O Projeto de Educação Ambiental em Comunidades Rurais do Estado do Amazonas: Uma proposta de pesquisa-ação para o monitoramento da qualidade da água, desenvolvido pelo Instituto Leônidas & Maria Deane (ILMD/Fiocruz Amazônia), com financiamento da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado do Amazonas (Fapeam), está entrando na reta final das análises de amostras de água consumida em comunidades rurais de 12 municípios amazonenses, o que permitirá, por amostragem, identificar as diferentes formas de contaminação da água consumida por populações de localidades, que utilizam o rio como fonte de abastecimento, ou ainda poços sem manutenção e funcionamento precário.
O trabalho é coordenado pela bióloga e pesquisadora-tecnóloga da Fiocruz Amazônia, Luciete Almeira, chefe do Núcleo de Bacteriologia do Laboratório Diversidade Microbiana da Amazônia com Importância para a Saúde (DMAIS), em parceria com a Fundação Nacional de Saúde (Funasa).
De acordo com Luciete Almeida, ao longo de 18 meses, o projeto já percorreu 11 dos 12 municípios contemplados e gerou laudos de análises realizadas na água coletada nas comunidades e um conjunto de recomendações relativas a medidas sanitárias e profiláticas a serem adotadas tanto pelas autoridades municipais como estaduais no sentido de melhorar a qualidade da água consumida naqueles locais e identificar os fatores de risco que podem estar influenciando no adoecimento dos comunitários. “Nosso objetivo é promover a Educação Ambiental das comunidades e demonstrar, de forma comprovada, que a água que as populações desses locais distantes estão ingerindo pode estar contaminada por matéria orgânica, como fezes de animais e humanos, além de outras partículas poluentes, podendo comprometer gravemente a saúde das famílias”, explica a bióloga.
Na semana de 31/07 a 04/08, foi a vez do município de Silves, no Médio Amazonas, receber o trabalho. Lá, além das comunidades rurais, com acesso apenas fluvial – a exemplo da Divino Espírito Santo do Paraná do Pai Tomás, Santa Maria do Rebojão, São Raimundo do Bacabaí e São José do Pampulha, situadas a cerca de uma hora de voadeira da sede do município – foram realizadas também coletas dos poços artesianos que abastecem a área urbana da cidade. “Essa atividade da Fiocruz é de extrema importância para nosso município uma vez que precisamos saber que tipo de água estamos consumindo e o que podemos fazer para melhorar a situação, em caso de necessidade de medidas emergenciais”, reconheceu o secretário de Meio Ambiente de Silves, Janderlei Grana Gadelha, que acompanhou a equipe durante as coletas.
No total, Silves possui 32 comunidades rurais distribuídas ao longo do seu território, formada por ilhas, muitas delas completamente isoladas no período da vazante dos rios da região. O município é banhado pelos rios Urubu (afluente do Negro) e Amazonas, e faz fronteira com Itacoatiara e Urucurituba. As famílias sobrevivem da agricultura e pequenas criações de gado e suínos, cuja carne é consumida nas próprias comunidades. No trajeto, é possível avistar pequenas plantações e currais com o gado solto no pasto alagado. “A presença de coliformes fecais se intensifica com a pastagem dos animais que defecam nas áreas onde circulam e muitas vezes o ribeirinho utiliza da água captada do rio para os afazeres domésticos e até consumo”, explica Luciete.
Outro fator que influencia diretamente na qualidade da água é o clima. A seca e cheia dos rios e lagos da região, entre os meses de junho (topo da cheia) e outubro (vazante), altera significativamente a rotina do abastecimento d’água para quem reside em localidades. Nas quatro comunidades de Silves visitadas pela equipe da Fiocruz Amazônia e Funasa, as dificuldades relatadas são as mesmas. “Às vezes é necessário caminhar por mais de uma hora para alcançar a margem dos rios”, afirma Janderlei. Os poços artesianos, implantados em alguns locais, são a única alternativa dos moradores, mas sem garantia de estarem fornecendo água potável.
A pesquisa está sendo desenvolvida em comunidades rurais ribeirinhas dos municípios de Parintins, Manaquiri, Silves, Borba, Iranduba, Careiro da Várzea, Careiro Castanho, Rio Preto da Eva, Urucará, Barreirinha, Manacapuru, Novo Airão. Em cada um desses municípios, pelo menos quatro comunidades foram visitadas e tiveram as águas coletadas tanto dos poços artesianos quanto de rios, igarapés e sistemas Salta Z – criado pela Funasa como alternativa para a melhoria da qualidade da água consumida em localidades ribeirinhas.
Por esta razão, um técnico da Funasa acompanha a equipe nas viagens e realiza análises físico-químicas do material que ele também coleta. Em Silves, além das comunidades localizadas às margens do Lago do Canaçari e dos rios Amazonas e Urubu, foram realizadas também coletas da água captada dos cinco poços artesianos que abastecem a área urbana. Para o coordenador da Vigilância em Saúde do município, Juciê Neves, os laudos fornecerão as informações necessárias para embasar as demandas de implantação de novos sistemas Salta Z em comunidades que ainda não dispõem e a manutenção dos sistemas onde ele já existe, bem como na sede da cidade.
Luciete Almeida destaca a importância da parceria com a Funasa para o êxito do projeto. “Além da questão da sensibilização da comunidade, com as palestras sobre a importância da água potável para nossa saúde e os procedimentos que devemos adotar para reduzir os riscos de contaminação pela água, o projeto também contribui para a implementação de políticas públicas voltadas para a questão do fornecimento de água de qualidade às populações”, afirma. Segundo Luciete, assim que ficam prontos, os laudos são enviados às secretarias municipais de saúde dos 12 municípios contemplados.
Em Silves, o resultado das análises é esperado com expectativa. Das 32 comunidades existentes, apenas duas possuem o sistema Salta Z. Nas demais, não se tem uma noção exata da qualidade da água que está sendo consumida. O sistema Salta Z (Solução Alternativa de Tratamento de Água) é capaz de filtrar a água barrenta e contaminada dos rios e lagos, tornando-a potável para o consumo humano em poucos minutos. A tecnologia, implementada pela Funasa, faz a diferença na vida das comunidades ribeirinhas. Simplifica as etapas de tratamento de água convencionais, numa estrutura tubular com filtros potentes e adequados, para tornar a água potável, na proximidades de poços e rios onde é feita a captação.
Aglomerados de comunidades, algumas isoladas, crescem nas áreas de várzea do município. “Com o sistema Salta Z, as comunidades passam a ter água potável, mas é preciso ter os cuidados necessários de manutenção dos poços artesianos”, explica o técnico em Saneamento da Funasa, José Moura dos Santos, que acompanha as viagens junto com a equipe da Fiocruz Amazônia. Na comunidade Paraná do Pai Tomás, também conhecida como Paranazinho, o poço instalado há mais de 20 anos, passou a contar com o Salta Z há menos de um ano. “Durante as visitas, observamos também as condições do poço artesiano, que precisa estar em área limpa, sem a presença de animais, e ser feito com o método construtivo correto”, afirma Moura.
No Paranazinho, o sistema foi bem-recebido pelas 21 famílias residentes na comunidade. “Antes do Salta-Z, tínhamos muitas dificuldades e doenças. A maioria das famílias utilizava a água do poço, sem qualquer tratamento, para fazer comida e beber. Hoje, melhorou bastante”, afirma a professora Kiane Neves, da Escola Municipal Antonio Graciano de Farias, que atende as crianças do Paranazinho e Santa Maria do Rebojão. Na escola, a pesquisadora Luciete Almeida fez uma palestra para os alunos e professores, além de distribuir cartilhas sobre saúde e ambiente e aplicar questionários, que são utilizados para traçar o perfil das comunidades visitadas. “Por meio das perguntas, procuramos obter informações sobre o número de famílias, principais fontes de renda das comunidades, como é feita a coleta e o descarte do lixo, quais as mudanças ocorridas com a implantação do Salta Z, sobretudo em relação à incidência de doenças de veiculação hídrica, entre outras informações”, explica Luciete. “As crianças ajudam a propagar as informações, são elas que fazem a diferença”, afirma a bióloga.
Apesar de transparente, a água do Salta Z também pode apresentar variações de qualidade se não houver a devida manutenção no sistema nem nos poços que o abastecem. É o exemplo da comunidade Paranazinho, onde o poço nunca passou por manutenção desde que foi implantado e está situado numa área de massapê, com a presença de fezes de animais, água servida e esgoto (oriunda do banho e pia) contaminando o solo. “Nesse caso, é possível que tenhamos alterações na água fornecida pelo sistema porque todo o processo requer cuidados de manutenção, mas somente após os resultados das análises é possível confirmar”, explica o técnico da Funasa.
Dos oito poços que abastecem os bairros da Silves, cinco tiveram amostras da água coletada pelos pesquisadores da Fiocruz e da Funasa. O poço mais antigo fica situado no Centro. Na sequência, foram realizadas coletas nos bairros Mucajatuba, Panorama, Plínio Coelho e Curaçá. Todos, poços artesianos com mais 100 metros de profundidade e responsáveis pelo abastecimento de mais de 80% da cidade. “Será muito importante termos conhecimento acerca da água que é consumida, pois somente assim poderemos melhorar a qualidade do produto oferecido à população”, reforça Juciê.
LABORATÓRIO
A bióloga Dandara Brandão, mestranda do Programa de Pós-Graduação em Condições de Vida e Situações de Saúde na Amazônia (PPGVIDA), acompanha o projeto que faz parte da sua dissertação de mestrado. Ela trabalha na coleção de bactérias da Fiocruz Amazônia e explica que, tão logo chegam do campo, as amostras são submetidas a testes de colimetria (para identificação de coliformes total e fecal); métodos de fenotipagem (isolamento e identificação) por análises bioquímica; e métodos de genotipagem (PCR e sequenciamento genético) para identificação dos patógenos encontrados na água.
“Importante destacar que as oficinas e coletas são feitas em todos os municípios contemplados com oficinas de educação ambiental; conscientização para ingestão de água de qualidade, coletadas dos sistemas Salta Z, bem como outras fontes destinadas ao consumo das comunidades”, salienta. O técnico da Funasa explica que, na atividade de campo, é possível avaliar in loco aspectos como temperatura, condutividade, sólidos totais e presença de matéria orgânica e fazemos um estudo situacional para possível implantação do sistema Salta Z”, afirma Moura.
CURSO
Como parte do financiamento da Fapeam, o Núcleo de Bacteriologia do Laboratório DMAIS, da Fiocruz Amazônia, promoverá de 21 a 25 de agosto, o curso de aperfeiçoamento em monitoramento da qualidade microbiológica da água, destinado para técnicos de laboratórios dos municípios contemplados com a pesquisa. “Para configuração do projeto, planejamos atividades com os técnicos e participantes das comunidades, pactuando um conteúdo programático abordando temas como recursos hídricos, fontes de contaminação, legislação, procedimentos e normas de biossegurança, principais métodos para avaliação de qualidade microbiológica da água, medidas de prevenção e promoção à saúde, vigilância ambiental, microbiologia de fungos isolados na água, entre outros”, explica Luciete, que coordena o curso. As aulas serão ministradas por pesquisadores da Fiocruz Amazônia e convidados de outras instituições. O curso será oferecido nos formatos on line e presencial, com aulas práticas e teóricas. Foram disponibilizadas duas vagas para cada município e todas foram preenchidas.
Fonte: Fiocruz da Amazônia