Simplificação de regras para cidadania portuguesa beneficia descendentes na região amazônica, mas recuperação de documentos históricos ainda é desafio

O acesso à uma cidadania europeia para brasileiros descendentes de portugueses foi simplificado com as mudanças no regulamento da Lei de Nacionalidade, que entraram em vigor, em Portugal, no mês de abril. A língua portuguesa passou a ser critério para comprovação de vínculo com o país, o que tende a beneficiar mais de dois milhões de filhos e netos de lusitanos na região amazônica. Antes, os critérios eram mais subjetivos e incluíam documentação pessoal portuguesa e viagens ao país.

Os pedidos de cidadania portuguesa por brasileiros cresceram ao longo dos últimos anos, saltando de 44 mil, em 2019, para 58 mil, em 2020. Entre 2016 e 2020, foram protocolados 257.099 pedidos de nacionalidade portuguesa, por descendentes de todas nacionalidades. Com a redução das exigências, a tendência de crescimento nas demandas pela dupla cidadania continua. Apenas entre os meses de março e maio, o advogado e CEO da Martins Castro, Renato Martins diz que a quantidade de novos pedidos, em sua consultoria internacional situada em Lisboa, aumentou cerca de 40%. Ele prevê que a alta deve avançar nos próximos meses devido ao maior acesso às informações por parte dos brasileiros descendentes.

Com uma população estimada de 29,6 milhões de habitantes, a região amazônica, composta por Acre, Amapá, Amazonas, Pará, Roraima, Rondônia, Mato Grosso, Maranhão e Tocantins, foi importante polo da entrada dos portugueses no Brasil entre os séculos XV e XIX. Como as migrações antecedem ao período de independência do país, não existem números concretos sobre a ascendência portuguesa.

Pesquisas realizadas ao longo das últimas décadas pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) indicam que 10% dos brasileiros afirmaram ter ancestralidade portuguesa, percentual que, numa população de cerca de 200 milhões de pessoas, representaria 20 milhões descendentes. Essas informações se aproximam dos censos demográficos ao longo dos séculos, em estados da região. No Pará, por exemplo, em 1872, os estrangeiros representavam 12% da população de Belém, sendo 80% deles portugueses. Em 1920, os imigrantes compunham 7,5% da população da capital paraense, sendo que 68% eram de Portugal. Observando essas médias históricas, a região amazônica, atualmente, pode ter mais de dois milhões de descendentes de portugueses, entre filhos e netos.

Tecnologia auxilia na localização de documentos históricos

A recuperação dos documentos dos antepassados ainda é um entrave para os brasileiros. Para dar entrada em um processo de cidadania portuguesa, é necessário comprovar a nacionalidade portuguesa originária. Ou seja, é preciso apresentar a certidão de nascimento do ascendente. Segundo dados do governo português, dentre os pedidos realizados em 2020, 815 tiveram pareceres negativos devido a falta de documentos.

Com o objetivo de comprovar a entrada destes imigrantes no Brasil e das suas origens em Portugal, pesquisadores em Lisboa montaram um banco de dados com mais de um milhão de metadados para promover pesquisas genealógicas. O coordenador do estudo na Martins Castro, o advogado Thiago Huver, diz que estes dados constituídos, a partir da ciência da informação, têm permitido a localização destes documentos fundamentais para comprovar a nacionalidade destes familiares.

Especialista em Direito Internacional Privado, Huver explica que a grande mobilidade dos portugueses para o Brasil ao longo do século XIX, entre os anos de 1890 e 1920, gerou um conjunto de anotações nas administrações públicas brasileira e portuguesa, em cartórios, conservatórias e também registros particulares. Atualmente, estes documentos estão espalhados por diversos locais nos dois países e muitos descendentes não conseguem localizá-los.

O genealogista Gabriel Dias, que também integra o estudo, conta que, no final do século XIX, os portugueses chegavam ao Brasil sem certidões de nascimento e poucos tinham passaporte. Outro fator que prejudica a busca documental destes familiares está no fato de que até 1911 não havia registro civil em Portugal.

Os nascimentos e batismos eram feitos pela Igreja Católica e, na época, era comum ter de 20 a 30 paróquias por concelho ou cidade. Por isso, é comum encontrar grupos de descendentes portugueses pelas cidades, que não conseguem comprovar a descendência pela falta de documentação. Como esses documentos não estão mais em posse das famílias, se perderam. “Muitos sabem que os avós são portugueses e não conseguem ter provas documentais da naturalidade do português emigrado. Isso prejudica quem busca a dupla cidadania”.

Quem tem direito à cidadania portuguesa

Netos

Os netos de portugueses estão dispensados de comprovar vínculo com o país. Para brasileiros, basta domínio da língua portuguesa. E podem requerer sem que os pais tenham cidadania.

Cônjuge

Estrangeiros casados com portugueses e portuguesas há mais de três anos. Ou que coabitem há mais de três anos em união estável, independentemente do sexo.

Filhos

1. Nascido em território português, filho de estrangeiro que more legalmente em Portugal há pelo menos um ano e não se encontre ao serviço do respetivo Estado de origem;
2. Filho de pais que resida em território português, independentemente de título, pelo menos durante os cinco anos imediatamente anteriores ao pedido;
3. Menor de idade que tenha frequentado em território português, pelo menos, um ano da educação pré-escolar ou ensino básico, secundário ou profissional;
4. Filhos de pais que adquiram a nacionalidade de forma derivada depois do nascimento dos mesmos só podem pedir a nacionalidade enquanto forem menores.

Judeus sefarditas

Descendentes de judeus sefarditas originários de Portugal, que deixaram o país devido às perseguições na Inquisição. Não há limite de grau de descendência.

Quando fazer?

Até 31 de agosto, os descendentes podem comprovar somente o pertencimento a uma comunidade sefardita com o certificado da comunidade judaica. A partir de 1º de setembro, será exigido provas de “ligação efetiva e duradoura com Portugal”. Que podem ser direito à herança sobre imóveis, participações sociais em sociedades comerciais ou cooperativas de Portugal ou viagens regulares

Onde fazer?

Para todos os casos acima, os pedidos de cidadania são feitos em conservatória (cartório) de registro civil em Portugal que tenha competência para analisar e decidir processos de nacionalidade.

Observação: Para todos os casos, é necessário apresentar certificados de ausência de antecedentes criminais. O requerente não pode ter sido condenado com pena de prisão igual ou superior a três anos. É preciso comprovar, ainda, a ausência de perigo ou ameaça à segurança nacional devido ao envolvimento em atividades de terrorismo.

Benefícios da cidadania portuguesa

Para os brasileiros:

Acesso livre aos estados membros da União Europeia. Ao torna-se cidadão europeu, a pessoa é dispensada de vistos para visitar 186 países, entre os quais Estados Unidos e Japão.

Se decidir morar em Portugal terá direito ao sistema de saúde, taxas menores no ensino público e liberdade para abrir empresas e concorrer em concursos públicos.

Morar de forma legal em qualquer um dos países da União Europeia e do Acordo de Schengen, que inclui Islândia, Noruega e Suíça.

Como a cidadania portuguesa é uma herança, também é possível transmiti-la aos filhos.

Para os portugueses:

Manutenção da identidade e cultura do país.

A imigração pode amenizar a escassez de mão de obra ativa devido ao avançado processo de envelhecimento da população portuguesa.