IGOR GIELOW – SEBASTOPOL, RÚSSIA (FOLHAPRESS) – A liberdade na internet é a nova bandeira usada por aqueles que tentam galvanizar algum tipo de oposição viável ao regime de Vladimir Putin, que domina a política russa desde agosto de 1999.
Naquele mês, ele foi indicado premiê do moribundo governo de Boris Ielstin, e desde então elegeu-se quatro vezes presidente e ainda comandou oficiosamente o Kremlin entre mandatos repetindo a posição de primeiro-ministro entre 2008 e 2012.
No fim de semana passado, 18 cidades russas registraram os primeiros protestos contrários a duas leis passadas recentemente pelo Parlamento que criminalizam as fake news e os insultos contra agentes do Estado. Dispensável dizer que o conceito é subjetivo, e a ideia de que um órgão estatal de controle de comunicações tenha poder discricionário sobre o tema leva à suspeita de censura.
Um partido, o Libertário, está por trás da organização, que levou no domingo um grupo calculado entre 6.500 e 15 mil pessoas à avenida Sakharov, em Moscou, e a outros pontos pela Rússia. Os números variam entre a estimativa oficial da polícia e um engenhoso sistema da organização “Contador Branco”, no qual um detector de metal é colocado no ponto de acesso ao evento para tentar evitar distorções nos números estatais de presença.
“Nós queremos liberdade, e Putin não nos dá”, afirmou em nota à reportagem o partido, que foi fundado em 2008 e tem apenas dois conselheiros municipais (vereadores) eleitos em todo o país. O partido afirma querer repetir o sucesso de Alexei Navalni, o blogueiro cuja campanha anticorrupção levou dezenas de milhares às ruas em centenas de cidades russas em 2017.
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Navalni foi detido diversas vezes por organizar protestos sem autorização, o que é crime na Rússia. O ato de domingo também teve prisões, 28 só na capital, mas pelo uso de balões azuis pelos manifestantes -a polícia alegou que eles serviriam como drones, o que é proibido sem sanção oficial. Segundo o Partido Libertário, a liberdade de expressão já foi cortada dos meios de comunicação de massa na Rússia, e agora Putin está mirando o último refúgio dela: a internet.
“Nós queremos liberdade, e Putin não nos dá”, afirmou em nota à reportagem o partido, que foi fundado em 2008 e tem apenas dois conselheiros municipais (vereadores) eleitos em todo o país. O partido afirma querer repetir o sucesso de Alexei Navalni, o blogueiro cuja campanha anticorrupção levou dezenas de milhares às ruas em centenas de cidades russas em 2017.
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As duas leis se somam à já anunciada intenção do governo russo de fazer um teste, em abril, de proporções épicas. A ideia é desconectar o país dos roteadores e provedores estrangeiros que o atendem, tornando a internet numa intranet -o que, na pronúncia russa, virou lema dos ativistas, pois significa algo como “intra-não”.
O teste visa, segundo o governo, evitar que potências estrangeiras possam bloquear serviços essenciais no país em caso de um conflito, algo de resto condizente com os manuais de segurança cibernética de Exércitos do mundo todo.
O problema, no caso russo, é que o pendor centralizador da gestão Putin leva adversários a crer que ele busca controlar a internet ao mesmo estilo que seu colega Xi Jinping faz na ditadura chinesa, bloqueando sites e tendo acesso mais fácil a endereços de opositores. O Kremlin nega a intenção.
Há poucas semanas, o Parlamento também anunciou um veto às selfies e check-ins postados por militares, por considerar que elas violam princípios de segurança nacional -há quase 1 milhão de membros nas Forças Armadas do país.
Durante o evento em Moscou, um dos líderes do Partido Libertário, Vladimir Osenin, disse que “estamos aqui para dizer a todos: tirem as mãos da internet!”. Além de aplausos, a audiência respondeu com gritos de “Fora, Putin” e de “Putin ladrão”, que não eram ouvidos desde os atos de 2017.
Com o sucesso da mobilização daquele ano, Navalni tentou organizar uma candidatura à Presidência em 2018. Foi impedido legalmente, por ter uma condenação que atribui a perseguição política. Nas pesquisas, contudo, ele nunca saía do traço quando seu nome era incluído, o que pode ser entendido tanto como reflexo do domínio da visão governista sobre os órgãos de comunicação que importam no país, as TVs, quanto pelo fato de que sua mensagem talvez não encontre ressonância no grosso da população.
A segunda hipótese ganha força porque Navalni reorganizou sua frente de trabalho, deixando o combate à reforma da Previdência de Putin como prioridade desde então, associando-se a sindicatos e comunistas, antes vistos como o suprassumo da velha política russa. Não ganhou grande apoio a seu nome, ainda que a lei aprovada elevando a idade mínima para a aposentadoria tenha feito um rombo no casco da popularidade do presidente russo -que viu seus 80% de aprovação caírem para 60% ou até menos, a depender do instituto que afere o dado.
Seja como for, ao longo do reinado de Putin, todas as tentativas de mobilização contra o presidente acabaram na praia. As maiores, em 2012, levaram a algumas concessões políticas para a classe média, mas nada que alterasse o “status quo”.
No fim dos anos 2000, quando o ímpeto reformista do presidente refluiu pelo oportunismo ocidental na expansão das fronteiras da Otan (aliança militar liderada pelos EUA), o enxadrista Garry Kasparov era o rosto público da oposição para o público externo. Nunca teve apoio real no país. Quem insurgiu-se por dentro do sistema não teve espaço na estrutura ossificada da política russa. Um opositor articulado e sério, Boris Nemtsov, acabou morto num ataque a tiros cometido por supostos bandidos tchetchenos a poucos metros do Kremlin.
A briga do establishment russo com a internet pode insinuar tinturas mais pesadas, mas também não difere muito de discussões sobre privacidade na internet mundo afora. O governo conseguiu bloquear o aplicativo de mensagens Telegram no país, sob a alegação de que ele é muito eficaz em sua criptografia, e havia sido usado por terroristas para a coordenação de um ataque ao metrô de São Petersburgo em 2017. Como o dono do aplicativo recusou-se a fornecer dados que permitiram sua violação, ele foi bloqueado. Volta e meia o Telegram volta a funcionar, usando roteadores em outros países, mas de fato ele não é uma boa opção de uso no país.
Há outros casos correlatos. Nesta semana, a rede social VKontakte bloqueou fotos de uma instalação feita na cidade de Naberejnie Tchelni, no centro do país, na qual dois artistas criaram uma lápide falsa de Putin. O “Perpétuo Protesto” havia sido erigido em 10 de março e seus criadores, presos. Só que a VKontakte, que é o equivalente russo do Facebook e foi criada pelo futuro dono do Telegram, considerou que a foto entraria na categoria de “informação falsa de morte de pessoas”.
O site Meduza, que navega entre o ativismo e o jornalismo de oposição ao Kremlin, questionou a VKontakte e apresentou a ficha de prisão temporária dos autores do protesto, para dar o caráter de obra física, e não fake news, ao que eles fizeram. A rede social prometeu restaurar as fotos no ar.
Fonte: Notícias ao Minuto