Meus amigos:
A ideia de se criar uma área de incentivos para desenvolver os estados do Norte do país, começou a se forjar com a criação da SPVEA – Superintendência do Plano de Valorização Econômica da Amazônia, órgão criado pela Lei nº 1.806, de 6 de janeiro de 1953, com a função de pôr em execução um plano definido pelo mesmo documento legal. A SPVEA, em 27 de outubro de 1966 foi transformada na Superintendência do Desenvolvimento da Amazônia (Sudam), pela Lei nº 5.176. Mas não era o suficiente para os anseios de um povo sofrido e desintegrado dos demais estados da Federação Brasileira. A luta para essa conquista jamais foi interrompida. Pois em 6 de junho de 1957, por iniciativa do deputado federal Francisco Pereira da Silva, cearense que representava o Amazonas, foi editada a Lei nº 3.193, que dava inicio a uma série de regalias fiscais para o Estado do Amazonas.
Essa iniciativa culminou em 28 de fevereiro de 1967, com a publicação do Decreto-Lei nº 288, criando-se finalmente a Zona Franca de Manaus, determinando uma área de condições especiais para o livre comércio de importação e exportação de mercadorias, matérias primas e insumos, além de isentar do imposto sobre produtos industrializados, e do imposto de renda e adicionais, os produtos fabricados na Zona Franca de Manaus, no perímetro acima, pelo prazo de 10 anos.
Não se pode deixar de mencionar alguns protagonistas que tanto lutaram e contribuíram para que esses incentivos fossem conquistados, como por exemplo, o empresário Arthur Soares de Amorim, Nathan Xavier de Albuquerque, os jornalistas Phelippe Daou, Umberto Calderaro, Maria de Lourdes Archer Pinto, os políticos Dr. Bernardo Cabral, João Braga Jr., de algumas associações de classes, sob a liderança da Associação Comercial do Amazonas, da Federação das Indústrias, da Federação da Agricultura, da Federação do Comércio, e outros organismos que formaram uma trincheira em defesa do vitorioso modelo.
Testemunhei, como assessor jurídico e contábil de algumas empresas pioneiras na implantação de projetos na Zona Franca de Manaus, as dificuldades do primeiro momento, o desafio que tamanha benevolência fiscal representava para os profissionais radicados em Manaus, para o caboclo do interior, acostumado a empunhar o caniço e o anzol no dorso de sua igarité (canoa), que de repente saltou para a cidade grande e imediatamente se adaptou aos kits para fabricar rádios, televisores, ventiladores, relógios, e tantos outros aparelhos da mais moderna tecnologia. E foi graças ao entusiasmo do nosso caboclo, à pureza de costumes, a concentração nas linhas de produção, que essa adaptação isenta dos vícios que já se multiplicavam no ABC paulista, foi possível o sucesso tão rápido da implantação da ZFM.
Acompanhei a implantação das primeiras fábricas, fazendo a constituição jurídica de muitas empresas, algumas dezenas, entre as quais destaco a Sharp, a Semp Toshiba, a Moto Rádio, Coimpa Ltda., Amazonas Timber, Amaplac, Orient Relógios, Quartz Eletron (Seiko), Cia. Industrial de Madeiras, Igasa S. A., Tubozin S. A. Caloi S.A, Springer, Motovi, Despertex da Amazônia, Gentek S. A. e tantas outras que seria cansativo enumerar entre importadores e empresas industriais. Foi um processo de muitas vicissitudes, posto que não houvesse no Amazonas, indústrias de grande porte, além da Companhia de Petróleo da Amazônia e outras dos grupos Benzecry, Sabbá, J. G. Araújo, na sua maioria indústria nativas. Estávamos agora diante do desafio da tecnologia, e era necessário importar matérias primas, insumos, e identificar mercados consumidores.
Não tínhamos grandes conhecedores de importação e exportação e nem existia no Amazonas, estabelecimentos bancários suficientes para as primeiras demandas. SEFAZ, Prefeitura, Receita Federal estavam todos obrigados a uma grande reciclagem operacional juntamente com os advogados, contadores, despachantes, auditores fiscais e outros envolvidos no processo. Todos precisavam tomar conhecimento das novas leis com incentivos e os procedimentos. Os produtos importados com tanta tecnologia exigiam balconistas que entendessem do mecanismo para ensinar os compradores a manusear com precisão suas engrenagens. Isto dificultava as vendas, alguns eram enganados por vendedores espertos e houve todo um processo confuso e de descontentamento no início.
Muitas empresas instaladas na Zona Franca de Manaus, principalmente as importadoras, traziam com elas alguns experientes comerciantes de outros países, conhecedores do mercado e muitos sem ética, honestidade, aproveitaram tais fatos, para vender gato por lebre, sonegar impostos e acima de tudo desvirtuar o processo, submetendo a Zona Franca de Manaus, a um encadeamento de denúncias.
Mas, com o tempo, com muitos dissabores, muitos cortes nos incentivos iniciais, as coisas foram acomodadas, não sem um grande prejuízo para o povo amazonense. Os empresários do Sul e do Sudeste, não perdoavam o sucesso do modelo, como ainda o fazem atualmente. Foram muitas e incontáveis as retaliações que impuseram ao modelo Zona Franca de Manaus.
Mas hoje, depois de tantas lutas, tanto sofrimento para preservar o modelo, temos certeza de que ninguém poderá contestar a sua validade e importância. Haja vista que tem sido copiado por outras regiões, disciplinou a preservação do meio ambiente do Amazonas, manteve a floresta tropical quase intocável, evitou o crescimento desordenado do contrabando nas fronteiras, malgrado ainda faltar muitas providências e trouxe, com o Polo Industrial de Manaus, uma garantia incontestável de sobrevivência.
E foi a transformação da Zona Franca, em Polo Industrial de Manaus, quando se teimava em definir a região como um grande posto de contrabando de mercadorias importadas, que o fato, em boa hora, credenciou o modelo a se tornar de fato e de direito, um grande parque industrial na América do Sul. E hoje, certamente irreversível.
Gaitano Antonaccio
Menção Honrosa: Os pioneiros da Indústria no Amazonas, antes da chegada dos incentivos fiscais: Isaac Sabbá, Isaac Benzecry, J. G. Araújo e outros abnegados, além do presidente Marechal Humberto de Alencar Castelo Branco, que assinou o Decreto-Lei nº 288/67.
Artigo : Gaetano Antonaccio