O presidente da Assembleia Nacional venezuelana, Juan Guaidó, está em reunião desde a manhã deste sábado com membros da Frente Ampla Venezuela Livre (FAVL), coalizão de oposição ao governo Nicolás Maduro. “Desde cedo estamos em reunião com o Comitê de Conflito da Frente Ampla Venezuela Livre, que é composta por venezuelanos valiosos e comprometidos com o país. Todos focados na união para o #23dejaneiro mantendo uma agenda única”, escreveu Guaidó no Twitter, referindo-se a um protesto nacional convocado para 23 de janeiro contra o novo mandato de Maduro.
Reeleito em 20 de maio de 2018 em eleições das quais a oposição não participou, Maduro iniciou na quinta-feira um segundo mandato de seis anos, cuja legitimidade não é reconhecida por grande parte da comunidade internacional nem pela Assembleia Nacional. A Frente Ampla Venezuela Livre foi criada logo depois de sua eleição do ano passado e reúne partidos opositores, sindicatos, estudantes, entre outros representantes da sociedade civil.
Na reunião com a coalizão, o presidente da AN conclamou a oposição a se unir:
— Todos nós temos um papel nesta história. E se o cumprirmos plenamente nas próximas semanas, dias, não tenho dúvidas de que conseguiremos a cessação do governo de “usurpação” — disse ele, referindo-se ao termo usado pelo Legislativo, de maioria opositora, que declarou Maduro um “usurpador” — disse.
A reunião da coalizão com Guaidó ocorre um dia depois de o presidente da AN afirmar que estava disposto a comandar um governo de transição no país. Em discurso na sexta-feira, Guaidó disse que a Constituição venezuelana o legitima a assumir o poder em uma transição depois que o Legislativo, de maioria opositora desde as eleições de 2015, declarou Maduro um “usurpador”.
A Assembleia Nacional, que teve o poder suspenso pelo governo em 2017, chegou a emitir nota em que dizia que Guaidó já havia assumido o Executivo. Em seguida, retificou o comunicado, restringindo-se ao discurso de Guaidó. Com o recuo, a AN expõe os rachas internos da oposição venezuelana.
Para Luis Vicente León, presidente da consultoria Datanálisis, é importante destacar que, como não fez seu juramento formal ante a assembleia, Guaidó não asssumiu a Presidência da Venezuela. O que fez ao discursar na sexta-feira foi “ratificar a posição da AN sobre a ilegitimidade de Maduro, mas sem arriscar-se a fazer o juramento como presidente interino, o que seria um ato sem a menor possibilidade de se converter em algo além de mais um preso político e de gerar mais frustração”.
— Os ataques dos opositores radicais nas redes sociais levaram Guaidó talvez a fazer um discurso mais ambíguo, quase incompreensível, no qual falava de direito da encarregadoria da Presidência (ainda que sob um suposto respaldo e uma unidade nacional que não existem), que talvez fosse, por sua vez, uma tentativa de ensaio, mas que não representava evidentemente a ascensão ao poder, nem juramento formal algum — explica León. — Mas a AN acabou por lhe considerar o encarregado da Presidência ou de suas funções, o que tampouco se consegue entender, em um documento para a imprensa que nunca saberemos se foi um erro ou uma manipulação de atores internos da própria Assembleia ou então uma tentativa e um erro do próprio grupo de Guaidó — acrescenta.
— Logo após as notas do Brasil e de Almagro, Guaidó comentou a jornalistas no palácio legislativo que não foi isso o que ele disse (sobre assumir o governo), nem que lhe havia ocorrido assumir a Presidência e que tudo não passava de um erro, embora a própria bancada da Vontade Popular, o seu partido, houvesse retuitado oficialmente o documento da AN. Logo, este foi retificado por outro documento, muito mal escrito e ambíguo, que trata, sem sucesso, de remendar os buracos da história — completa o o presidente da Datanálisis. — Tudo isso é um presente dos Reis Magos para Maduro, porque o permitiu, diante da confusão e da ambiguidade, fazer a interpretação que bem entendeu e apropriar-se do discurso. No fim das contas, Maduro acabou por ridicularizar a oposição e Guaidó.
O presidente, de fato, usou os acontecimentos para reduzir a credibilidade dos opositores. Classificou de “golpe tuiteiro” as notícias sobre Guaidó e de “show midiático” a reunião aberta convocada pela Assembleia Nacional.
— Digo ao povo da Venezuela: já temos muitas experiências com essas características. Este é um show para provocar a desestabilização. É o mesmo grupo que dirigiu os projetos de 2014 — afirmou na sexta-feira, referindo-se às manifestações convocadas por parte da oposição naquele ano, pedindo sua renúncia.
EUA e Brasil apoiam transição
Neste sábado, enquanto Guaidó se reunia com a coalizão opositora, os Estados Unidos divulgaram um comunicado de apoio ao presidente da AN e “convocando todos os venezuelanos a respeitar o papel da Assembléia Nacional, conforme estabelecido na Constituição venezuelana de 1999, e, em particular, para que as forças de segurança e as Forças Armadas respeitem todas as proteções que a Constituição concede a Guaidó e outros”.
O porta-voz do governo americano, Robert Palladino, assina o documento, que insta o país a dar início a um governo de transição. “O povo da Venezuela merece viver em liberdade em uma sociedade democrática governada pelo Estado de direito. É hora de começar a transição ordenada para um novo governo. Apoiamos a convocação da Assembleia Nacional para que todos os venezuelanos trabalhem juntos, pacificamente, para restaurar o governo constitucional e construir um futuro melhor”, diz a nota de Washington.
O secretário de Estado norte-americano, Mike Pompeo, descreveu neste sábado o governo da Maduro como “ilegítimo”.
— O regime de Maduro é ilegítimo, e os Estados Unidos trabalharão diligentemente para restaurar uma democracia real naquele país — disse ele a repórteres em Abu Dhabi, onde está em turnê por países do Oriente Médio.
O Brasil já havia manifestado, em comunicado, seu apoio a Guaidó na sexta-feira e, neste sábado, o chanceler brasileiro, Ernesto Araújo, ratificou a posição do país publicando as notas do Itamaraty sobre a Venezuela no Twitter. “Finalmente há esperança de democracia na Venezuela. O Brasil, sob o comando do presidente Bolsonaro, está trabalhando incansavelmente para influenciar a dinâmica da região em favor da liberdade”, escreveu. ( Colaborou André Duchiade )
Fonte: O Globo