O percentual de consumidores de Manaus endividados com cartões e carnês e outros meios de pagamento encolheu pela segunda vez consecutiva entre abril e maio. O mesmo se deu entre as famílias inadimplentes e as que não podem pagar dívidas atrasadas, embora as taxas sigam mais altas do que as de um ano atrás. Nas três situações, o Estado seguiu trajetória inversa à da média nacional. É o que revela a Peic (Pesquisa de Endividamento e Inadimplência do Consumidor), realizada e divulgada pela CNC (Confederação Nacional do Comércio de Bens, Serviços e Turismo).
Na sondagem, 64% das famílias manauenses (407.205) se dizem endividadas, número abaixo dos apresentados em abril de 2021 (66,2% e 420.724) e em maio do ano passado (83,4% e 523.167). O índice de inadimplência passou de 30% (190.838) para 27,3% (173.665) na variação mensal, mas ainda está acima da marca de 12 meses atrás (22,3% e exatos 140 mil). Em torno de 16,7% famílias (106.455) declararam não ter condições de quitar dívidas em atraso com decréscimo e incremento nas respectivas comparações – 18,6% (118.317) e 12,5% (78.436).
Em âmbito nacional, 68% das famílias já se assumem endividadas, o maior percentual da série histórica do indicador – iniciada em 2010 – e que corresponde a elevações ante abril de 2021 (67,5%) e maio de 2020 (66,5%). Desde agosto do ano passado, é a primeira vez que o percentual de famílias com dívidas ou contas em atraso (24,3%) aumenta na passagem mensal, embora tenha se mantido aquém da marca de 12 meses atrás 25,1%. Já a parcela dos brasileiros que declararam não ter condições de pagar contas ou dívidas (10,5%) também subiu para 10,5% ante o mês anterior e ficou praticamente estável ante maio de 2020 (10,6%).
Houve uma nova melhora qualitativa no nível de endividamento. Por uma pequena margem, os “mais ou menos endividados” (22%) passaram a dianteira dos “muito endividados” (21,2%), que foram seguidos de perto pelos “pouco endividados” (20,8%). No mês anterior, os respectivos números foram 25,3%, 25,5% e 15,4%. Consumidores com renda total superior a dez salários mínimos (95%) voltaram a super de longe a média do indicador (64%) – puxados desta vez pelo grupo dos “mais ou menos endividados” (58,8%).
Cartão de crédito
Já entre os 27,3% que já contam com compromissos financeiros em atraso predominam os que ganham menos de dez mínimos mensais (44,8%). Apenas 13,7% garantem que conseguirão quitar a dívida integralmente e 24,6% estimam que conseguirão pagar a dívida apenas parcialmente – dados piores do que os de abril (14,8% e 22,9%). Pelo menos 26,7% devem há mais de 90 dias – especialmente as famílias mais pobres (28,6%). A fatia com dívidas atrasadas entre 30 e 90 dias (59,5%) ainda é a maior. O grupo pendente há menos de um mês responde por 13,5%.
O afunilamento foi relativo nas estimativas de tempo de comprometimento com as dívidas, já que aumentou o percentual dos que estimam levar mais de um ano para isso – de 39,4% para 42,7%. Em contrapartida, os grupos de devedores comprometidos entre seis meses e um ano (32,7%) e até três meses (6,3%) encolheram, ao mesmo tempo em que a fatia dos que estarão pendurados por três a seis meses (6,3%) cai praticamente para a metade.
O cartão de crédito voltou a ser o principal vilão em Manaus, respondendo por 79,1% do bolo das dívidas, em um nível bem mais alto do que o anterior (67,6%) e com novo predomínio dos mais ricos (98,7%). O carnê de compras continua na segunda posição (47,2%) e, desta vez, como a principal opção dos que ganham mais (47,4%). Na sequência, vieram o crédito pessoal (38,4%), o crédito consignado (19,2%), o cheque pré-datado (11,7%), o financiamento de carro (10,5%), o cheque especial (4%), o financiamento de casa (3,2%) e “outras dívidas” (0,1%) – mas 0,2% não souberam ou não quiseram responder.
Em média, as famílias manauenses consomem 41,2% de sua renda para pagar dívidas – pouco menos do que os 41,8% anteriores. Houve relativa melhora na distribuição por níveis de comprometimento, mas a maioria (56,3%) ainda gasta mais da metade dos ganhos mensais com dívidas. São seguidos de longe pelos que gastam de 11% a 50% (33,2%) e pelos que limitam os dispêndios a 10% (4,1%).
“Situação diferente”
Ao comentar os dados nacionais, o presidente em exercício da Fecomércio AM (Federação do Comércio de Bens, Serviços e Turismo do Estado do Amazonas), Aderson Frota, destacou que o aumento dos indicadores aconteceu em um cenário de falência de empresas e piora no orçamento das famílias, em função do desemprego e das restrições econômicas decorrentes da segunda onda. O dirigente observou, no entanto, que Manaus viveu “uma situação inteiramente diferente”.
“Nosso período de fechamento ocorreu entre janeiro e fevereiro. A partir de março, já tivemos uma recuperação e isso aparece no índice de endividamento de maio, que caiu quase 20 pontos percentuais em relação a um ano atrás. Continua como campeão provocador de dívidas o cartão de crédito, e isso faz com que a gente perceba que estamos evoluindo para uma mudança nos meios de pagamento. Aos poucos, a participação do cartão vai cair, até porque as pessoas vão se transferir para o Pix, pelos custos e praticidade”, explanou.
“Auxílio reduzido”
Em texto distribuído à imprensa, a economista da CNC responsável pela pesquisa, Izis Ferreira, analisa que o endividamento do consumidor brasileiro pode continuar subindo, em paralelo com iniciativas de empreendedorismo. “O crédito pode funcionar para ajudar a recompor a renda, mas a mudança de trajetória na política monetária, com aumento de juros, deverá fazer com que as famílias adotem mais rigor em relação aos seus gastos. Cabe destacar, porém, que mesmo diante das adversidades, os indicadores de inadimplência estão em patamares mais baixos na comparação interanual”, ponderou.
No mesmo texto, o presidente da CNC, José Roberto Tadros, avalia que o orçamento das famílias vinha sendo minimamente preservado até aqui pela força do mercado de trabalho, mas a realidade não tem se mantido ao longo da crise desencadeada pela pandemia, diante da percepção de uma menor estabilidade de emprego e de outros fatores econômicos, como a inflação elevada. “Houve uma piora no orçamento das famílias em maio, com a alta da inadimplência, mas esse era um movimento esperado. A renda se mantém baixa, com fragilidades no mercado de trabalho, incluindo um menor impacto de benefícios assistenciais, caso do auxílio emergencial reduzido”, concluiu.
Fonte: Jornal do Commercio