NOVA YORK — Bernie Sanders, o senador independente de Vermont cuja agenda política ajudou a empurrar o Partido Democrata para a esquerda, anunciou nesta terça-feira que vai concorrer à Presidência dos Estados Unidos novamente. A nova aposta do político de 77 anos testará se ele conseguiu manter o apelo antiestablishment que o fez despontar em 2016, quando acabou derrotado por Hillary Clinton na disputa pela candidatura democrata para enfrentar o republicano Donald Trump nas urnas.
Autointitulado socialista democrático, Sanders advoga por um salário mínimo nacional de US$ 15 por dia, um sistema de saúde universal e ensino superior gratuito, pautas que se tornaram pilares da ala mais progressista do Partido Democrata. Ele é uma das mais proeminentes figuras de Washington a se lançarem na já engarrafada disputa do partido contra a reeleição de Trump, a quem repetidamente chamou de “mentiroso patológico” e “racista”.
“Estou concorrendo à Presidência. Eu peço a vocês que se juntem a mim hoje como parte de um campanha de raiz sem precedentes e histórica que vai começar com ao menos um milhão de pessoas por todo o país”, escreveu Sanders no Twitter, ao anunciar a candidatura com um vídeo sobre seu histórico na política e suas principais propostas.
Nesta terça-feira, Sanders enviou um e-mail a apoiadores no qual relembrava o começo da campanha de 2016. Na ocasião, ouviu que suas ideias eram “radicais” e “extremas”, ligadas ao combate às mudanças climáticas e ao aumento de impostos dos americanos mais ricos — o “1%” que concentra a riqueza, como costuma ressaltar em seus discursos. O senador não bateu a favorita Hillary, mas deixou a campanha em alta e puxou a agenda do partido para a esquerda, sobretudo depois da vitória de Trump.
“Bem, três anos vieram e se foram. E, como resultado de milhões de americanos se levantando e lutando, todas essas políticas e outras novas agora são apoiadas pela maioria dos americanos”, destacou Sanders no e-mail a apoiadores.
Nascido no Brooklyn, Sanders concorreu sem sucesso nos anos 1970 para governador e senador de Vermont antes de ser eleito prefeito de Burlington, em 1981. Por 16 anos, foi o único congressista do estado até ser eleito senador em 2006. Seguiu como uma espécie de lobo solitário em Washington. Apesar da inclinação esquerdista, também ficou conhecido por trabalhar em projetos bipartidários. O status de independente incomoda alguns democratas, que não o veem verdadeiramente fiel aos interesses da legenda.
Desta vez, porém, Sanders encara um cenário político muito diferente em relação à última campanha à Casa Branca. Na época, era o único notável progressista que desafiava Hillary, a candidata do establishment. Agora, se coloca na fila de um campo diverso de candidatos, que incluem a popular senadora Elizabeth Warren, de Massachussetts, que também adotou uma campanha de envergadura populista.
Sanders ainda não divulgou por onde começará a campanha nem revelou as escolhas da equipe para a nova empreitada política. A vitória recorde de mulheres, representantes de minorias e candidatos de primeira viagem nas eleições legislativas de novembro do ano passado indicam que os democratas podem apostar em caras novas no próximo pleito. Céticos temem que Sanders não consiga renovar sua plataforma a esta altura, já que manteve a mesma mensagem esquerdista ao longo das décadas de carreira.
O senador terá ainda que impulsionar sua popularidade entre negros e driblar a repercussão negativa dos relatos de assédio, destrato e desigualdade salarial de funcionárias que trabalharam em sua campanha em 2016. As vítimas apontaram que líderes da campanha nada ou pouco fizeram, ao serem informados dos abusos, e os relatos abalaram a reputação do candidato, que se desculpou pelas falhas.
Por outro lado, Sanders começa a campanha com várias vantagens, como a organização em 50 estados e uma grande liderança entre pequenos doadores — equivalente à base de doadores de todos os outros aspirantes à indicação democrata juntos. Pesquisas iniciais sobre a corrida eleitoral de 2020 o situam em segundo lugar, atrás apenas do ex-vice-presidente Joe Biden.
Os socialistas e Trump
Estrelas em ascensão como Alexandria Ocasio-Cortez e Ayanna Pressley desviaram parte de sua autoridade sobre a ala progressista do partido, mas o senador ainda afirma ter gerado uma “revolução política” que reformulou o Partido Democrata e criou uma geração de jovens eleitores socialistas.
Sanders também é parcialmente responsável pela decisão do partido no ano passado de rever o processo de indicação do seu candidato, por meio da redução drástica da influência dos chamados superdelegados, indicados pela cúpula partidária, e do aumento da transparência em torno dos debates — fatores que ele sentiu terem favorecido Hillary Clinton em 2016.
O senador já logo abriu fogo contra principal rival na corrida de 2020, Donald Trump.
“Vocês sabem tão bem quanto eu que estamos vivendo um momento crucial e perigoso na História americana”, disse ele no e-mail a apoiadores. “Estamos concorrendo contra um presidente que é um mentiroso patológico, uma fraude, um racista, um sexista, um xenófobo e alguém que está minando a democracia americana ao nos conduzir em uma direção autoritária.”
Minutos depois de anunciada a candidatura e Sanders, Trump postou no Twitter: “Se o partido de oposição (não, não a mídia) tivesse ganhado a eleição, o mercado de ações estaria em baixa de pelo menos 10 mil pontos agora. Estamos subindo, subindo, subindo”. A alusão a uma hipotética queda dos mercados, caso os democratas tivessem sido vitoriosos em 2016, é uma constante no discurso do ocupante da Casa Branca.
No início do mês, Trump voltou a demonstrar sua habilidade para criar vilões que sirvam como adversários políticos e apresentou seu novo antagonista: os socialistas, de cujo grupo Bernie Sanders é uma das referências. O discurso indicou qual deve ser a cara da campanha de reeleição do republicano.
— Aqui nos Estados Unidos, estamos alarmados com novos chamados para adotar o socialismo em nosso país — disse o presidente. — Esta noite, decidimos que a América nunca será um país socialista.
A ameaça do socialismo foi algo novo no discurso de Trump. Mas pode se tornar dominante na retórica da campanha de 2020, como os ataques aos imigrantes o foram na campanha de 2016, quando ele provocou sobressalto com seus ataques contra “estrangeiros ilegais e criminosos”. Se evocar o fantasma do socialismo, Trump pode conseguir uma arma potencialmente eficaz para se confrontar com um Partido Democrata cada vez mais inclinado à esquerda, assim como outros membros do partido que propagam políticas como uma alíquota de imposto de renda de 70% para multimilionários e assistência médica para todos. Embora essas políticas sejam de esquerda, não há evidência de qualquer onda socialista a varrer os Estados Unidos.
Fonte: O Globo