Especialista alerta: O Plano de imunização “em massa” no Amazonas pode dar errado

Conversamos com o pesquisador da Fiocruz, Jesem Orellana que é mestre em Saúde Pública pela Fundação Oswaldo Cruz (2005). Atualmente é doutorando em Epidemiologia pela Universidade Federal de Pelotas. Nossa conversa foi sobre a ação que estará em todos os noticiários do mundo na próxima segunda-feira (22).

 

 – A possível primeira imunização “em massa” do Brasil no combate a Covid-19.

 

Em um breve levantamento e cruzando os dados básicos podemos entender que o plano de imunização “em massa” no Amazonas pode dar errado.

 

– Não, não é mais uma matéria sensacionalista. É fato! Vamos entender.

 

O que diz o Programa Nacional de Imunização (PNI)?

O PNI orienta o uso racional das doses

 

– Acho que você já deve ter ouvido essa frase por aí. Pois é, essa é a frase muito usada pelo cientista Jesem Orellana e que virou a preferida do ministro Pazuello nos últimos dias.

 

Para que possamos entender o porquê desse termo, precisamos voltar um pouco a 2020.

 Retrospectiva dos fatos

Todos sabem que o governo federal vinha bombardeando as campanhas de vacinação ao longo da pandemia. Sempre amplificando o uso de remédios que não são eficazes no combate a Covid-19. Mas, o que aconteceu de um mês para cá explica porquê que o plano de imunização “em massa” no Amazonas pode dar errado.

Se, somente se, o governo federal não fosse avesso a vacinação e tivesse iniciado a campanha ainda no ano de 2020, como acontecia em outros países, o Ministério da Saúde poderia ter detido o aumento da contaminação da nova cepa brasileira que se proliferava com toda a força no Amazonas.

 

– Infelizmente não somos videntes. Mas, se fossemos … coerentes. Enfim. Os alertas dos cientistas foram dados, não viram por algum motivo.

NOTAS DE ALERTAS

 

  • Ficam aqui alguns canais de comunicação que deram janela para esses alertas

após quase um ano de pandemia Amazonas ainda não realizou testagem em massa

19 de dezembro GloboNews

deveríamos estar fazendo uma grande campanha de conscientização sobre vacina

Após um ano de pandemia, Amazonas ainda não realizou testagem em massa

Vacinação em massa é essencial para conter a Covid-19 

O governo do amazonas já deveria ter procurado desesperadamente por vacina

 

Agora vamos para o início de 2021

No início deste ano o Amazonas estava com altos índices de contaminados.

 

– Alguns fatos importantes contribuíram para esse aumento de casos:

1- As aglomerações no período eleitoral (ainda em novembro),

2 – A baixa testagem histórica de RT-PCR.

3 – As festas de fim de ano – tão aclamada pelos cidadãos e trabalhadores

4 – O alto poder de contágio da nova cepa.

5 – E o mais importante! Falta de políticas públicas efetivas para conscientização da pandemia e apoio aos dados científicos.

 

Nesse período as primeiras doses da vacina Coronavac já eram negociadas e aguardadas em todo o país. Após meses de “disse me disse” entre o governo federal e o governo de São Paulo a vacina é distribuída igualitariamente entre os estados da federação.

 

– Opa! Essa é a questão de que o plano de imunização “em massa” no Amazonas pode dar errado. Isso mesmo! O que pode causar esse erro é justamente por onde começou: na distribuição das doses igualitariamente para os estados da federação.

 

Mas, isso não era o lógico?

 

– Em tese, sim. Na prática, não.

 

 Segundo experiência prévia do PNI em outras campanhas, já no primeiro momento da entrada das vacinas, a população do Amazonas deveria ter sido imunizada em massa, pois já estava em uma situação alarmante. Isso evitaria que a cepa, com alto poder de contaminação, se espalhasse pelo país – como assim aconteceu – e evitaria o caos em todo o estado, que se agravou com a falta de oxigênio hospitalar, causando a morte por asfixia em centenas de pessoas.

 

– Porém, esse protocolo não foi seguido, provavelmente causado por um estrategista (não sabemos se militar ou civil) para tentar salvar a baixa popularidade do presidente Bolsonaro, que teve seus índices em 40% de rejeição (pesquisa Datafolha divulgada em 22/01).

 

 Momento decisivo

 Esse momento poderia ter sido decisivo no combate a pandemia no país. De um lado o presidente dizia que não iria tomar a vacina e que ela não seria obrigatória, do outro um Ministro totalmente inerte e no meio disso tudo os estados se sensibilizavam com o Amazonas e muitos (não todos) doaram um percentual de suas cotas para que pudesse ajudar a população que necessitava de um número maior de imunizados para tentar conter o avanço do vírus (em vão).

 

– Saindo da retrospectiva, vamos voltar para o quadro atual e explicar o porquê que o plano de imunização “em massa” pode dar errado no Amazonas.

 

A frase de ordem do Ministro Pazuello: “uso racional das doses”, nada mais é do que a imunização em massa em cidades ou regiões prioritárias. Simples assim.

 

– Só que não é uma novidade o que iria (ou irá) acontecer no Amazonas.

 

Essa ação já foi executada pelo Ministério da Saúde em 2010, em plena crise da pandemia do H1N1.(confira aqui)

  

– A maioria das pessoas pode não lembrar dessa pandemia, mas ela aconteceu.

 

Na ocasião, o próprio Amazonas foi beneficiado com a imunização em massa para conter a proliferação do vírus que causava muitas mortes no estado, bem como no Rio Grande do Sul.

Graças a essa imunização em massa (ou “o uso racional das doses”), que o vírus não causou um estrago maior.

 

– Até porque o vírus Influenza não tem um poder de contágio tão alto como o vírus que causa a Covid-19, em especial a nova variante P.1. Mas, o simples fato do Ministério da saúde – a época – ter seguido o critério epidemiológico e técnico (– e não político) fez com que houvessem resultados positivos no combate a pandemia.

 

Amazonas vive a dor que não cessa após um mês de colapso na saúde 

 

Mas, por que esse plano pode dar errado?

Vamos falar sobre a estratégia que está sendo divulgada pelas autoridades. Não falaremos de todas, mas da principal: quem vai ser vacinado nesse momento.

 

Primeiro vamos entender que as vacinas prometidas ainda são um mistério. A Fiocruz e o Butantã afirmam que só poderão entregar novos lotes a partir de 19 de março, mas mesmo assim a promessa de vacinação “em massa” está marcada para iniciar no dia 22 de fevereiro no Amazonas. Fato!

 

Com a vacinação da população acima dos 50 anos, a outra fatia que tem menos idade, é maior em quantidade, mais ativa economicamente e a que tem maior poder de contaminação poderá se sentir imune (– psicologicamente falando) e tudo pode acontecer de pior.

 

– Mas a prioridade é para os mais vulneráveis, assim diz a regra.

 

Além disso, o plano de vacinação “em massa” contempla Manaus e mais 8 municípios que compõem a região metropolitana da capital amazonense.

 

– Eis mais um problema na causa.

 

Se o PNI determina (ou aconselha) que sejam vacinadas as pessoas que estão no foco da crise, então:

Por que a população da região metropolitana de Manaus será vacinada se os maiores focos estão em cidades polo no interior do estado?

 

– Entenda “cidade polo”, como cidades principais e estratégicas por região geográfica.

 

Pois é! Segundo os especialistas e cientistas, se o governo federal executar o plano de imunização “em massa” em Manaus e nas 8 cidades da região metropolitana não vai resolver muito. Ajuda, mas não será eficaz como seria se a ação fosse seguida como manda o protocolo.

Motivos?

 

– Expectativa política:

 

1 – Manaus estará no Top 3 em número de imunizados e ficará com a imagem nacional de ser “a primeira capital a vencer a luta contra a Covid-19” (o que já está acontecendo);

2 – A imagem do governo federal será restaurada como “salvador da pátria”;

 

– Mas na verdade, a imunização em massa é uma ação básica determinada pelo Programa Nacional de Imunização (PNI), que continua não sendo implementada corretamente por pura falta de conhecimento ou determinação da gestão atual.

 

A guerra contra o inimigo invisível vai continuar, pois o vírus estará entre a massa trabalhadora que grita aos quatro cantos: “É trabalhar ou morrer!”. E assim, o vírus permanece e se espalha mais ainda entre os cidadãos que ainda esperam por vacina.

 

– Que chegará! Segundo o Ministro Pazuello: “No dia D, na hora H e na primeira pernada até o fim do ano de 2021”.

 

Dois pontos importantes e uma triste realidade nacional: a ilusão.

1 – Manaus entrou na fase vermelha – É  uma fase de auto risco ainda. Os cidadãos abaixo dos 50 anos terão a sensação de que o perigo passou com a vacinação “em massa”, irão reivindicar o retorno das atividades comerciais e o vírus volta com toda a força a circular na cidade;

2 – O interior do estado está na fase roxa – o que significa que muitos pacientes serão transferidos para a capital devido a falta de estrutura hospitalar no interior do Amazonas e, pior! Serão transferidos para outras capitais, aumentando o risco da cepa se proliferar pelo país e causar uma onda mais prolongada e mortal, tanto em Manaus, quanto em outros estados.

 

– Até hoje (17/02) mais de 1.200 pacientes já foram transferidos do interior do Amazonas para Manaus ou para outros estados da federação. 

 

Reflexão

Se o Ministério da Saúde tivesse seguido as recomendações da Organização Mundial da Saúde, o Programa Nacional de Imunização teria um planejamento mais eficaz como em 2009/2010? Mas, será que uma possível falta de credibilidade técnica ou na ciência, acarretou essa ação de não seguir as recomendações da OMS? Será por isso que o plano de imunização “em massa” no Amazonas pode dar errado? Será mais uma propaganda política à custa da população?

 

– Sorte para aqueles que estão acima dos 50 anos e que poderão pegar uma “gripezinha “após a vacinação. E sorte para os que ficam…. abaixo dos 50 anos e acima dos 7 …palmos.