CARACAS — Após repetidos pedidos para que não tome posse nesta quinta-feira e entregue o poder à Assembleia Nacional, dominada pela oposição, o presidente venezuelano, Nicolás Maduro, deu um ultimato ao Grupo de Lima, formado por 14 países do continente, ameaçando responder com “duras medidas diplomáticas”, caso os países do grupo não reconheçam seu novo mandato. Em coletiva, Maduro voltou a acusar os EUA de tentarem promover um golpe de Estado no país.
— Está em curso um golpe de Estado ordenado por Washington e pelo Grupo de Lima contra o governo constitucional que preside o país — afirmou Maduro, sem apresentar evidências. — O povo venezuelano saberá responder a qualquer ação.
Classificando como “inaceitável” a declaração do Grupo de Lima, Maduro criticou em particular o ponto em que os países apoiaram a Guiana numa disputa territorial com a Venezuela. Em dezembro, dois barcos de exploração sísmica contratados pela petrolífera americana Exxon Mobil foram interceptados pelas Forças Armadas venezuelanas na região de Esequibo, disputada por Caracas e Georgetown.
— Se os países do Grupo de Lima não retificarem sua posição sobre suas intenções de entregar essa região à Guiana, tomaremos as medidas mais enérgicas possíveis dentro da diplomacia.
As batalhas contra os países vizinhos também se estenderam ao Peru — que ontem anunciou a proibição de que o presidente venezuelano e a cúpula de seu governo ingressem no país, ou realizem transferências no sistema bancário peruano — e à Colômbia, que Maduro classificou como “o pior inimigo da Venezuela na face da Terra”.
— A decisão do governo peruano é ridícula e estúpida, e acho que é motivada pela prepotência, a arrogância e o racismo que a oligarquia peruana sempre expressou em relação à Venezuela. A América Latina não deve proibir a entrada de ninguém nem construir muros, deve dialogar para que possamos circular livremente por nossos países — afirmou o presidente, que em seguida criticou o mandatário colombiano: — Iván Duque é a pessoa mais obstinada e que mais ódio tem pelo povo da Venezuela. Ele tem gente conspirando contra nós 24 horas por dia com dinheiro e recursos.
APOIO DA UE À OPOSIÇÃO
O presidente também deu seu aval à decisão da oficialista Assembleia Nacional Constituinte, que ordenou na terça-feira a abertura de investigações por “traição à pátria” contra parlamentares opositores que apoiaram a declaração do grupo. Maduro não descartou a possibilidade de que a Constituinte dissolva o Parlamento, dominado pela oposição, e antecipe as eleições parlamentares agendadas para 2020:
— Se para enfrentar o golpe de Estado, a sedição e a ilegalidade da assembleia burguesa, a Assembleia Constituinte decidir, em algum momento, adiantar as eleições para o Parlamento, amém, vamos todos às urnas!
No último sábado, a Assembleia Nacional, que teve seus poderes legislativos suspensos pelo governo venezuelano em agosto do ano passado, classificou Maduro como um “usurpador”, proclamando-se como único Poder legítimo do país. E anunciou que promoverá um governo de transição na Venezuela.
Ao fim de sua coletiva, Maduro, que sucedeu Hugo Chávez na Presidência, e assumirá um segundo mandato em meio à pior crise econômica da História recente da Venezuela, prometeu transformações no país:
— Me comprometo a realizar as mudanças necessárias para transformar em realidade os sonhos de nosso comandante Hugo Chávez, e para seguir avançando com prosperidade econômica.
De acordo com dados do Fundo Monetário Internacional (FMI), a economia venezuelana terá uma redução de 5% em 2019 e a hiperinflação no país atingira os 10.000.000% anuais.
As declarações do Grupo de Lima foram apoiadas pela União Europeia. Nesta quarta-feira, o presidente do Parlamento Europeu, Antonio Tajani, telefonou ao presidente da Assembleia Nacional, Juan Guaidó, reafirmando que o bloco europeu não reconhecerá o novo mandato de Maduro. O momento da chamada foi registrado e publicado na conta de Tajani no Twitter.
— Acho que é importante enviar uma mensagem à Assembleia Nacional da Venezuela, e afirmar que somente a reconhecemos e não reconhecemos o regime de Maduro porque na Venezuela não há eleições regulares ou Estado de direito — afirmou Tajani. — Não é possível trabalhar com a oposição, que está aprisionada. Não podemos reconhecer um regime no qual as pessoas morrem de fome. Amanhã (quinta-feira) seremos muito claros e enviaremos a mensagem de que falamos somente com o presidente da Assembleia Nacional, representante da vontade popular. Não falamos com o regime de Maduro.
Post: ministro da Defesa faz apelo
No fim da tarde de quarta-feira, o Washington Post publicou que o general Vladimir Padrino, ministro da Defesa, teria pedido a Maduro que renunciasse, ameaçando abandonar o posto caso o presidente se mantivesse no cargo. A reportagem do Post cita um funcionário da Inteligência americana que teria falado anonimamente. Na terça-feira, o general leu um comunicado no qual as Forças Armadas expressaram “apoio irrestrito e lealdade absoluta a Maduro como presidente constitucional para o período entre 2019 e 2025”. Também na terça, um relatório elaborado pelas ONGs Human Rights Watch e Foro Penal apontou que militares têm sido alvos de torturas e processos arbitrários por terem se manifestado contra o regime de Maduro.
Fonte: O Globo