BRASÍLIA — O presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), Dias Toffoli , pretende levar ao plenário do Tribunal antes do previsto o julgamento da ação relativa ao compartilhamento de dados entre órgãos de controle e de investigação . Pelo cronograma já divulgado, a questão seria apreciada em novembro, mas, como o tema tem suscitado polêmica, Toffoli vai conversar depois do recesso de julho com ministros da Corte sobre a possível antecipação
Ainda não está definido se o caso entraria em pauta já em agosto. O presidente do STF entende que existem outros temas também relevantes aguardando julgamento que devem ser decididos logo. Em entrevista ao GLOBO, o ministro disse que há uma reação exagerada à decisão de suspender investigações iniciadas a partir do compartilhamento detalhado de dados sigilosos do Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf) e da Receita Federal, sem autorização prévia da Justiça.
Para Toffoli, não é verdade que a decisão dele resultará na paralisação de todas as investigações sobre movimentações financeiras suspeitas.
— As investigações que tiveram início com relatório global podem continuar. As outras (iniciadas com relatórios detalhados) estão suspensas até a decisão na repercussão geral — disse.
Em 2016, o STF decidiu, por 9 votos a dois, autorizar bancos a repassar dados de clientes à Receita Federal sem autorização judicial prévia. O julgamento reforçou um entendimento de que órgãos de controle também poderiam compartilhar com polícia e Ministério Público dados globais sobre pessoas com movimentação financeira fora do padrão. Mas só poderiam ser repassadas informações gerais, ou seja, nomes e valores globais sob suspeita. Os relatórios não poderiam conter detalhes como origem e destinatário dos recursos movimentados.
Depois desta primeira decisão do STF, órgãos de controle teriam passado a emitir relatórios de forma sistemática e, em alguns casos, com informações detalhadas sobre possíveis alvos. Para Toffoli, estaria havendo aí a quebra de sigilo sem autorização judicial. Ou seja, seria uma quebra de sigilo à revelia da Justiça de pessoas não formalmente investigadas.
— Fazer investigação sem supervisão judicial é desrespeitar o Estado Democrático de Direito, é desrespeitar a Constituição. É fascista, no sentido de autoritário, o Estado que não garante ao cidadão o direito à privacidade, à intimidade — afirma.
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Um outro ministro do STF ouvido pelo GLOBO sobre o assunto bate na mesma tecla do presidente do Tribunal. Para ele, o compartilhamento de relatórios globais, em vez de dados detalhados, não resultará em prejuízo para qualquer investigação. O argumento é de que, com base nos dados globais, investigadores podem pedir à Justiça autorizar para quebra dos sigilos.
Defesas já pedem revisão
Nesta sexta-feira, advogados de ao menos três réus da operação Lava-Jato no Rio acionaram a Justiça Federal para pedir, com base na decisão de Toffoli, a revisão dos casos de seus clientes, de acordo com o G1. Entre eles está Leonardo Mendonça Andrade, assessor parlamentar acusado de ser operador financeiro do deputado estadual Marcos Abrahão (PTdoB-RJ).
Em outro caso, ao menos um dos 56 presos durante as operações Oceano Branco e Contentor da PF também pediu à Justiça a paralisação das investigações a partir da decisão de Toffoli. As operações desbarataram, em 2017, um esquema de tráfico internacional, após apreender dez toneladas de cocaína no Brasil e na Europa . Na quinta-feira, a PF suspendeu todas as investigações baseadas em informações de órgão de controle, sem prévia autorização de um juiz, para evitar nulidades.
Outros casos de grande repercussão podem ser impactados. No Ministério Público do Rio, para além da investigação sobre o senador Flávio Bolsonaro, por suspeita de desvio de dinheiro público de seu antigo gabinete na Assembleia Legislativa do Rio, a decisão pode impactar 38 apurações abertas em 2019 e casos antigos. Entre eles, o que da mulher do traficante Nem da Rocinha, Danúbia de Souza Rangel. Informações compiladas pelo Coaf também foram usadas na investigação do assassinato da vereadora Marielle Franco.