Prefeitura inspeciona unidades dispensadoras de talidomida

Unidades de saúde da capital que fornecem talidomida aos pacientes do Sistema Único de Saúde (SUS) estão sendo inspecionadas pela Prefeitura de Manaus. A ação faz parte do processo anual da Vigilância Sanitária municipal (Visa Manaus) de credenciamento e visa garantir que a prescrição médica e a dispensação cumpram os parâmetros de segurança estabelecidos pelo Ministério da Saúde. As inspeções devem ser concluídas nesta sexta-feira, 8/11.

 

A talidomida é um medicamento de uso controlado por provocar anomalias graves a fetos e embriões, como malformações físicas e comprometimento neurológico. “Por este motivo, é indicada apenas para um conjunto restrito de doenças e sofre um controle rigoroso no país, especialmente na prescrição para mulheres em idade fértil”, explica a fiscal farmacêutica da Visa, Luciana Don.

 

Em Manaus, quatro unidades estão autorizadas a dispensar talidomida: a Fundação de Dermatologia Tropical e Venereologia Alfredo da Matta (FUAM), a Fundação Hospitalar de Hematologia e Hemoterapia (Hemoam), a Fundação Centro de Controle de Oncologia (Cecon) e a Fundação de Medicina Tropical Doutro Heitor Vieira Dourado (FMT-HDV). Elas tratam pacientes com diagnóstico de hanseníase, lúpus, mieloma múltiplo e HIV/Aids, nos quais a talidomida pode ser indicada.

 

De acordo com Luciana Don, o credenciamento garante que as unidades recebam a talidomida. “Se esses centros dispensadores não cumprirem os requisitos de segurança, o fornecimento do medicamento é descontinuado e há o risco de comprometer o tratamento dos pacientes”, diz.

 

A talidomida é produzida no Brasil por um único laboratório oficial (a Fundação Ezequiel Dias), sendo sua venda proibida em farmácias e drogarias comerciais.

 

Inspeção

Dentre as medidas de segurança verificadas pela equipe da Visa Manaus está o cumprimento da exigência de que a prescrição da talidomida só seja feita por meio de uma Notificação de Receita específica, acompanhada por um Termo de Responsabilidade.

 

Além disso, é analisada a parte documental para atestar que tanto a unidade de saúde quanto o médico estão com cadastros atualizados junto à Visa e que a unidade dispõe de sistemas seguros de controle. A equipe de fiscalização também observa se o medicamento é entregue ao usuário por farmacêutico devidamente treinado para orientar e monitorar a utilização da droga, e se os remédios ficam guardados em armário trancado e com acesso restrito, entre outros itens.

 

“Todo esse rigor é para evitar que bebês nasçam com a Síndrome da Talidomida, que fez milhares de vítimas no mundo nas décadas de 1950 e 1960, quando ainda eram desconhecidos os efeitos dessa droga sobre a formação de fetos e embriões”, destaca Luciana Don.

Riscos

A fiscal diz que, mesmo sob rígido controle de uso por mulheres em idade fértil e com uma resolução nacional (RDC 11/2011, da Anvisa) definindo protocolos de segurança, ainda há registros da síndrome no País. “Apenas uma dose desse medicamento é suficiente para produzir malformações”, alerta.

Entre os riscos de uso indevido estão a desinformação e a automedicação. “É preciso dar ênfase ao fato de que o medicamento não pode, em hipótese alguma, ser compartilhado”, ressalta Luciana, acrescentando que, pacientes mulheres em idade fértil precisam usar dois métodos contraceptivos diferentes e realizar testes de gravidez periódicos, antes, durante e após o tratamento.

De acordo com dados do Ministério da Saúde (MS), entre 2004 e 2005, ocorreram quatro os casos da Síndrome da Talidomida no Brasil, sendo um deles em gêmeos. Em 2010, foi identificado um novo caso.

 

Malformações

Os efeitos da talidomida, segundo o MS, estão ligados principalmente a alterações dos membros superiores e inferiores, mas quase todos os órgãos do corpo podem ser afetados, ocorrendo defeitos visuais, auditivos, na coluna vertebral e, em casos mais raros, defeitos cardíacos e no tubo digestivo.

 

Em relação a alterações nos membros, a droga pode provocar encurtamento ou ausência de braços e pernas, perda de dígitos nas mãos, aumento no número de dedos ou fusão dos dedos dos pés, polegares com três falanges ou sem falange, hipoplasia do rádio e da ulna e hipoplasia de ombros e quadril, entre outras anomalias.

 

Também são comuns malformações de orelha (ausente, pequena ou deformada), anormalidades oculares, como olhos pequenos ou ausentes, e anormalidades neurológicas, sendo que as mais comuns são surdez e paralisia de nervos faciais.

 

O medicamento também gera anormalidade da face, do lábio e de órgãos internos como laringe, traqueia e pulmões, além de cardiopatia congênita (malformação do coração), principal causa de morte destas crianças afetadas. Outros defeitos, ainda segundo o MS, são anomalias estruturais na vagina e testículos, renais (ausência, malformação de rim e fora do local correto) e malformações de bexiga.

 

O Ministério da Saúde estima que a taxa de mortalidade de bebês com malformações de talido­mida seja de 40% a 45%.

Vítimas

A farmacêutica Luciana Don relembra que a talidomida foi sintetizada na Alemanha em 1953 e entrou no mercado a partir de 1956 como antigripal e sedativo, sem necessidade de prescrição médica. Sua associação com outras substâncias deu origem a medicamentos para tosse, asma, resfriados e cefaleia. Além disso, a talidomida foi usada para tratar enjoo em mulheres grávidas.

 

Luciana diz que seus efeitos nocivos só começaram a ser descobertos no início dos anos 60, quando já haviam nascido milhares de crianças com graves deformidades. A droga foi retirada do mercado internacional entre 1961 e 1962, sendo que no Brasil a talidomida só deixou de ser vendida, de fato, em 1964, segundo o MS.

 

Depois de novas pesquisas que indicaram a eficácia da droga para outros fins, a talidomida voltou a ter o uso permitido em 1971, pela Organização Mundial de Saúde (OMS), para tratamento de eritema nodoso hansênico. Seu uso foi expandido para outros tratamentos e sua permissão foi associada ao cumprimento de normas estabelecidas em diversas portarias e notas técnicas.

 

“Mesmo assim, ainda temos casos e o risco é permanente”, assinala Luciana, destacando que a responsabilidade é de todos, profissionais de saúde e pacientes.