Governo da Venezuela rompe silêncio e admite inflação oficial de 130.060% em 2018

CARACAS — O governo da Venezuela admitiu nesta terça-feira o estado devastador de sua economia ao publicar inesperadamente dados que demonstram um aumento da inflação de 130.060% em 2018. A primeira divulgação de indicadores pelo Banco Central do país desde 2015 também demonstra que a economia venezuelana se contraiu aproximadamente pela metade desde que Maduro assumiu o poder.

A hiperinflação aponta para um grande aumento no custo de vida, mas ainda está muito abaixo das estimativas do Fundo Monetário Internacional (FMI). Segundo o órgão, a taxa inflacionária do ano passado no país latino-americano foi de cerca de 1.000.000% e, neste ano, o número deve ultrapassar 10.000.000%.

A estimativa do FMI é baseada em dados orçamentários do governo, da previdência, de estatais, de instituições bancárias venezuelanas, entre outros indicadores. O fundo disse ao GLOBO que a dificuldade de acesso a informações oficiais de Caracas dificulta uma análise mais precisa.

Segundo os números do Banco Central Venezuelano (BCV), em 2016, a inflação chegou a 274,4%. Em 2017, atingiu 862,6% e, no ano passado, ultrapassou os 100.000%, a marca mais alta da História do pais. Para os primeiros quatro meses de 2019, as estimativas divulgadas por Caracas também são inferiores aos números previstos pela Assembleia Nacional, controlada pela oposição. Enquanto a inflação oficial é calculada em 666%, os números coletados pelo Legislativo indicam 1.047%.

PIB cai pela metade

As informações sistematicamente ocultadas foram publicadas no site do BCV e também mostram uma queda de 47,6% do Produto Interno Bruto (PIB) entre 2013, quando Nicolás Maduro assumiu a Presidência do país, e o terceiro bimestre de 2018. A queda do PIB foi de 18,6% em 2017. Entre setembro de 2017 e setembro do ano passado, a taxa caiu 19,2%. A divulgação dos dados foi uma surpresa, após anos de pressão do FMI para que fossem divulgados.

Os dados do Banco Central ilustram uma economia completamente destruída. O setor de construção do país caiu 95% entre o terceiro trimestre de 2013 e o terceiro trimestre de 2018. A queda registrada pela produção industrial foi de 76%, enquanto as atividades comerciais e bancárias registraram contração de 79%. Os números apontam uma piora significativa a partir dos últimos meses de 2018.

As exportações petroleiras, fonte de 96% da renda do país, despencaram para US$ 29.810.000.000 em 2018. Em comparação, a atividade rendeu US$ 85.603.000.000 em 2013 e US$ 71.732.000.000 em 2014, quando os preços do petróleo despencaram e a crise econômica se agravou na Venezuela.

Desde 2016, preço do barril voltou a aumentar, mas uma queda abrupta na produção de petróleo dificultou a recuperação do país. De acordo com dados da Organização dos Países Exportadores de Petróleo (OPEP), a produção diária de 3.200.000 barris caiu para 1.030.000 no mês passado. Fontes secundárias apontam uma quantidade ainda menor, de 768.000 barris.

Segundo a Organização das Nações Unidas (ONU), a grave crise que o país enfrenta já forçou mais de três milhões de venezuelanos a fugir do país desde 2015. A estatística foi divulgada pela ONU em meio ao acirramento das tensões políticas entre Nicolás Maduro e Juan Guaidó, líder opositor que se autodeclarou presidente interino e é reconhecido por mais de 50 países.

Maduro, que chegou ao poder em 2013 como sucessor político do falecido presidente Hugo Chávez, culpa as sanções impostas pelos Estados Unidos pelo colapso da economia de seu país. As restrições econômicas aumentaram desde o início do ano, quando Washington declarou apoio a Guaidó.

Para Henkel García, diretor de uma consultoria econômica, os dados do BCV confirmam, entretanto, “que a maior parte da destruição econômica aconteceu muito antes das sanções”. Milícia supervisionará distribuição de alimentosOs venezuelanos enfrentam desabastecimento cíclico de alimentos básicos. A falta de remédios e equipamentos médicos é crônica.

Economistas ouvidos pelo jornal The New York Times este mês estimaram que a destruição da economia venezuelana supera a de qualquer outro país que não esteve em guerra nos últimos 45 anos. O colapso é tão severo que supera o do Zimbábue sob Robert Mugabe, o fim da União Soviética e Cuba no começo da década de 1990. Níveis semelhantes de devastação econômica, economistas do FMI apontaram, só podem ser encontrados em países que foram dilacerados pela guerra, como a Líbia no início desta década ou o Líbano na década de 1970.

Segundo analistas ouvidos, as decisões administrativas equivocadas, a corrupção e a incompetência de Maduro e de seu antecessor, Hugo Chávez, teriam levado à inflação descontrolada, expulsado investimentos e deixado o país sem opções. As sanções americanas, com o objetivo de forçar Maduro a ceder o poder, agravaram a crise, tornando mais difícil para a Venezuela importar todos os bens, incluindo alimentos e medicamentos.

Milícias vão supervisionar distribuição de alimentos

Segundo o jornal venezuelano Efecto Cocuyo, o presidente Nicolás Maduro anunciou na terça-feira que grupos da Milícia Nacional Bolivariana ficarão responsáveis por vistoriar “em cada rua” o sistema de distribuição de alimentos dos Comitês Locais de Abastecimento e Produção (Clap). Em discurso, o presidente disse que a medida busca combater os “inimigos” do programa oficial: o governo dos Estados Unidos, “a oligarquia golpista” e aqueles que roubam os produtos para revendê-los.

Segundo Maduro, o objetivo é que os sacos de mantimentos incluam “frango, carne, mortadela” e produtos de higiene pessoal e sejam distribuídos duas vezes ao mês para as famílias venezuelanas.

Ontem também foi anunciada a criação de um Plano Produtivo das Milícias, através da ativação de 51 mil Unidades Populares de Defesa Integral.

—  Quando chegarmos às 51 mil unidades, com 51 mil pontos do território nacional ao lado do poder popular, produzindo alimentos, a Venezuela verá um milagre que assustará o mundo inteiro, com uma economia social, comunitária e popular que vai acabar com qualquer resquício da guerra econômica —  disse o presidente.

Fonte: O Globo