Brasil recebe hoje líderes da oposição a Maduro e articula transição na Venezuela

RIO E BRASÍLIA — Três importantes líderes da oposição venezuelana no exílio desembarcaram na noite desta quarta-feira em Brasília para articular com o governo brasileiro a transição na Venezuela, cujo presidente, Nicolás Maduro, não teve a posse em seu novo mandato, na semana passada, reconhecida por mais de 40 países, entre eles o Brasil. O ex-prefeito de Caracas Antonio Ledezma, o ex-presidente da Assembleia Nacional (AN) Julio Borges, e o número dois do partido Vontade Popular (VP), Carlos Vecchio, se encontrarão hoje com o chanceler Ernesto Araújo. O time opositor será reforçado pelo presidente do Tribunal Supremo de Justiça (TSJ) no exílio, Miguel Ángel Martín, que chega nesta quinta-feira a Brasília, onde também será recebido por Araújo.

Apoio a presidente da AN

A chegada dos opositores a Maduro ocorreu no mesmo dia em que os presidentes do Brasil, Jair Bolsonaro (PSL), e da Argentina, Mauricio Macri, tiveram seu primeiro encontro, em Brasília, e reforçaram a necessidade de redobrar esforços — junto com sócios importantes no continente como Chile, Peru e Colômbia — na busca de um governo legítimo para os venezuelanos. Os quatro opositores vivem no exílio e representam uma facção da oposição que frequentemente discorda da que ficou no país.

A crise na Venezuela ocupou um espaço central na agenda de Macri e Bolsonaro. Ambos os chefes de Estado analisaram vários cenários diplomáticos, políticos e até mesmo militares, disse ao GLOBO uma fonte que acompanhou de perto as conversas. Um dos cenários possíveis seria o eventual reconhecimento de um “presidente encarregado” que poderia ser designado pelo TSJ no exílio. Neste caso, o nome cotado para ocupar o vazio de poder já declarado pela corte é Juan Guaidó, recentemente designado presidente da AN e alvo de intensas perseguições e ameaças por parte do regime de Maduro.

A AN, controlada pela oposição desde 2015, teve seus poderes retirados pelo chavismo. Dias atrás, ela declarou Maduro “usurpador” por, segundo acusações, ter sido reeleito em maio de 2018 por meio de fraude, numa eleição boicotada pela oposição.

Segundo outras fontes brasileiras e argentinas, os dois governos concordaram em acompanhar de perto as próximas ações opositoras em Caracas, sobretudo as previstas para 23 de janeiro, quando os venezuelanos comemoram a queda da ditadura de Marcos Pérez Jimenez (1952-1958). O atual presidente da AN terá um papel de protagonismo na nova ofensiva da oposição, que poderá incluir marchas e reuniões públicas, apesar do risco de uma onda de detenções. Guaidó é do VP, mesmo partido de Carlos Vecchio, que chegou ontem ao Brasil.

A avaliação em Brasília é que a situação na Venezuela nunca esteve tão grave. O governo brasileiro mantém o olho nos passos dados por Guaidó. Como o Brasil já declarou, no âmbito do Grupo de Lima (formado por 14 países do continente), que não reconhece o governo de Maduro, a expectativa é que, se Guaidó for declarado presidente interino, não ficará isolado e contará com o apoio da maioria dos vizinhos.

Macri e Bolsonaro conversaram, ainda, sobre uma possível reunião de chanceleres na Organização de Estados Americanos (OEA). Segundo fonte da Casa Rosada, os dois chefes de Estado também conversaram sobre a situação dos imigrantes venezuelanos, principalmente no Brasil. Macri foi contundente em sua condenação ao regime de Maduro.

— Compartilhamos da preocupação com os venezuelanos. Não aceitamos ditadura na democracia. A comunidade internacional já se deu conta. Maduro é um ditador que se perpetua no poder com eleições fictícias, encarcerando opositores. Reiteramos que reconhecemos a Assembleia Nacional como a única instituição legítima da Venezuela, eleita democraticamente — afirmou o líder argentino.

Olho no teleprompter

Bolsonaro, que usou teleprompter em todos os seus discursos, falou antes do visitante e também condenou o regime chavista.

— Estamos comprovando nossa convergência de posições e nossa identidade de valores. Com essa identidade que atuaremos conjuntamente na defesa da liberdade e da democracia na nossa região. Nossa cooperação na questão da Venezuela é o exemplo mais claro do momento. As conversas de hoje só fazem reforçar minha convicção de que o relacionamento entre Brasil e Argentina seguirá avançando no rumo certo, no rumo da democracia, da liberdade, da segurança e do desenvolvimento — disse.

Fontes em Brasília indicam que o governo brasileiro enfrenta limitações para tomar medidas mais duras contra a Venezuela, como já fizeram outras nações. Ao menos três fatores impedem uma atuação num tom acima do transmitido pelo governo: o Brasil tem uma fronteira de mais de 2.000 km com a Venezuela; Roraima depende da energia daquele país; e a legislação nacional não seria “tão vasta” como a de vizinhos para a aplicação de vários tipos de sanções.

Fonte: O Globo