Venezuelanos cruzam para a Colômbia em busca de serviços básicos de educação e saúde

CÚCUTA, Colômbia — Com a explosão do êxodo de venezuelanos para o lado colombiano da fronteira, os moradores de Cúcuta passaram a dividir com os vizinhos serviços básicos, como educação, saúde e transporte. A população flutuante é tão grande na cidade que hoje já há mais venezuelanos do que cucutenhos utilizando esses serviços.

O Hospital Universitário Erasmo Meoz, o único da cidade, é um retrato do que virou a vida na fronteira entre Colômbia e Venezuela. Enquanto em 2016 apenas 212 dos 4.072 bebês nascidos eram filhos de venezuelanos, 5% do total, no ano passado a quantidade de recém-nascidos com pais imigrantes no hospital saltou para 55%.

Foram 5.324 bebês nascidos no hospital em 2018, sendo 2.944 deles filhos de pais e mães venezuelanos. O número de filhos de imigrantes mais que quadruplicou na comparação com 2017, quando as crianças com pais venezuelanos foram 734.

Muitas mães cruzam a fronteira a pé para parir seus filhos. É o caso de Josefina Flores, de 26 anos, que está desempregada e veio do Estado de Táchira, na fronteira com Cúcuta, para ter o segundo filho. O pequeno Emanuel tem apenas duas semanas e ficou internado no hospital porque nasceu prematuro. Na última sexta-feira, quando a reportagem esteve no local, Josefina acabara de sair com a cria nos braços para levá-la para casa.

— Na Venezuela, não há médicos, não há nada. Se meu bebê tivesse nascido lá, ele teria morrido porque nasceu prematuro.

Em duas das principais escolas da fronteira, a rotina também é compartilhada entre venezuelanos e colombianos. O Instituto Educativo da Fronteira, na região de Vila del Rosario, fica em Cúcuta, mas é praticamente um colégio venezuelano. De um total de 1.600 alunos, só há 200colombianos, ao passo que 1.400 deles são nascidos na Venezuela. Destes, 1.300 ainda vivem no país vizinho e pegam ônibus ou caminham todos os dias para ir à escola. A maioria mora na cidade fronteiriça de San Antonio.

Merenda só para metade

Segundo o diretor, Germán Barbesl, há 54anos a instituição recebe alunos da Venezuela, mas nunca em tanta quantidade. Ele explica que muitos alunos caminham cerca de uma hora por dia para estudar, já que não há ônibus escolar para suprir toda a demanda da escola. O plano alimentar também só cobre 50% dos alunos venezuelanos, e a merenda, quando chega à outra metade, é por ajuda de organismos internacionais.

— Muitas vezes, aqui só metade dos alunos come. E o transporte para trazer as crianças da fronteira até aqui é contratado através de licitação. Como demora, agora só em março ou abril para atender à nova leva de estudantes — lamentou o diretor.

Na tarde da última sexta-feira, havia uma fila de pais venezuelanos esperando na antessala do diretor do colégio para matricularem os filhos. Funcionária de um supermercado em San Antonio, Alis Sánchez veio a pé para tentar uma vaga.

— Meu filho de 5 anos só tem aula três vezes por semana na Venezuela, não posso deixar isso continuar — afirmou.

Na mesma região de Vila del Rosario, o Colégio San Antonio tem 1.300 alunos, sendo 40% deles, ou 520 crianças, venezuelanos. As aulas são misturadas, mas o coordenador de estudos, Pedro Téllez, disse ao GLOBO que não se fala em questões de migração dentro de sala de aula.

— Tratamos todos iguais e não queremos que haja discriminação, então não tocamos nesse assunto, a não ser que seja estritamente necessário — contou Téllez.

O coordenador disse que a escola não fornece transporte para os alunos, mas esclareceu que a prefeitura freta alguns ônibus para fazer o serviço.

Moradores de San Antonio, os amigos Mariana Baez e Yesid Bonilla, ambos com 13 anos, acabaram de começar a frequentar a escola na região de Cúcuta. Todos os dias, cruzam a fronteira juntos e caminham cerca de 20 minutos pela ponte Simón Bolívar, por onde entram na Colômbia milhares de venezuelanos todos os dias, até o terminal de ônibus. Lá, pegam o transporte até o colégio, que fica no alto de um morro.

— A gente não tinha opção. Mudamos porque não tinha mais aulas no nosso colégio na Venezuela, nem professores. Aqui a gente pode pensar num futuro — disse Mariana, animada com as perspectivas.

Mas quando cai a noite em Cúcuta, a paisagem muda. Os ambulantes venezuelanos que lotam as ruas vendendo bananas, abacate, água e doces se recolhem. O burburinho das vozes dá lugar às caixas de som de bares, e as principais artérias da cidade, como a Avenida Sétima, se transformam num corredor de prostituição. Há muitas mulheres venezuelanas no local que não conseguiram outros trabalhos em solo colombiano.

“Consigo o básico”

Uma delas tem apenas 23 anos e preferiu não se identificar. Chegou há poucos meses a Cúcuta e, sem qualquer perspectiva de trabalho, faz programas nas ruas da cidade. Ela contou que consegue cerca de R$ 30, R$ 40 por noite, e que com o dinheiro consegue dormir e se alimentar.

— Consigo o básico. Na Venezuela, eu não tinha dignidade — disse a jovem.

Fonte: O Globo