres humanos de forma impiedosa e cruel. E contágio é tão perverso, que a despedida dos que morrem, destroça os corações dos mais indiferentes, porque não permite o abraço final de parentes e amigos, impede o acompanhamento aos cemitérios, a não ser de parentes mais próximo, que mantendo distância, não lhes podem dar um último adeus, debruçados em suas faces escondidas no caixão.

Do exilo de minha casa, isolado, aprisionado num mundo estranho, diferente, vislumbrando raros seres humanos nas ruas, netos chorando porque não podem subir no colo dos avós, filhos com olhares sombrios, por não terem mais condições de abraçar pai e mãe, casais apaixonados que não podem mais desfrutar das alegrias das festas, do convívio com amigos, frequentar casas de pasto, que se afastaram das lojas, que vivem a visitar shoppings pela internet, assistir filmes nas televisões, e privados de ver amigos diletos ou reunir como recentemente era comum entre pessoas que o faziam para promover o bem estar e engrandecer suas entidades. E não se sabe no momento, com a certeza que antes era cristalina, se os serviços vão continuar a existir por muito tempo, no mundo criado pela corona vírus, ou se vai proibir-nos dos serviços de água, luz, telefonia, internet e outros, que começam a se ausentar de nossas vidas, como o de poder assistir esportes, visitar praias, igrejas, praças, etc.

A corona vírus está criando um mundo sem perspectivas de retorno à felicidade, mas pela misericórdia de Deus promoveu a volta do amor familiar, da atenção de pais para com os filhos, está criando no mundo, uma nova solidariedade que nasce da piedade pelos que tudo perdem, do emprego aos entes queridos, sim, essa peste infame tem lá sua realidade de nos deixar ver a sociedade retroagir como implorava Humberto de Campos na sua amargura; e começa a conscientizar os homens, de que Cristo tinha razão, quando pregou no seu evangelho, que todos somos iguais diante das leis de Deus!.

Esse poderoso invasor do mundo moderno, está provando de forma incontestável, que o mais sábio dos homens, o mais poderoso cientista, não sabem nada diante das interferências da natureza. E começam a aceitar que Deus é invencível e existe.

Deus é tão poderoso, que diante das guerras mundiais já travadas pela estupidez dos homens, Ele conseguiu matar com muito mais eficiência, por meio desse vírus, milhões de seres humanos, sem lançar mísseis, bombas nucleares, sem disparar um simples tiro.

A pandemia da corona vírus está empobrecendo ricos, nações, atingindo o poder econômico, deixando pobres na miséria, e deverá matar de fome milhões, sem que a humanidade estarrecida possa conter a sua fúria punitiva, contra uma sociedade que foi criada sob um conjunto de convenções e mentiras, como dizia Humberto de Campos. De todas as ameaças que essa nova peste pode nos atingir, a fome é sem dúvida a mais intolerável.

Sobre a fome, repito aqui o treco exposto no meu livro A Fome tem solução, de minha lavra, editado em 2012, pela Imprensa Oficial do Estado do Amazonas:

“Eu não posso mais dizer que não sei como a dor da fome se apresenta diante do ser humano, porque na manhã do dia 6.11.2011, assistindo televisão, vi uma cena que traduz toda a dor que atinge o corpo e a alma de uma criança, quando a fome se aproxima e mata! É que num determinado país da África, uma criança recebia mantimentos juntamente com sua mãe, ambos famintos e desnutridos, enquanto o seu irmãozinho mais novo de 2 ou 3 anos, aguardava a sua vez. Enquanto esperava, com os olhos marejados, a criança de forma serena, sem revolta, deixou rolar de seus olhos, uma lágrima cristalina, que veio de forma espontânea, branca, sentida, inundando aquele pequeno rosto inocente. E o mais importante desse quadro perverso e dramático é que aquela criança não tem noção de que a sua pequenina lágrima estava sendo exibida em todas as televisões do mundo. E ao exibir a sua tristeza, ao desnudar a sua dor, não sabia como poucos seres humanos adultos, que a vida que não permite o sorriso de seus lábios, é a mesma vida dos que vivem a sorrir nos parlamentos, nos palácios, gozando da miséria dos seres humanos, que como ela, não se alimentam… ”

E depois desse perambular no meu angustiante isolamento, triste e desanimado com o futuro que se avizinha dessa humanidade contaminada por outros vírus desgraçados, concluo que em verdade, a humanidade precisa mudar, se não quiser ser totalmente destruída… E essa mudança deve ser agora, enquanto é tempo….

*Conselheiro da Fundação Panamazônia, membro da Academia de Letras, Ciências e Artes do Amazonas – da Academia de Ciências e Letras Jurídicas do Amazonas, da Academia Brasileira de ciências Contábeis, da Academia de Letras do Brasil, da Academia de Letras e Culturas da Amazônia – ALCAMA; correspondente da Academia de Letras do Rio de Janeiro, idem do Instituto Geográfico e Histórico do Espírito Santo, membro efetivo da Academia Brasileira de Ciências Contábeis e outras.

Gaitano Antonaccio é membro das Academias de Ciências e Letras Jurídicas do Amazonas e da Academia de Letras, Ciências e Artes do Amazonas – ALCEAR