Com dois ‘presidentes’ há três meses, Venezuela afunda no impasse político e na desintegração econômica

RIO — Três meses depois de o mundo ser apresentado a um então desconhecido líder opositor que prometia mudar a Venezuela , pouca coisa avançou no país, cada vez mais desintegrado economicamente e politicamente paralisado. Sem uma estratégia clara, Juan Guaidó —  que se autoproclamou presidente interino perante milhares de pessoas em Caracas, no dia 23 de janeiro, com apoio da Assembleia Nacional dirigida por ele —  vem agora tentando reunir manifestantes depois que suas tentativas anteriores de tirar Nicolás Maduro do poder fracassaram. Para analistas, no entanto, a demora em concretizar a mudança pode levar ao esmorecimento das bases que hoje o apoiam.

O analista venezuelano Luis Vicente León, diretor do Instituto Datanálisis, destaca o fortalecimento da oposição que, nos últimos meses, conseguiu lutar de maneira mais conjunta e unificar os partidos, além de angariar relativo apoio internacional. Mas lembra que a esperança da população não é infinita.

— De uma perspectiva, a oposição conseguiu injetar uma esperança de mudança real na base da população, ao redor da figura de Guiadó — explica, lembrando, no entanto, que isso não se traduziu na saída de Maduro e nem sequer na desestabilização do governo. — Guaidó ainda é muito popular, mas não sabemos quanto tempo resta de popularidade. E essa disputa traz consequências negativas à vida cotidiana.

A estratégia do opositor de tentar chegar ao poder apostando em fraturas nas Forças Armadas não se concretizou. O teste aconteceu em fevereiro, quando Guaidó, já reconhecido por mais de 50 países como presidente, tentou fazer entrar ajuda através das fronteiras com a Colômbia e o Brasil. O governo respondeu dando ordens à Guarda Nacional Bolivariana e à polícia militar para barrarem a ligação entre os países e foi prontamente atendido. Mesmo que nos últimos meses cerca de 1.500 militares, principalmente jovens soldados , tenham desertado, Maduro continua contando com o apoio de grande parte do Exército.

O jovem opositor também chegou a apostar em uma intervenção estrangeira como resposta para a crise, principalmente pressionado pela ala mais radical da oposição. A estratégia, no entanto, está cada vez mais distante, já que, apesar da retórica agressiva de Donald Trump, os Estados Unidos não parecem de fato interessados nessa solução, afirma Phil Gunson, consultor do International Crisis Group baseado em Caracas.

— O que resta a Guaidó são as manifestações populares. Uma saída seria uma marcha sem retorno, ou seja, tomar as ruas de maneira massiva até o Palácio Presidencial para tirar Maduro. Mas ele está muito consciente de que não tem força política para fazer isso. Agora está focado em aumentar a pressão nas ruas paulatinamente, criando uma organização mais forte, para que, em algum momento, consiga convocar 1 milhão de pessoas a ir às ruas.

Crise energética

Nas últimas semanas, o autoproclamado presidente interino vem pedindo à população para protestar sempre que houver apagões e, dessa forma, pressionar o regime. A próxima marcha prevista será na semana que vem, no Dia do Trabalhador.

Desde o inicio de março, governo e oposição precisam lidar ainda com uma nova crise , desta vez energética. Em três semanas, a Venezuela sofreu três interrupções no fornecimento de energia que afetaram a maior parte do país e se prolongaram por vários dias. Maduro, que atribui as falhas a ataques estrangeiros, anunciou um plano de racionamento elétrico. Além disso, a produção de petróleo caiu tanto nos últimos meses, sob impacto das sanções americanas às exportações da estatal PDVSA, que o governo está importando o óleo cru pela primeira vez em cinco anos.

— Os problemas energéticos foram causados depois do apagão de março, mas não por ele em si. A má execução das tarefas de recuperação da carga elétrica sobrecarregou o sistema. Desde que Maduro chegou a poder, a Venezuela perdeu metade de seu potencial energético. Tínhamos um dos melhores sistemas da América Latina há 20 anos — diz o consultor de sistemas de energia venezuelano José Aguilar, que atribui os sucessivos problemas à cada vez mais escassa mão de obra qualificada no país.

— Se por um lado o blecaute elétrico é produto da ineficiência e da corrupção do governo venezuelano, uma solução real se faz impossível por causa das sanções — ressalva León. — O país não só não mudou politicamente como piorou economicamente nesses três meses. Essa combinação não é boa.

Para a jornalista venezuelana Luz Mely Reyes, uma das criadoras do site Efecto Cocuyo, o tempo joga a favor de Maduro.

— A ajuda humanitária recebida há algumas semanas da Cruz Vermelha permitirá atender aproximadamente 650 mil pessoas, ou seja, a população mais vulnerável neste momento no país, e isso gera um alívio, claro. Isso favorece Maduro — acredita. — Embora Guaidó tenha comemorado a entrada dessa ajuda como uma vitória da oposição e o reconhecimento por parte do governo da crise humanitária, na prática é apenas uma vitória simbólica. É Maduro quem sai favorecido, porque tira um ponto de pressão do governo.

O consultor do International Crisis Group, no entanto, não acredita que o tempo favoreça o governo.

— A situação econômica está grave demais. Maduro não fica mais forte, no máximo, se fortalece relativamente frente à oposição, que vem perdendo impulso. Mas a situação econômica só irá piorar sem um acordo político — afirma Phil Gunson. — A economia vive uma espiral, e o dia a dia da população está um inferno. Não há comida, remédios, o sistema de saúde está em colapso. A ajuda humanitária é uma gota no oceano.

Fonte: O Globo