México responde a Trump: ‘Problemas sociais não se resolvem com tarifas ou medidas coercitivas’

CIDADE DO MÉXICO — Em resposta ao anúncio de que Donald Trump pretende impor uma tarifa de 5% sobre todos os produtos importados no México a partir do dia 10 de junho, até que o país vizinho suste a imigração irregular para os Estados Unidos, o presidente Andrés Manuel López Obrador afirmou que “problemas sociais não se resolvem com impostos ou medidas coercitivas”.

“Como transformar, da noite para o dia, o país da fraternidade com os migrantes do mundo em um gueto, em um espaço fechado, onde se estigmatiza, maltrata, persegue, expulsa e cancela o direito à justiça daqueles que buscam com esforço trabalho para viverem livres da miséria? A Estátua da Liberdade não é um símbolo vazio”, disse o líder mexicano, em carta aberta publicada em seu perfil no Twitter.

Segundo Trump, a medida anunciada na noite de quinta-feira visa pressionar o México a “resolver o problema da imigração ilegal”. Em sua resposta, López Obrador reforça que seu país, ao contrário das alegações americanas, está cumprindo “na medida do possível e sem violar os direitos humanos” o compromisso de evitar o tráfego de imigrantes de países centro-americanos pelo México.

O presidente mexicano também fez um apelo para que os dois líderes trabalhem em conjunto por soluções pacíficas para a controvérsia e afirma que sua luta contra a corrupção irá criar condições para que os mexicanos fiquem em seu país e não precisem migrar para o Norte. A maior parte dos imigrantes sem documentos que entra nos Estados Unidos pela fronteira sul, no entanto, não é atualmente de mexicanos, mas de cidadãos dos países do chamado Triângulo Norte da América Central — Honduras, Guatemala e El Salvador —, afetados pela violência e pela pobreza.

A correspondência indica que o líder mexicano está levando as ameaças a sério. Segundo López Obrador, representantes de seu governo, encabeçados pelo ministro de Relações Exteriores, Marcelo Ebrard, viajarão a Washington nesta sexta-feira em busca de um acordo e espera que eles sejam recebidos por representantes de Trump.

Trump tem feito da imigração um dos cavalos de batalha de seu governo, e a ameaça de impor tarifas às exportações do México — parceiro dos EUA no Tratado de Livre Comércio da América do Norte (Nafta), que está em vias de ser substituído pelo Acordo EUA-México-Canadá — vem depois de ele ter sido derrotado no Congresso em seus esforços de obter verba para a construção de um muro na fronteira com o país vizinho.

Um comunicado da Casa Branca divulgado após a mensagem do presidente americano informa que as tarifas sobre os produdos mexicanos serão elevadas para 10% no dia 1º de julho “se a crise persistir”, e depois subirão outros 5% a cada mês por três meses, até atingir 25% no dia 1º de outubro.

“As tarifas permanecerão permanentemente no nível de 25%, a menos e até que o México detenha substancialmente o fluxo ilegal de estrangeiros que chegam ao seu território”, disse o comunicado.

O anúncio de Washington disse ainda que “a cooperação passiva do México com essa incursão em massa (de centro-americanos) constitui uma ameaça extraordinária e de emergência para a segurança nacional e a economia dos Estados Unidos”.

“O México tem leis de imigração muito fortes e poderia facilmente impedir o fluxo ilegal de migrantes, inclusive devolvendo-os a seus países de origem”, alega o comunicado.

O México é o maior parceiro comercial dos Estados Unidos, e vende ao vizinho do Norte 80% de suas exportações, de tomates a carros. Em 2018, o México vendeu US$ 346,5 bilhões para os EUA, e uma tarifa de 5% sobre esse valor representaria mais de US$ 17 bilhões.

México endureceu com imigração

Apesar das acusações americanas, o México tem tomado medidas contundentes de combate aos fluxos migratórios. As deportações de imigrantes quase triplicaram durante os primeiros cinco meses de mandato de López Obrador , passando de 5.717 em dezembro de 2018 para 14.970 em abril, de acordo com dados preliminares divulgados pelo Instituto Nacional de Migração (INM).

As quase 15.000 expulsões registradas em abril, a maior parte delas de cidadãos de países da América Central, são o maior taxa mensal nos últimos três anos e apontam um endurecimento da política de López Obrador, que no início do ano permitiu a entrada massiva de imigrantes em caravanas que buscavam cruzar o México para chegar na fronteira com os Estados Unidos. Ainda assim, cerca de 100 mil pessoas foram detidas pela polícia americana em abril tentando cruzar a fronteira.

Além disso, o anúncio de Trump foi feito no mesmo dia em que seu governo disse ao Congresso que planejava obter aprovação para o Acordo EUA-México-Canadá, que foi negociado nos últimos dois anos e substituirá o Nafta. O governo mexicano também havia informado nesta semana que submeteria o novo acordo de livre comércio à aprovação do Congresso do país.

O governo de López Obrador tem insistido que só o desenvolvimento econômico pode reduzir os fluxos migratórios de centro-americanos. Em maio, ele apresentou um plano desenvolvido em conjunto com a Cepal (Comissão Econômica para a América Latina da ONU) para atrair investimentos para a América Central e criar empregos.

O plano, que Obrador chamou de “Plano Marshall” para a América Central, em referência ao projeto americano para recuperar a economia dos países europeus aliados no pós-Segunda Guerra, trabalha com cinco eixos — migração, economia, comércio, programas sociais e desenvolvimento sustentável. Várias obras de infraestrutura já foram propostas pela Cepal, mas sua materialização depende investimentos de US$ 10 bilhões, que seriam feitos pelos Estados Unidos.

“Desde o início de meu governo, proponho optar pela cooperação para o desenvolvimento e pela ajuda aos países centro-americanos com investimentos produtivos para criar empregos e resolver a fundo este penoso assunto”, afirmou o líder mexicano na carta aberta em resposta a Trump.

Ameaça de tarifas não é inédita

Trump já usou a ameaça das tarifas no passado para tentar pressionar líderes estrangeiros a adotarem uma ampla gama de ações, da a renegociação de acordos comerciais até a limitação da quantidade de minério ou de carros que eles exportam para os Estados Unidos. Em abril, ele ameaçou impor uma tarifa de 25% sobre carros mexicanos se o país não tomasse medidas para conter o fluxo de imigrantes.

O presidente disse a seus consultores que gosta de tarifas porque elas podem ser adotadas imediatamente e de forma unilateral. Essas taxas, contudo, são normalmente usadas para combater violações relacionadas ao comércio. Não está claro à qual legislação o presidente americano recorreria para impor taxas sobre a imigração mexicana. Se o governo cumprir tal ação, provavelmente enfrentará sérios desafios legais.

Fonte: O Globo