Cúpula de Trump e Kim no Vietnã termina antes do previsto e sem acordo

RIO — O presidente americano, Donald Trump, deixou as negociações com o ditador norte-coreano, Kim Jong-un, antes do previsto e sem acordo — segundo o chefe da Casa Branca, em razão de “demandas inaceitáveis” para a retirada de sanções econômicas contra a Coreia do Norte. O governo norte-coreano ainda não se pronunciou sobre o fracasso da cúpula.

Os líderes de Washington e Pyongyang se reencontraram nestas quarta e quinta-feiras, no Vietnã, para uma segunda cúpula, oito meses depois do histórico aperto de mãos em Cingapura. Trump disse que os dois dias de conversa levaram a um bom progresso na construção da relação bilateral e na discussão da desnuclearização, mas que era importante não se apressar e evitar o fechamento de um mau acordo.

— Às vezes a gente tem que ir embora — disse Trump. — Basicamente, eles queriam que as sanções fossem levantadas em sua totalidade, e nós não poderíamos fazer isso. — Eles estavam dispostos a desnuclearizar uma grande parte das áreas que queríamos, mas não poderíamos desistir de todas as sanções por isso — explicou em entrevista coletiva antes de deixar Hanói.

As Nações Unidas e os Estados Unidos impuseram restrições econômicas à Coreia do Norte depois que o regime realizou uma série de testes balísticos e nucleares em 2017. Um alívio da pressão financeira passou a ser o foco da agenda internacional de Pyongyang. Em seu discurso de Ano Novo, Kim insinuou que tomaria um “caminho alternativo” se os EUA não cedessem na pressão sobre o país. Mas o establishment de Washington teme que a retirada total das sanções leve a Coreia do Norte a não fazer mais concessões. O impasse foi central para a estagnação das conversas desde a cúpula de Cingapura.

Apesar do adeus antecipado, e embora não tenha se comprometido com uma terceira cúpula, Trump ressaltou querer manter o relacionamento com o líder norte-coreano, que prometeu manter a suspensão dos testes balísticos. Segundo a porta-voz da Casa Branca, Sarah Sanders, as respectivas delegações de negociação estão ansiosas para voltarem à mesa no futuro. Ainda não há planos acertados para isso.

Nesta semana, prestes a viajar ao Vietnã, Trump afirmou a jornalistas que não tinha pressa nem tinha a intenção de apressar Kim por um acordo para a desnuclearização completa da Coreia do Norte, mas que ficaria satisfeito com as negociações contanto que não houvesse novos testes.

Tanto Trump quanto Kim deixaram o Hotel Sofitel Legend Metropole sem comparecer a um almoço conjunto que era previsto na agenda da cúpula. Confiante, a Casa Branca havia marcado no cronograma do encontro uma “cerimônia de assinatura de acordo conjunto”, que também foi cancelada. Kim permanecerá no Vietnã para uma visita de Estado que se estenderá até o fim de semana.

Relação em risco

A ausência de um resultado concreto nas reuniões do Vietnã marca uma derrota para Kim e para Trump, cuja despedida antecipada contrastou com o tom otimista e os votos de sucesso que trocaram ao se reencontrarem na quarta-feira. A interrupção abrupta das negociações também levanta questões sobre os preparativos dos governos para a cúpula. Delegações americana e norte-coreana negociavam desde a semana anterior as bases do encontro principal.

Na visão da diretora-assistente do Instituto EUA-Coreia da Escola Johns Hopkins de Estudos Internacionais Avançados, Jenny Town, no Vietnã, a tendência é de deflação do processo.

— É surpreendente que eles não tenham chegado a um acordo preliminar, já que eles claramente tinham o esboço de um na rodada de negociações pré-cúpula. Mas parece que ambos os lados ainda queriam mais do que o outro estava disposto a aceitar. Dar mais tempo para negociar não é um desdobramento ruim, mas deixar a cúpula sem nada provavelmente terá um efeito de deflação do processo como um todo — analisa Town.

Desde a reunião em Cingapura, em junho do ano passado, Trump enfatizou o bom relacionamento que construiu com Kim, mas pairavam dúvidas se o contato resultaria em progresso substancial na eliminação do arsenal nuclear norte-coreano, visto pelos Estados Unidos como uma ameaça e por Pyongyang como uma proteção contra agressões estrangeiras ou tentativas de mudança de regime. O chefe do escritório da Fundação Hanns Seidel em Seul, Bernhard Seliger, pondera que uma cúpula sem acordo pode ser mais encorajadora que uma mera repetição de compromisso vago como a de Cingapura.

— Se não era possível [um resultado mais concreto e detalhado], é bom que não tenha havido acordo. Mostra que o presidente americano, embora tente claramente um resultado positivo das conversas, não abandonou a racionalidade sobre o regime sancionado. Kim Jong-un pediu alívio de todas as sanções para destruir uma só base, de Yongbyon — pontuou Seliger, que ressalta a importância de os países terem mantido as portas abertas, sem reação raivosa ao desfecho inesperado das reuniões.

A primeira cúpula entre Estados Unidos e Coreia do Norte, em 2018, resultou em um vago compromisso pela desnuclearização da Península Coreana e selou o fim da retórica beligerante que marcara a relação poucos meses antes. Mas os dois líderes chegaram a Hanói pressionados internamente e com o desafio de, desta vez, virem a público com um acordo mais concreto. Havia a expectativa de que Trump e Kim acertassem, por exemplo, uma declaração formal do fim da Guerra da Coreia, que terminou em armistício em 1953, e o fechamento do principal complexo nuclear norte-coreano.

Sanções dificultam acordo

Nesta quinta-feira, o presidente americano contou que discutiu com o líder norte-coreano o desmantelamento do complexo nuclear de Yongbyon, no qual Pyongyang enriquece plutônio e urânio para desenvolver suas armas. Kim se disse disposto a fazê-lo, mas apelou pelo relaxamento de sanções em contrapartida.

— Nós pedimos mais a ele, e ele não estava preparado para isso — acrescentou o secretário de Estado americano, Mike Pompeo, na entrevista coletiva, em referência a Kim.

Trump destacou que os Estados Unidos poderiam inspecionar algumas instalações nucleares da Coreia do Norte, mas não especificou quais nem quando. Autoridades de inteligência dos EUA apontaram, antes da cúpula, que não havia sinais de que a Coreia do Norte abriria mão de seu arsenal, visto como vital pela dinastia para se manter no poder. O temor do establishment diplomático de Washington era de que o presidente americano, conhecido pelo perfil impulsivo, redefinisse a política americana por conta própria e cedesse a apelos em prol de assinar um acordo diante da pressão por fazê-lo.

Enquanto os Estados Unidos demandam há tempos o desmonte nuclear do Norte, este aponta para o “escudo nuclear” americano que protege seus principais aliados na Ásia, Coreia do Sul e Japão. Kim descarta uma desnuclearização “unilateral”. Mas, nas reuniões com Trump, o líder de Pyongyang sugeriu que estava disposto a fazer concessões:

— Se eu não estivesse disposto a fazer isso [abrir mão de seu poderio nuclear], eu não estaria aqui agora — disse.

Na visão de Jenny Town, apesar da vontade declarada de Trump de continuar as negociações, o atual ambiente político interno dos Estados Unidos coloca um “risco real” de que o impulso para esta questão diminua “em uma mar de interesses conflitantes”. Ela já havia ressaltado ao GLOBO como a cúpula do Vietnã era importante para desenhar a futura relação entre os dois países, na iminência de uma campanha eleitoral cujos candidatos poderiam deixar espaço para o Norte em suas plataformas ou redefinir a política externa.

Para Bernhard Seliger, a cúpula do Vietnã pode ter sido “prelúdio necessário” para negociações mais sérias. O analista comparou a situação à cúpula de Reykjavik, na Islândia, em 1986, quando o então presidente americano Ronald Reagan e o líder soviético Michael Gorbachev não assinaram comunicado conjunto. Foi considerada, à época, um fracasso, mas preparou a União Soviética para fazer maiores concessões mais adiante.

Fonte: O Globo