Tecnologia desenvolvida na Fiocruz Amazônia será usada pelo MS contra o ‘Aedes aegypti’

O Ministério da Saúde adotará as Estações Disseminadoras de Larvicida (EDLs), fruto de pesquisa desenvolvida pelo Instituto Leônidas & Maria Deane (ILMD/Fiocruz Amazônia), como diretriz da Coordenação Geral de Vigilância de Arboviroses (CGARB/SVS/MS). O objetivo é replicar em nível nacional a tecnologia desenvolvida pela FIOCRUZ/Amazônia, que basicamente utiliza água em um pote plástico de dois litros recoberto por um tecido sintético impregnado de larvicida. Esse instrumento atrai as fêmeas do Aedes aegypti para colocar ovos e ao pousar elas se impregnam com o larvicida presente nas estações. Essas fêmeas, impregnadas com larvicida, ao visitarem criadouros acabam contaminando outros recipientes com o inseticida que impede o desenvolvimento das larvas e pupas, reduzindo a infestação e, por conseguinte, o avanço da doença.

A estratégia, desenvolvida e coordenada pelos pesquisadores Sérgio Luz e José Joaquin Carvajal Cortes, ambos da Fiocruz Amazônia, já foi testada e aprovada com resultados comprovados em 14 cidades brasileiras, de diferentes regiões do País, onde foi aplicada entre 2017 e 2020. A finalidade foi avaliar a eficácia e identificar e conhecer bem todos esses problemas ou “intercorrências” da aplicação da estratégia na prática, na escala real dos programas de controle, em diferentes cenários de cidades, entendendo como melhorar os procedimentos operacionais com os meios e recursos disponíveis. Para tal, foram capacitados, até o momento, 1.800 ACEs e gestores.

Uma carta-acordo firmada entre a Fiocruz Amazônia e a Organização Panamericana de Saúde (OPAS), no Brasil, com mediação do Ministério da Saúde, definirá as ferramentas de transferência tecnológica que serão utilizadas para a expansão da estratégia no País. Serão elaborados manual com orientações básicas para implementação das estações e um curso virtual (a ser disponibilizado na plataforma da Fiocruz) para agentes de saúde retirarem dúvidas e serem certificados. O treinamento virtual será oferecido nas modalidades síncrona e assíncrona, mostrando o passo a passo do processo de montagem das armadilhas, a implantação e manutenção das estações disseminadoras com o larvicida pyriproxyfen – de uso aprovado pelo MS, com eficácia comprovada de até 95% na eliminação de larvas do mosquito – com ED’s.

“Micronizamos o produto (larvicida) num tamanho e textura ideal para que fique impregnado nas patas e no abdômen da fêmea do Aedes aegypti, quando esta pousa na armadilha para depositar seus ovos. Ao pousar, o pó fica aderido na fêmea e é levado por ela para vários outros criadouros, uma vez que é da biologia das fêmeas do Aedes, colocar os ovos em vários criadouros, para manter a sobrevivência da espécie”, explica Carvajal. O produto é potente e tem efeito exclusivo sobre as larvas e pupas, alterando o desenvolvimento até a morte delas, reduzindo assim a quantidade de novos vetores. Os ensaios realizados atestaram que o mosquito consegue carregar o larvicida até 400 metros de distância, atingindo 94% de cobertura de todos os criadouros da área e uma mortalidade de 90 e 95% das larvas.

“Após anos de estudo, conseguimos analisar os dados e comprovar que além da redução na infestação por larvas tínhamos obtido também uma redução no impacto epidemiológico da doença, ou seja, em algumas cidades desde 2017, onde aconteceram surtos de dengue, houve uma menor incidência de casos nas áreas com armadilhas (25%-50%) ao ser comparadas com áreas de controle”, relata o biólogo, que é doutor em Medicina Tropical e atua no Programa de Pós-Graduação Condições de Vida e Situações na Saúde na Amazônia (PPGVIDA), da Fiocruz Amazônia.

A estimativa é de que o processo de transferência tecnológica ao Ministério da Saúde ocorra até o final deste ano para que a estratégia seja, em definitivo, incorporada como Diretriz Nacional da Coordenação Geral de Vigilância de Arboviroses para o controle de Aedes. A tecnologia será repassada às secretarias de saúde dos municípios, sobretudo aqueles com alto risco para dengue e infestação de Aedes aegypti. Serão levadas em conta a aplicabilidade e as contribuições por parte do MS nas diferentes escalas e realidades dos programas de controle no Brasil.

“Conseguir desenvolver um estudo, chegar à comprovação de um método para apoiar as ações de controle do vetor para todo o Brasil e com apoio do Ministério da Saúde é um grande passo. Do mesmo modo nos orgulhamos muito de tudo isso ter sido realizado, do início ao fim, aqui no Amazonas na nossa FIOCRUZ”, afirma Sérgio Luz.

PONTO DE PARTIDA

A ideia de utilizar as fêmeas do Aedes aegypti como dispersoras de larvicida nasceu em 2012 através da discussão sobre um artigo científico que tratava de um experimento realizado, em 1994, por um cientista japonês, Takaaki Itoh, que demonstrou em condições de laboratório que os Aedes aegypti eram capazes de veicular o larvicida para diferentes ambientes. A Fiocruz/Amazônia mantinha na época um estudo de base entomológica, desde 2007, no bairro Tancredo Neves, na Zona Leste de Manaus, onde era feito o monitoramento das populações de mosquitos.

“Testamos inicialmente em Tancredo Neves onde demonstramos, pela primeira vez, em uma escala real de campo, a eficiência da estratégia, do larvicida e o seu alcance. Com esse resultado avançamos para testar a hipótese de como ocorreria a aplicação da estratégia em uma cidade inteira e estabelecemos em Manacapuru o monitoramento prévio onde posteriormente distribuímos aproximadamente 1.000 estações disseminadoras. Nesse estudo conseguimos comprovar a eficácia e o efeito dispersor, zerando a população de fêmeas de Aedes albopictus Aedes aegypti. Apenas uma fêmea de Aedes foi encontrada, no terceiro mês e dois meses depois de retirarmos as estações, verificamos que ainda havia o efeito da residualidade do larvicida na área”, explica Sérgio.

Além de ser uma metodologia de fácil operacionalização e principalmente de custo baixíssimo, as EDLs se adaptam bem à realidade dos programas de controle das cidades e não alteram muito a dinâmica laboral dos órgãos municipais de saúde, o que facilita a implementação da estratégia em cidades com pouca disponibilidade de recursos humanos. “O mosquito vai a uma infinidade de locais, desde tampinhas de refrigerantes, copos descartáveis e pneus abandonados a outros locais onde o homem geralmente não tem acesso, como calhas de telhados, casas fechadas, terrenos baldios com mato e depósitos abandonados”, relata.

A estação simula o criadouro do mosquito. Lá ele procura um local de repouso para colocar seus ovos. A principal preocupação é a de manter o nível de água nos recipientes, principalmente em locais de temperatura alta. A residualidade do larvicida gira em torno de 40 a 50 dias. “Durante o treinamento, enfatizamos com as equipes de agentes de saúde que a reimpregnação deve ser feita mensalmente”, observa.

 

Fotos: Ingrid Anne / ILMD/Fiocruz Amazônia