BRASÍLIA – O ministro-chefe da Casa Civil, Onyx Lorenzoni , manteve nos cargos de subchefes adjuntos para Assuntos Jurídicos de sua pasta dois advogados indicados às funções pelo ex-presidente da Câmara Eduardo Cunha (MDB-RJ), deputado cassado e hoje preso preventivamente pela Lava-Jato em Curitiba. Os subchefes Felipe Cascaes Bresciani e Erick Biill Vidigal vêm tendo atuação destacada nos primeiros dez dias da Casa Civil do governo de Jair Bolsonaro . A reportagem do GLOBO enviou no fim da tarde de quarta questionamentos à assessoria de imprensa da Casa Civil para saber o posicionamento do ministro e dos dois subchefes que continuam na função. Não houve resposta.
Cascaes foi o responsável final por um parecer do governo a respeito do indulto a presos, enviado ao Supremo Tribunal Federal (STF) pelo próprio presidente na última terça-feira. Desde a mudança do governo, ele já participou de reuniões com ministros, com Bolsonaro e para discutir assuntos como o Estatuto do Desarmamento. Vidigal também já despachou com o presidente.
No segundo dia de governo, Onyx anunciou a exoneração de 320 servidores em cargos de confiança e em funções com gratificações na Casa Civil, num gesto que ele chamou de “despetização” da máquina pública. O PT foi governo entre janeiro de 2003 e maio de 2016, quando a presidente Dilma Rousseff sofreu um impeachment no Congresso. O partido que assumiu o poder – e no poder permaneceu nos últimos dois anos e sete meses – foi o MDB do ex-presidente Michel Temer e do ex-deputado Eduardo Cunha.
A “despetização” executada por Onyx poupou os subchefes adjuntos para Assuntos Jurídicos, que são da cota do MDB. Ao anunciar a medida, Onyx disse que pouparia da exoneração em massa os funcionários da Subchefia de Assuntos Jurídicos porque já trabalha com essa equipe desde novembro, na transição, e já teria havido “um certo ajuste” nessa estrutura.
Cascaes foi nomeado ao cargo em 17 de maio de 2016, cinco dias depois do afastamento provisório de Dilma e da ascensão de Temer à Presidência. Vidigal ganhou o cargo no dia seguinte.
Uma reportagem publicada pelo GLOBO em 20 de maio daquele ano revelou que os dois eram indicações de Cunha e iriam trabalhar na mesma sala. Naquele momento, o deputado já havia sido afastado da presidência da Câmara – ele viria a ser cassado quatro meses depois.
O parlamentar se esforçava para tentar explicar os recebimentos de propina na Suíça e emplacar a versão de que a movimentação de dinheiro se deu em trusts e offshores que não estariam em seu nome. Cunha chegou a argumentar que os US$ 5 milhões movimentados – desviados da Petrobras, segundo a Lava-Jato – eram provenientes da venda de carne enlatada para a África.
Advogados defenderam Cunha
Cascaes já havia advogado para Cunha em processos na Justiça com pedidos de indenizações a políticos e jornalistas. Vidigal, por sua vez, escreveu um artigo favorável ao deputado um mês antes de ganhar o cargo de subchefe adjunto para Assuntos Jurídicos. O artigo tem como título “Usufruir de paraísos fiscais não é crime” e foi publicado no portal “Metrópoles” em 17 de abril de 2016.
Sobre Cunha, Vidigal afirmou no artigo: “O fato é que, para o tribunal da opinião pública e das redes sociais, o simples fato de alguém ser beneficiário de uma trust, por exemplo, já é razão suficiente para impor a esse alguém o rótulo de criminoso. (…) É o caso, por exemplo, do presidente da Câmara dos Deputados, Eduardo Cunha, que responde a processo de cassação de seu mandato sob a acusação de que teria mentido sobre a titularidade de contas bancárias no exterior, quando seu nome aparece, na verdade, como beneficiário de ativos geridos por trusts no exterior.”
O então juiz federal Sergio Moro, responsável por mandar prender Cunha em outubro de 2016, discordou da posição de Vidigal, hoje seu colega de governo – Moro é o ministro da Justiça de Bolsonaro. O juiz considerou “questionável” a versão de que os valores movimentados em contas no exterior pertenceriam a trusts e offshores em nome de terceiros. “Aparentam ser apenas empresas de papel”, escreveu o então juiz da Lava-Jato num despacho em junho de 2016.
Vidigal foi assessor do gabinete do conselheiro Gustavo Rocha no Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP). Rocha também advogou para Cunha e também foi indicado à Casa Civil – ele foi o subchefe para Assuntos Jurídicos – pelo deputado.
Dos atos dos subchefes para Assuntos Jurídicos que se tem conhecimento até agora no governo Bolsonaro, o mais importante foi assinado por Cascaes. Ele foi decisivo na manifestação do governo contra a concessão de indulto a um preso que decidiu acionar o STF para tentar garantir o benefício. Foi a primeira vez que o governo Bolsonaro se manifestou em relação ao indulto, o ato de concessão de perdão a penas conforme critérios previamente estabelecidos.
A defesa do detento que tentou um habeas corpus no STF apontou uma “coação ilegal” por parte do presidente Michel Temer. Depois de um vaivém de posições a respeito do indulto de Natal em 2018, Temer decidiu não assinar o decreto com o benefício, interrompendo uma prática existente desde a redemocratização.
Os advogados do preso ingressaram com um habeas corpus no STF em 27 de dezembro. Como plantonista da Corte durante o recesso do Judiciário, o presidente do Supremo, ministro Dias Toffoli, virou relator do caso e pediu à Presidência da República um posicionamento a respeito. A resposta foi encaminhada por Bolsonaro na terça-feira.
O relatório da Casa Civil coube à Subchefia para Assuntos Jurídicos e foi chancelado por Cascaes. A Casa Civil apontou a existência de perda de competência no pedido de habeas corpus, uma vez que Temer deixou de ser presidente da República. Além disso, a decisão de não editar o decreto em 2018 foi uma “decisão política” de Temer, “ato inserido dentro do seu espectro de competência e que está dentro do seu juízo de conveniência e oportunidade”.
A Casa Civil também fez uma análise de mérito sobre o indulto. “Mesmo com fundamento jurídico distinto, a essência do instituto do indulto é mantida, é dizer, trata-se de ato discricionário e privativo do chefe do Poder Executivo, de modo que cabe ao presidente e tão somente a ele, não só realizar o juízo de conveniência e oportunidade quanto aos seus requisitos e ao seu alcance, como quanto à sua própria edição ou não.”
Os documentos encaminhados ao STF não dão qualquer pista sobre o que efetivamente fará Bolsonaro em relação à concessão do indulto. A discussão sobre o benefício passa pelo ministro da Justiça, Sergio Moro.
Fonte: O Globo