RIO — Na tarde da última quarta-feira, o governo de Nicolás Maduro começou a mobilizar tropas e veículos militares para a fronteira entre seu país e o Brasil, reagindo ao inesperado anúncio de participação brasileira na entrega da ajuda internacional prometida para o próximo sábado pelo líder opositor Juan Guaidó, que se declarou presidente interino com apoio da Assembleia Nacional e já foi reconhecido por 50 países.
Os moradores da cidade venezuelana de Santa Elena, localizada a cerca de 15 quilômetros da fronteira com o estado de Roraima, se assustaram ao ver os blindados e soldados sendo deslocados para o batalhão militar mais próximo do território brasileiro. Fotos dos tanques enviados pelo ministro da Defesa, general Vladimir Padrino López, que nesta semana mais uma vez declarou sua lealdade a Maduro, circularam em grupos de WhatsApp de moradores da região.
O envolvimento do Brasil na primeira fase da operação foi uma surpresa até mesmo para a oposição venezuelana e levou funcionários brasileiros a mergulharem num ritmo vertiginoso de trabalho em Brasília para organizar em menos de três dias o envio de medicamentos e alimentos a Boa Vista.
Os suprimentos serão doados pelos governos do Brasil e dos Estados Unidos, segundo confirmou uma fonte envolvida no processo. De acordo com essa fonte, o Brasil contribuirá com remédios e alguns alimentos. Os EUA, por uma questão da legislação brasileira, não podem doar medicamentos, mas sim insumos médicos como gaze e seringa.
Como informou o governo do presidente Jair Bolsonaro (PSL) na última terça-feira, militares brasileiros não participarão da operação. A ideia é que caminhões dirigidos por venezuelanos entrem no Brasil pela cidade de Pacaraima, vizinha a Santa Elena, para levar a ajuda de volta à Venezuela.
Outra fonte que tem acompanhado os movimentos em Brasília nas últimas 72 horas assegurou que “o que os militares brasileiros estão fazendo é trabalhar na contrainteligência”. De acordo com essa fonte, esse trabalho implica monitorar cada passo dado pelo governo Maduro para tentar boicotar a abertura do canal humanitário, passar informações aos venezuelanos e contribuir para a iniciativa de Guaidá dar certo.
— Nossos militares estão participando, mas não de uma forma evidente e que possa levar a acusações de ingerência ou até invasão estrangeira — afirmou a fonte.
No entanto, todos os cenários estão sendo avaliados, inclusive os militares.
— É claro que isso não será dito publicamente, mas a verdade é que o Brasil está preparado para tudo, inclusive para uma eventual ação militar — enfatizou a fonte.
A estratégia da oposição venezuela é forçar os militares do país a se posicionarem, deixando passar os alimentos e remédios — e assim enfraquecendo o regime — ou barrando a sua entrada, assumindo o desgaste diante da população. Dezenas de toneladas de suprimentos enviados pelos Estados Unidos já estão em Cúcuta, na Colômbia, que será o principal ponto da operação.
Desfecho é incógnita
O alinhamento entre Brasil e Estados Unidos em relação à Venezuela é total. Prova disso foi o fato de o próprio Bolsonaro ter mencionado, em reunião com as mais altas autoridades do Congresso e do Supremo na última terça-feira, o ultimato dado por Donald Trump aos militares venezuelanos, em um discurso feito pelo ocupante da Casa Branca na Flórida, um dia antes.
O Brasil será parte de uma operação sem precedentes na América do Sul, cujo desfecho é uma incógnita. Nem mesmo os venezuelanos sabem qual será o resultado do desafio inédito ao governo Maduro. Em Caracas, muitos se perguntam como terminará a queda de braço e até onde chegará a participação estrangeira.
A militarização das fronteiras mostra que o Palácio de Miraflores está disposto a ir até as últimas consequências e criou um ambiente de tensão, tanto em Roraima quanto na cidade colombiana de Cúcuta, fronteiriça à venezuelana Ureña, no estado de Táchira.
Estarão em Cúcuta a partir desta quinta-feira deputados e dirigentes da oposição que sairão de Caracas em caravana e pelo menos três presidentes: o colombiano Iván Duque, o chileno Sebastián Piñera e o paraguaio Mario Abdo Benítez.
Na fronteira do Brasil com a Venezuela estará a enviada de Guaidó para representá-lo no Brasil, a professora Maria Teresa Belandria, que nesta sexta partirá rumo a Boa Vista. Não foi confirmada, ainda, a presença de autoridades ou representante do governo Bolsonaro.
Fonte: O Globo