Entenda a crise entre Estados Unidos e Irã

NOVA YORK – A disputa de longa data entre Estados UnidosIrã se acentuou após informações obtidas pela inteligência americana apontarem para o que Washington afirma ser uma ameaça iminente aos seus interesses no Oriente Médio.

A relação entre os dois países é difícil desde 1953, quando os Estados Unidos orquestraram a queda do primeiro-ministro iraniano democraticamente eleito Mohammed Mossadegh, e reconduziram o xá Mohammed Reza Pahlevi, favorável aos interesses do Ocidente, ao poder.

Pahlavi comandou o país até a Revolução Iraniana, em 1979. Em novembro do mesmo ano, o início da crise dos reféns na embaixada americana em Teerã, que se estenderia até 1981, colocou as relações entre Irã e Estados Unidos em posição ainda mais delicada.

Durante as últimas seis décadas, as tensões se traduziram em violência em mais de uma ocasião.

A recente declaração americana de que o Irã representa um risco imediato gerou o medo de que os países estariam às margens de uma disputa armada. Aqui está o que você precisa saber sobre as possibilidades de um conflito maior:

Como chegamos aqui?

No início do mês, os Estados Unidos — baseando-se em informações sobre a ameaça iminente de um ataque iraniano no Oriente Médio — deslocou um porta-aviões, mísseis e bombarbeiros B-52 para a região. Em seguida, o Pentágono anunciou o envio de uma bateria interceptora de mísseis Patriot e mais poder de fogo naval para a área do Golfo . Funcionários não essenciais da embaixada americana em Bagdá, capital iraquiana, também foram evacuados.

A Casa Branca, entretanto, não forneceu detalhes sobre a suposta ameaça e aliados na Europa e no Oriente Médio não têm confiança do risco , considerando o histórico de informações falsas que levaram à invasão do Iraque em 2003, liderada pelos EUA.

Em resposta às movimentações iniciais de Washington no início do mês, o Irã afirmou que vai parar de cumprir com suas obrigações referentes ao acordo nuclear de 2015 , assinado com seis potências mundiais. Com o tratado, Estados Unidos, China, França, Alemanha, Rússia e Reino Unido buscavam restringir as ambições nucleares de Teerã em troca do alívio das sanções econômicas.

As tensões escalaram após o início do mandato de Donald Trump. Em maio do ano passado, o governo americano retirou os Estados Unidos do acordo nuclear e, mais recentemente, impôs novas sanções, aumentou as pressões contra a exportação de petróleo iraniano e classificou a Guarda Revolucionária do Irã como uma organização terrorista .

Sanam Vakil, pesquisador-sênior do programa que estuda o Oriente Médio e o Norte da África na Chatham House, um grupo de pesquisa londrino, disse que a falta de entendimento da Casa Branca sobre o Irã só fomenta os desentendimentos.

— Algo tão simples quanto a linguagem insultante que eles usam, uma escolha deliberadamente política, não funciona com a República Islâmica do Irã — disse a pesquisadora. — Há pouca confiança entre os dois lados.

Esta não é a Guerra do Iraque. Aqui está o porquê.

Por mais que a situação atual esteja sendo comparada com o período anterior à invasão americana no Iraque, há diferenças importantes.

O território iraniano é cerca de quatro vezes maior do que o de seu vizinho, o Iraque. Com mais de 80 milhões de habitantes, é o segundo país mais populoso da região, atrás somente do Egito, e a segunda maior economia do Oriente Médio e do norte da África, segundo dados do Banco Mundial.

Na época da invasão dos EUA ao Iraque, em 2003, a maior parte da população do país era xiita, mas a minoria sunita estava no poder. No Irã, a maioria xiita tem representação própria.

Teerã tem forças militares convencionais e limitadas, mas conta com uma rede crescente de grupos paramilitares aliados, aumentando sua influência na região. Um conflito armado contra os Estados Unidos poderia significar uma guerra de guerrilha em múltiplas frentes.

A resposta dos aliados na Europa e no Oriente Médio também é bastante diferente daquela vista nos meses anteriores à guerra do Iraque.

— Há uma divisão muito clara entre os dois lados do Atlântico sobre como lidar com essa crise — disse a Vakil. — A Europa está prevalecendo aos Estados Unidos com suas respostas calmas e cautelosas. É possível ver claramente a frustração dos países europeus com o que consideram ser uma crise manufaturada.

Aliados regionais — incluindo os Emirados Árabes Unidos, a Arábia Saudita e Israel, que apoiam à pressão que Washington exerce em Teerã — estão, até o momento, quietos.

— O silêncio nos últimos dias reforça a ideia de que a retórica americana assusta mais do que suas ações — afirmou a pesquisadora sobre os países da área —  A região não quer, de maneira alguma, ter que lidar com as consequências de um conflito com o Irã.

Estados Unidos e Irã têm relação difícil há décadas

As tensões entre Estados Unidos e Irã se estendem há anos, precedendo por décadas a administração de Donald Trump. A questão que gera mais desavenças históricas é o estreito de Ormuz, uma pequena passagem que conecta o Golfo Pérsico ao resto do mundo. Por lá, passa cerca de 40% do tráfego de navios petroleiros do mundo.

A área é fonte de brigas recorrentes entre militares. Durante a guerra Irã -Iraque, entre 1980 e 1988, Teerã ameaçou fechar o estreito — intimidação comum desde então. A quinta frota naval dos Estados Unidos, responsável por patrulhar a área, prometeu parar qualquer ameaça ao fluxo de navios na região.

Estados Unidos e Irã se enfrentaram repetidas vezes no Golfo Pérsico após uma fragata americana ser danificada por uma mina iraniana em 1988. Em 18 de abril do mesmo ano, três navios de guerra e duas plataformas de observação iranianas foram destruídas por forças americanas no que foi, essencialmente, uma guerra de um dia.

Fonte: O Globo