Irã suspende parte do acordo nuclear e pressiona países a protegê-lo de sanções dos EUA

TEERÃ — O Irã informou nesta quarta-feira que suspendeu parte de seus compromissos do acordo nuclear de 2015 e ameaçou avançar neste sentido se as potências mundiais não preservarem o país das sanções dos Estados Unidos, que deixaram o pacto há um ano. O presidente iraniano, Hassan Rouhani, disse que Teerã poderá retomar o enriquecimento de urânio de alto nível se os signatários restantes — Reino Unido, França, Alemanha, China e Rússia — não cumprirem a promessa de proteger seus setores petrolífero e bancário nos próximos 60 dias.

As tensões escalam na véspera do aniversário de um ano da retirada americana do acordo, no qual o Irã concordara em restringir seu programa nuclear em troca do alívio de sanções internacionais contra o regime persa. O governo de Donald Trump restaurou e intensificou as restrições econômicas, com ordens de que países do mundo parassem de comprar petróleo iraniano sob pena de também sofrerem sanções.

Em discurso transmitido na TV, Rouhani disse que escreveu aos demais signatários que Teerã iria começar a rever seus compromissos e deixar de trocar com nações estrangeiras urânio enriquecido por mineral bruto e de vender o excedente de água pesada (óxido de deutério) que produz no processo de enriquecimento do urânio. Tais trocas e vendas baseiam o compromisso iraniano de não manter estoques destes elementos, que poderiam ser usados em eventual produção de bombas atômicas. O líder iraniano ponderou que o país continua interessado no pacto e que a nova decisão não significa o abandono do acordo nem da disposição de se sentar à mesa de negociações.

— O caminho que escolhemos hoje não é o caminho da guerra, é o caminho da diplomacia — destacou Rouhani, no discurso. — Mas é uma diplomacia com uma nova linguagem e uma nova lógica.

O ministro da Defesa da França, Florence Parly, destacou que Paris deseja manter o acordo vivo, mas alertou que o Irã pode enfrentar ainda mais sanções se não honrar sua parte no pacto.

— Hoje nada seria pior do que o próprio Irã deixando esse acordo — disse Parly à BFM TV.

“Janela se fechando”

Segundo o Fundo Monetário Internacional, a economia iraniana se contraiu 3,9% no ano passado. O órgão já previa recuo de 6% para este ano antes das recentes inundações que causaram danos no valor de € 2,7 bilhões.

O alívio nas sanções nos setores petrolífero e bancário era o principal benefício ao Irã em contrapartida à limitação de seu programa atômico. O regime persa sempre disse que o enriquecimento de urânio em seu território tem fins energéticos, mas outros países temiam que o país pudesse produzir armas nucleares.

Trump anunciou que os EUA sairiam do pacto porque o Irã — alvo constante de seus principais assessores, como o secretário de Estado, Mike Pompeo e o conselheiro de Segurança Nacional, John Bolton — estaria se favorecendo dos benefícios econômicos para impulsionar seu programa de mísseis e ajudar grupos regionais contrários a aliados. Há um mês, em gesto inédito sobre forças oficiais de defesa estrangeiras, Washington classificou a Guarda Revolucionária do Irã como uma organização terrorista e ameaçou impor consequências a bancos e empresas que com ela negociassem.

No discurso, Rouhani pressionou as potências europeias a cumprirem suas promessas econômicas para aliviar o regime da pressão americana.

— Se os cinco países chegarem à mesa de negociação e chegarmos a um acordo, e se puderem proteger nossos interesses nos setores petrolífero e bancário, voltaremos à estaca zero (e retomaremos nossos compromissos) — disse Rouhani. — A UE não conseguiu cumprir suas promessas econômicas ao Irã. A postura europeia é boa em palavras, mas não em atos.

Rouhani prometeu resposta firme se a questão nuclear iraniana for novamente enviado ao Conselho de Segurança da ONU, mas afirmou que Teerã está pronto para negociar.

— O povo iraniano e o mundo deveriam saber que hoje não é o fim do JCPOA — disse Rouhani, em referência à sigla do acordo. — Estas são ações em consonância com o JCPOA.

O ministro das Relações Exteriores do Irã, Mohammad Javad Zarif, tuitou que o Irã apenas “suspendeu as medidas que os EUA tornaram impossíveis de continuar”. Nesta semana, os EUA enviaram uma frota de guerra ao Oriente Médio, em recado ao Irã, cujas autoridades minimizaram a gravidade do deslocamento militar, mas acusaram a propagação de uma “guerra psicológica” por parte de Washington.

O chanceler iraniano destacou nesta quarta-feira que “a janela” está “se fechando” para os demais países salvarem o acordo.

Inspetores da ONU disseram que o Irã continuou a cumprir o acordo após a retirada dos EUA. Os aliados europeus de Washington, opostos à retirada americana, tentaram e não conseguiram encontrar maneiras de atenuar o impacto econômico da ação de Washington, enquanto pediam a Teerã que não deixasse de honrar sua parte.

Em janeiro, as potências europeias lançaram um mecanismo para driblar as sanções americanas contra o Irã e evitar que suas empresas fossem atingidas. No entanto, diplomatas consideravam improvável que o instrumento permitisse a realização das grandes transações de que Teerã já dizia precisar para manter vigente o acordo nuclear. O mecanismo permitiria o comércio entre os países da UE e o Irã sem depender diretamente de transações financeiras. Em seu começo, ele seria usado apenas para o comércio de bens não sancionáveis pelos Estados Unidos, como remédios, alimentos e equipamentos médicos, o que gerou questionamentos sobre sua real eficácia.

A falta de avanços ao respeito do Instrumento de Apoio aos Intercâmbios Comerciais (Instex, nome do mecanismo), que fontes diplomáticos europeias atribuem a problemas do sistema bancário iraniano, fizeram Teerã se voltar à Rússia, à China e à Turquia em busca de canais alternativos para driblar os efeitos das sanções.

Fonte: O Globo