O Projeto Manaós: Saúde Indígena no Contexto Urbano, desenvolvido pela Fiocruz Amazônia, realizou no último dia 21/02, o lançamento do livro “A Saúde Indígena nas Cidades: Redes de Atenção, Cuidado Tradicional e Intercultural”, desta vez num local simbólico para o estudo: a Maloca do Parque das Tribos, onde a pesquisa teve início, em 2020, com a finalidade de avaliar as condições de saúde da população indígena residente na comunidade, que reúne 35 etnias indígenas da Amazônia, na Zona Oeste de Manaus.
O lançamento contou com a presença do assessor especial para Territórios e Periferias do Ministério da Saúde, Valcler Rangel Fernandes.
O projeto fez uma análise da capacidade de acesso das famílias indígenas à rede de serviços de saúde da capital, exatamente no período de pico pandêmico da Covid-19, identificando potencialidades e principais agravos de saúde que acometem a população, fortalecendo também o protagonismo indígena naquele território.
O livro traz o relatório final do trabalho e vários estudos e experiências promissoras na produção do cuidado em saúde para o SUS no Brasil, coordenado pelo pesquisador em Saúde Pública Rodrigo Tobias Lima, do Laboratório de História, Política Públicas e Saúde na Amazônia (LAHPSA), da Fiocruz Amazônia.
De acordo com ele, o Projeto Manaós está encerrando um ciclo de atividades, com um legado de conquistas para a comunidade. “O Projeto Manaós fomentou a auto-organização do coletivo indígena para além dos resultados da pesquisa. Teve uma implicação social, promoveu arranjos, debates, oficinas, resoluções, evidências científicas, com o protagonismo total da comunidade, que junto ao poder público fez surgir uma Unidade Básica de Saúde, Porte 4, sensivelmente e culturalmente diferenciada, talvez a primeira do Brasil com essas características, no local onde antes havia uma tenda para acomodar indígenas com Covid-19”, relatou Rodrigo Tobias.
Segundo o pesquisador, o legado deixado pelo projeto perpassa a capacidade de diálogo da comunidade com o Poder Público. “Hoje, a Semsa Manaus tem canal aberto de diálogo com a comunidade e está disposta a ouvir os indígenas. Construir a USF Parque das Tribos é um passo importante, porém o que dará sentido e significado a essa estrutura será o uso da mesma pelos indígenas, que precisam dizer o que querem desse tipo de serviço”, avaliou Tobias, referindo-se à importância da USF Parque das Tribos para a comunidade e para o Sistema Único de Saúde (SUS) em territórios vulneráveis.
“A unidade se tornará de fato diferenciada quando incorporar as práticas populares, os conhecimentos tradicionais indígenas, tiver um espaço para cultivo de ervas e plantas medicinais. Para os indígenas, a concepção do que é saúde vai além da concepção do homem branco, daí a importância de um espaço de curas para pajés e de cuidado pelas parteiras lá dentro da UBS, por exemplo. Seria algo extremamente inovador e que provoca o SUS nos seus princípios da equidade e da integralidade da atenção à saúde”, explica Tobias.
Para o assessor especial do MS, Valcler Rangel, a experiência vivenciada pelo coletivo indígena do Parque das Tribos é significativa e pode servir de referência para outros territórios.
“Saio daqui com a sensação de que encontrei um lugar onde podemos realizar parcerias. Estou em busca desses locais, onde haja um amadurecimento maior da relação sociedade civil e poder público, no tocante à saúde”, explicou. Ele avaliou que, no Parque das Tribos, existe uma composição entre Poder Público, sociedade civil e academia que não é fácil de se encontrar em outros territórios. “Saio daqui com mais otimismo. As questões aqui mencionadas fazem parte do enriquecimento deste território, cuja ancestralidade se expressa na possibilidade de mobilização dessa comunidade em torno de causas muito concretas, em especial a saúde”, observou.
Valcler Rangel lembrou também a importância da pesquisa científica para o território, referindo-se ao Projeto Manaós. “Não é uma pesquisa de bancada de laboratório, não desvalorizando as pesquisas de bancada, mas uma pesquisa que fazemos num número menor de vezes e para a qual precisamos adquirir muita experiência com a participação social, olhando para os problemas na materialização das desigualdades nesses territórios de periferia. Aqui estamos numa periferia que tem uma população indígena urbana, que muitas vezes fica no limbo”, salientou.
O lançamento contou com a presença de representantes da Secretaria Municipal de Saúde (Semsa-Manaus), Universidade de São Paulo (USP), Universidade do Estado do Amazonas (UEA), Universidade Federal do Amazonas (UFAM), Fundação de Vigilância em Saúde Dra Rosemary Costa Pinto (FVSRCP-AM), Fiocruz Brasília e lideranças indígenas da comunidade, entre as quais Ismael Munduruku. “Deus escolheu o Parque das Tribos e tem enviado pessoas para ajudar a nossa comunidade. Isso é muito bom.
Temos nossos dias de paz e de guerra e vivemos muitas guerras para que essa comunidade estivesse aqui estabelecida. Essa maloca é um lugar de paz, agradecer a todos por todas as conquistas, especialmente a todos os moradores e lideranças de nossa comunidade porque foi lutando juntos que conseguimos muitas conquistas.
O Parque das Tribos está de porta abertas para todos que quiserem ajudar e somar, avançar até que as boas novas alcancem todos os parentes da cidade de Manaus, todos os indígenas que conhecemos vivendo em lugar insalubres, marginalizados”, afirmou Ismael. Após o lançamento, a comitiva fez uma visita às instalações da USF Parque das Tribos, para conhecer a estrutura da unidade.
Fonte e Foto: ILMD/Fiocruz Amazônia