REBOJO ENTREVISTA WILSON PÉRICO – “É uma miopia criticar o modelo Zona Franca”

A REBOJO ENTREVISTA desta semana é com o presidente do Centro da Indústria do Estado do Amazonas (Cieam), Wilson Périco. Como não poderia deixar de ser, a redução linear do Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI) em todo o Brasil, decretada pelo Governo Federal, e seu impacto para o Polo Industrial de Manaus, é um dos eixos centrais da conversa.

Há espaço também, entretanto, para o economista de São Paulo, radicado em Manaus desde 1993, fazer uma defesa apaixonada da Zona Franca de Manaus e apontar a discrepância que enxerga entre o discurso do ministro da Economia, Paulo Guedes, e as decisões que toma em relação ao modelo amazonense.

Com indicadores na ponta da língua e exibindo seu profundo conhecimento do Polo Industrial de Manaus, Wilson Périco sentencia: “A Zona Franca está longe de ser um peso para o País”. E aponta a falta de conhecimento dos inimigos do modelo: “É uma miopia criticar o modelo Zona Franca”.

REBOJO – Porque a redução linear do Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI) é o mais grave ataque do Governo Federal que a Zona Franca de Manaus sofreu nas últimas décadas?

WILSON PÉRICO – Tivemos outros ataques, se é assim que vamos chamar, contra o Polo Industrial, mas sempre para segmentos específicos, como foi o caso do concentrado recentemente. Mas algo que atingisse o Polo Industrial como um todo, essa é a primeira vez. E é, sim, muito preocupante porque é a primeira vez que isso aconteceu.

REBOJO – Quais impactos imediatos o Polo Industrial de Manaus sofre com a publicação do decreto de redução em 25% do IPI? O amazonense deve ficar preocupado com seus empregos?

WILSON PÉRICO – Sem querer criar nenhum terrorismo, mas se o decreto não for corrigido, a gente precisa, sim, se preocupar, não de imediato, mas com o futuro da atividade do Polo Industrial, consequentemente, a geração de empregos. Então, a manutenção dos empregos atuais e a dificuldade de atração de novos investimentos compromete a possível geração de empregos futuros, sim. De imediato, o que todo mundo vai fazer é recalcular e revisar os seus planos de negócios. Tanto aqueles que estão instalados, já em atividade, quanto aquelas empresas que pretendiam se instalar aqui. E cada uma vai rever seus planos de negócio para poder a tomar as devidas decisões e ações de continuidade, ou uma revisão, já prevendo uma mudança de rumos.

REBOJO – A indústria local se coloca contra a redução do imposto?

WILSON PÉRICO – É claro que, como brasileiro, ninguém pode ser contra redução da Carga Tributária no Brasil. Ela é extremamente alta e atrapalha, sim, a atividade produtora Ela carrega um custo excessivo sobre o cidadão, sobre o consumidor. E nós não somos contra a redução do IPI para a atividade da Indústria instalada no Brasil, que gera emprego para brasileiros no território nacional. Acontece que o decreto favorece também os produtos importados. Ora, se o objetivo é gerar emprego, favorecer a indústria nacional e, consequentemente, gerar emprego no Brasil, porque nós estamos incluindo os produtos importados, que não geram emprego aqui, e competem, sim, com a indústria Nacional como um todo e, em especial, aqui com a Zona Franca? O outro objetivo alegado foi a redução do preço dos produtos para o consumidor. Isso é meia verdade, também, porque os produtos na Zona Franca têm isenção do IPI. Ou seja, o IPI na composição do custo dos produtos é zero. Se você reduzir 25% do IPI dos produtos produzidos aqui em Manaus, 25% de zero é zero, ninguém vai sentir nada. Então, porque que incluiu também os produtos produzidos na Zona Franca, se o objetivo é fomentar a atividade da indústria nacional e o Amazonas é Brasil? Se o objetivo é reduzir o preço do produto ao consumidor e os produtos aqui produzidos não tem incidência do IPI?

REBOJO – Uma das propostas surgidas na reunião no dia 28 de fevereiro, no Palácio Rio Branco, convocada pelo prefeito David Almeida, e que contou com a presença de vários políticos e representantes de setores empresariais, seria isentar da redução do IPI produtos produzidos por meio dos Processos Produtivos Básicos (PPBs). Qual a probabilidade dessa proposta ser aceita pelo ministério da economia?

WILSON PÉRICO – Essa é a discussão e é isso que vai ser levado em pauta para discussão. E eu tenho comigo a certeza de que o Presidente da República não está totalmente ciente da abrangência desse decreto. Nos discursos que ele fez, nos pronunciamentos dele sobre o IPI, ele não comenta sobre os produtos importados e não comenta sobre a linha marrom, que são os produzidos aqui, ou informática. Ele fala da linha branca e fala dos produtos automotivos. Então, eu tenho comigo que ele não sabe de toda a abrangência desse decreto. Ele precisa saber. Eu tenho certeza que não é esse o objetivo. O ministro Paulo Guedes apresenta um decreto, faz um discurso, inclusive nos colocando contra os demais Estados do País, como se nós fossemos contra a redução do Imposto de Importação, o IPI, ou qualquer outro imposto que incida sobre a indústria nacional. E ninguém está falando disso. Nós somos contra a redução do Imposto de Produtos Importados porque eles não comungam com o discurso do ministro, que seria gerar emprego no País. O produto importado não gera emprego no Brasil e os da Zona Franca, mais uma vez, não levam o IPI na sua composição de custo. Nós temos a isenção. E também não vai baratear o produto para o consumidor. Por que é que essas duas áreas, dos Importados e dos produtos da Zona Franca foram incluídos no decreto? Isso aí eu queria muito entender.

REBOJO – O presidente Bolsonaro disse que não sabia dos impactos que a redução do IPI causaria na ZFM e que nem a superintendência da Suframa o procurou para informar. A atual superintendência trabalha dissociada do Cieam, Fieam e entidades representativas de classe da ZFM?

WILSON PÉRICO – Não. Nós temos um alinhamento muito grande entre toda a nossa bancada, Governo do Estado, Prefeitura de Manaus e a própria Superintendência da Suframa também foi pega de surpresa e comunga desse nosso entendimento com relação aos importados, que não geram emprego no Brasil. E é essa a questão. Não é o discurso apresentado pelo Ministro, ele não condiz com a abrangência do decreto. E é isso que nós temos que discutir, dialogar e corrigir. Pelo contrário, existe uma proximidade muito grande com a Suframa.

REBOJO – Porque a Carta Aberta do Amazonas não tem a assinatura do superintendente da Suframa?

WILSON PÉRICO – O superintendente da Suframa também foi pego de surpresa. Acontece que ele é subordinado ao Ministério da Economia. Ele tem as suas limitações, que nós temos que respeitar. Mas ele é, sim, partícipe desse nosso entendimento. O fato da Suframa não ter assinado a carta não quer dizer que ele não entenda e não pense como nós pensamos. Muito pelo contrário.

REBOJO – Na hipótese da ZFM acabar, quais as saídas que o senhor aponta, a curto prazo, para a sobrevivência de Manaus na área industrial?

WILSON PÉRICO – Não há esse questionamento. E, mais uma vez, nós não somos contra a redução da Carga Tributária. Aliás, brasileiro nenhum pode ser contra a redução da Carga Tributária. Acontece que o discurso do ministro está muito distante da abrangência desse decreto. A primeira justificativa é que a redução de 25% do IPI linearmente, para toda a atividade industrial do Brasil, é para favorecer essa atividade e, consequentemente, gerar emprego na indústria brasileira. Acontece que essa medida atinge também produtos importados, que não geram emprego no Brasil. Esse é o primeiro desvio. Porque essa indústria, na verdade, compete com a indústria nacional. A outra justificativa é a possível redução do preço dos produtos para o consumidor. Ora, os produtos produzidos na Zona Franca não têm o IPI. É um dos incentivos oferecidos ao modelo. Nós somos isentos. O IPI é zero na composição de custos dos produtos. Ou seja, o consumidor não vai perceber nenhuma redução de custo do dos produtos aqui produzidos quando forem adquiridos. E o terceiro é o controle da inflação. Ora, a inflação não é medida pela operação de preço de produtos de consumo e bens duráveis, como os que são produzidos aqui. É, sim, em cima dos produtos da cesta básica: o feijão, a carne, o ovo, o frango. E essa redução não vai atingir esses produtos.

REBOJO – Qual relação tem a redução do IPI em 25% com os produtos fabricados aqui na ZFM em termos de concorrência com o produto importado? Quem sai ganhando?

WILSON PÉRICO – Da forma como decreto está sendo implementado, parte da indústria nacional vai ser beneficiada. A competição e a concorrência dela com os produtos importados se mantém a mesma. Então, uma empresa que produza em Minas Gerais um produto cujo custo de IPI seja 35%, reduzindo linearmente também o IPI do similar importado, as duas alíquotas são as mesmas e essa indústria mantém aí uma vantagem em cima de um valor menor, mas equiparado com o importado. No nosso caso, não. No nosso caso, um produto com uma alíquota de 35%, que compete com o produto produzido em Manaus, esse produto está 8% mais barato e o nosso, não. O nosso continua com o mesmo custo.

REBOJO – Essa novela do IPI é antiga. O que pode ser feito para que haja uma solução final, já que nem o amparo legal da Constituição manteve a ZFM realmente intocável?

WILSON PÉRICO – A saída, conforme discutido também na reunião com prefeito, a nossa bancada e demais representantes, inclusive do Estado, a primeira alternativa é o diálogo. Expor isso ao ministro Paulo Guedes. Os equívocos dessa medida, quando os objetivos são gerar emprego no Brasil, a redução de preço do custo do produto para o consumidor e controle da inflação. Esperamos ter sucesso nessa conversa. Se, por acaso, isso não acontecer, certamente a busca por uma alternativa, uma solução jurídica, já está sendo trabalhada por parte do Governo do Estado.

REBOJO – Qual a expectativa que o empresariado da ZFM tem em relação à decisão sobre a manutenção ou não da redução do IPI?

WILSON PÉRICO – Eu acredito que o presidente Bolsonaro não esteja totalmente informado e eu custo a crer que, se ele soubesse desses impactos, distantes do discurso apresentado pelo ministro Paulo Guedes, o Presidente da República jamais teria concordado. Ele não foi corretamente e totalmente informado do alcance deste decreto e essa é a nossa posição. Ele, em sabendo desses impactos, rever a posição do Governo Federal, reeditando o decreto acrescentando uma vírgula e uma frase: excetuando-se os produtos importados e os produzidos na Zona Franca de Manaus. É isso que nós esperamos.

REBOJO – O projeto “Mais Distrito” está contando cem por cento com a conclusão da BR-319, que de Humaitá a Porto Velho está “um brinco”. O senhor acredita que a pavimentação da BR vai ser concluída?

WILSON PÉRICO – O ministro também fala de nós desenvolvemos outras atividades aqui, o que ninguém é contra. Porém, nunca em detrimento do modelo. Todas essas novas atividades devem ser desenvolvidas e implementadas, mas para se somar ao modelo Zona Franca e nós temos, como você cita, a BR 319. A nossa eficiência logística é grande. Impressiona a dificuldade de você ter um trecho de 400 km na estrada que já existe pavimentado para que ela possa ser trafegável o ano todo. O Presidente da República quer, o vice-presidente da República falou que comeria a boina dele se não saísse, o Ministério da infraestrutura tem isso na sua lista de prioridades, o ex-ministro do meio ambiente não se opunha, os governadores dos Estados envolvidos também o querem e a coisa não sai. A mesma coisa nós temos com a exploração do potássio. Há 14 anos as jazidas já são conhecidas, as potencialidades também, o Brasil importando 85% do potássio que consome, podendo ser autossuficiente e, inclusive, exportador de potássio. E nós, agora, com risco inclusive porque boa parte do potássio, 25%, 30% do potássio que o Brasil importa vem dessa região que está sob conflito. Então, são situações difíceis de entender e razões também que na nossa cabeça não têm sustentação. São razões e justificativas pseudoambientais que atrasam o retorno socioeconômico, as soluções de problemas atuais e futuros do País que temos aqui na nossa região.

REBOJO – Se o Governo Federal recebe tanto dinheiro da ZFM em impostos, por que esse descaso todo, ou mesmo pouco caso, com a ZFM, na sua avaliação?

WILSON PÉRICO – Quando nós falamos que o modelo Zona Franca está longe de ser um peso para o País, isso se dá pelo retorno social, a questão dos empregos que nós geramos, e se dá nas questões econômicas também. No Brasil, segundo dados da Receita Federal, dos 27 entes federativos – 26 estados mais o Distrito Federal –, apenas 8 são superavitários na relação de arrecadação de tributos federais e repasse compulsório. Todos os estados recebem o valor do Governo Federal como repasse para ajudar na sua atividade socioeconômica, nos projetos que os estados têm, e arrecadam, dentro das atividades econômicas que desenvolvem, impostos federais. O Estado do Amazonas recebeu, no ano passado, pouco mais de 4 bilhões e arrecadou 16 bilhões. Ou seja devolveu, limpo para a União, mais de 10 bilhões de reais. A renúncia fiscal apregoada pela equipe econômica, principalmente pelo ministro Paulo Guedes, de 24 bi, ele não faz a conta batendo esse superávit do nosso Estado. Ele não considera também as contrapartidas estaduais, as rubricas do Governo do Estado atendidas pela atividade da indústria. Eu falo do FTI [Fundo de Fomento ao Turismo, Infraestrutura, Serviços e Interiorização do Desenvolvimento do Amazonas], FMPE [Fundo de Fomento às Micro e Pequenas Empresas], UEA [Universidade do Estado do Amazonas], 1.5 bilhões. Ele não fala do crescimento da renda da população do Amazonas, que está acima da média nacional, a melhoria do acesso ao ensino e do acesso aos serviços básicos aqui, principalmente na capital, que está acima da média nacional, mesmo com crescimento populacional também acima dessa média. Então, o modelo Zona Franca, além de todas essas questões socioeconômicas, dá ao País e ao mundo a preservação florestal do nosso Estado que, em lugar nenhum do mundo você tem. Ou seja, é um programa de desenvolvimento para a redução das desigualdades regionais que atende a todos os preceitos para os quais ele foi criado, que foram o adensamento dessa região por conta de soberania. O Retorno social com geração de empregos e o retorno ambiental com a preservação de mais de 95% da cobertura vegetal natural do nosso Estado. Então, é uma miopia criticar o modelo Zona Franca.

REBOJO – A pandemia de coronavírus já dura dois anos e nesse período o que se percebeu foi a manutenção dos empregos no PIM acima de 100 mil postos de trabalho e, no ano passado, tivemos um faturamento recorde de mais de 158 bilhões de reais. Afinal, a pandemia foi prejudicial ou não para a ZFM?

WILSON PÉRICO – Todos os indicadores dos últimos dois anos aqui no Polo Industrial são positivos. Mas, o mais importante é o indicador social, ou seja, o número de empregos. Se a gente fala do faturamento, ele tem variáveis que nós contornamos: a variação cambial, o valor do dólar, por exemplo, é um deles. Com o dólar mais caro, o custo dos produtos também aumenta, consequentemente, o preço desse produto vai ficar mais alto. Então, você vendendo o mesmo produto pode ter um aumento no faturamento. Mas a geração de empregos, não. A geração de empregos mostra, assim, a pujança da atividade, mesmo com o processo mundial de inovação tecnológica que se impõe sobre os produtos que são industrializados. Essa inovação tecnológica sempre traz um nível de automação maior. Automação significa menor necessidade de mão de obra e, mesmo assim, o Polo Industrial superou no ano passado a média de 100 mil empregos ao longo do ano. Teve, na média, o número de 103 mil empregos. E, desde 2015, o Polo Industrial não superava a marca de 100 mil empregos diretos. Esse é um indicador que tem que ser, sim, comemorado. E mais do que isso: respeitado por quem acha que pode definir os rumos do nosso Estado sem nunca ter pisado aqui, sem conhecer a nossa realidade. E aí é uma provocação e uma autocrítica: nós temos que tomar as rédeas do nosso futuro. Nós não podemos aceitar passivamente que pessoas de outros países, ou pessoas do Brasil que não vivem aqui, que estão na Avenida Paulista, ou sentados nas cadeiras em Brasília, que entendem que o Brasil é do eixo Brasília para o Sul, sem considerar o Norte, queiram definir aquilo que é melhor para o nosso Estado. Nós precisamos participar, como conhecedores que somos, como pessoas que vivem aqui, nós precisamos tomar as rédeas e deixarmos de ser coadjuvantes nessa discussão e passarmos a ser protagonistas, definindo assim os rumos, os futuros do nosso Estado com aquilo que nós entendemos e sabemos ser o melhor para o futuro do nosso povo.