Análise: Na Espanha, o medo da extrema direita venceu

MADRI – O resultado das eleições espanholas deste domingo mostrou que o medo representou, como esperado, uma poderosa mola propulsora para o voto. Só não foi o medo que a extrema direita do partido Vox agitou ao longo de toda a campanha. Imigração ilegal e ameaça de ruptura das fronteiras nacionais pelo independentismo catalão, revelaram as urnas, parecem assustar menos o conjunto da população do que o próprio temor de que chegue ao poder uma formação xenófoba, racista e misógina como a liderada por Santiago Abascal.

Isso não quer dizer que o Vox saiu perdendo. Com 24 assentos, a legenda ultraconservadora é a primeira a entrar no Parlamento desde a redemocratização, há mais de 40 anos. E foi a mais votada em um punhado de cidades agrárias de forte população estrangeira, como El Ejido (45 mil habitantes) e Níjar (13,5 mil), ambas na Andaluzia, ou vilarejos menores e de mesmo perfil espalhadas pelo país, caso de Lominchar (1,3 mil moradores), em Castela Mancha, e Robledo de Chavela (4,1 mil), às portas de Madri.

A partir destas zonas castigadas pelo desemprego e onde prospera a noção de que os imigrantes chegam para roubar empregos, o Vox liderará um projeto sectário que seu líder, Abascal, vem repetidamente chamando, não gratuitamente, de “Reconquista” — o mesmo termo que designa a expulsão dos muçulmanos e judeus da Península Ibérica pelos cristãos no fim da Idade Média.

Não será, contudo, uma tarefa fácil a dele. Um olhar sobre o mapa espanhol pintado de vermelho deixa patente a força da velha política. No caso, a do Partido Socialista Operário Espanhol (PSOE), que, com suas 123 cadeiras, volta a ganhar uma eleição após 11 anos e dá algum alento à social-democracia europeia, que está em crise em países como Alemanha e França. Na Espanha, ontem, repetiu-se a lógica de que, quanto mais participa o eleitorado — e, nestas eleições, 75,7% acudiram às urnas, maior percentual deste século —, mais se beneficia a esquerda.

Além do rechaço ao projeto liderado pelo Vox — e, em certa medida, encampado pelo tradicional Partido Popular (de direita e que, com só 66 cadeiras, teve a maior derrota da sua história) —, outra peculiaridade espanhola poderia explicar o resultado final de Abascal muito aquém da vitória prevista por analistas conservadores. Trata-se da reduzida, quase inexistente, influência de grupos de WhatsApp e outros serviços de mensagem instantânea na campanha.

Diferentemente do que ocorreu nos recentes pleitos de países como Índia, Brasil ou Estados Unidos, a difusão maciça de fake news e slogans fáceis contra os partidos tradicionais não pôde, nem de longe, competir com os meios de comunicação. Estes, quer fossem alinhados a ideias mais progressistas, quer se posicionassem mais à direita liberal, alertaram quase em uníssono para o extremismo das ideias de Abascal. E se fizeram escutar.

A busca do eleitorado pelo centro pode explicar também a desidratação da legenda de esquerda mais radical Unidas Podemos, junção da antiga Esquerda Unida com o partido Podemos, surgido no bojo dos protestos pacíficos dos jovens “indignados” que tomaram a ruas em 2014 contra o desemprego e a austeridade pós-crise de 2008. A UP levou um tombo das 71 cadeiras que obteve nas eleições de 2016 para as 42 de agora. Mesmo assim, se perfila como uma das duas propostas antagônicas que Sánchez tem sobre a mesa para um pacto de governo.

É que, apesar da contundente vitória do PSOE, o governo precisa de maioria no Parlamento, ou seja, de 176 assentos, para se formar. Se opta pelo acordo com a Unidas Podemos, somaria 165 cadeiras, o que requereria apoio suplementar de partidos nanicos, nacionalistas entre eles — para a previsível gritaria da direita, que, ao longo de toda a campanha, denunciou o projeto de “destruição da Espanha” que uma suposta aliança entre PSOE e independentistas provocaria.

A Esquerda Republicana da Catalunha (15 cadeiras), soberanista, já se antecipou antes mesmo de domingo, e seu líder, Oriol Junqueras, preso pela tentativa malsucedida de declarar a independência daquela região em 2017, anunciou que apoiaria Sánchez sem pedir nada em troca (nem mesmo a realização de um plebiscito de autodeterminação). Tudo para impedir, segundo ele, que a “extrema direita reacionária chegue ao poder”.

Outra opção para o PSOE seria fechar com o Cidadãos, de Albert Rivera, que, com suas 57 cadeiras, garantiria a maioria estável sem necessidade de outros apoios. Em seu discurso de vitória, Sánchez deixou a porta aberta a todas as formações “constitucionalistas”, o que inclui a de Rivera. Mas este parece tê-la fechado de um golpe. Apresentando-se como o líder da oposição — certamente de olho nas eleições regionais e europeias de 26 de maio —, voltou a atacar o PSOE e deu por certo o pacto de Sánchez com os independentistas. Sem descer do palanque, Rivera deixou claro que os próximos dias manterão a tônica das últimas semanas no xadrez político espanhol: marcados por tudo, menos por certezas.

Fonte: O Glbo