CARACAS — A decisão de um juiz do Supremo Tribunal de Justiça (TSJ, na sigla em espanhol) de fugir da Venezuela para não tomar parte na posse do presidente Nicolás Maduro na próxima quinta-feira evidenciou o isolamento do governo venezuelano após as eleições presidenciais de maio, boicotadas pela vasta maioria da oposição nacional. Neste domingo, um dia após boatos sobre um possível rompimento do juiz Christian Zerpa com o chavismo, o TSJ — de linha oficialista — anunciou em comunicado que o juiz está sob investigação por “assédio sexual, atos lascivos e violência psicológica” contra funcionárias de seu escritório, e havia fugido para os EUA com a família.
Em entrevista a jornalistas de Miami, Zerpa afirmou que abandonou o país para não participar da posse de Maduro. De acordo com o juiz, a primeira-dama venezuelana, Cilia Flores, controla o Poder Judiciário do país, e boa parte dos juízes do TSJ vive no complexo militar de Fuerte Tiuna em apartamentos designados pelo governo, algo que “de um jeito ou de outro, condiciona as posturas nos julgamentos e no tribunal”. Ele conta que, ao ser nomeado juiz, recebeu um telefonema da primeira-dama no qual ela teria lhe dito: “Você sabe o que esperamos de você”.
O presidente do TSJ, Maikel Moreno, assegurou que diante de “repetidas queixas” de “conduta indecente e comportamento imoral”, as autoridades iniciaram uma ação judicial contra Zerpa. No sábado, jornalistas venezuelanos que moram nos Estados Unidos relataram a fuga de Zerpa para a Flórida. O juiz militou no Partido Socialista Unido da Venezuela (PSUV) e é alvo de sanções do Canadá. Ele foi nomeado pela antiga maioria parlamentar oficialista em dezembro de 2015, alguns dias antes de a oposição assumir o controle da Câmara.
— Faço um chamado à reflexão dos companheiros que pensam como eu. Não podemos seguir apoiando o que acontece na Venezuela. Não podemos continuar dando respaldo ao governo de Nicolás Maduro — afirmou Zerpa, advertindo que “há desespero e desencanto nas bases chavistas”. — Para eles (o governo) interessa ter ao lado pessoas que sejam disciplinadas e que acatem suas instruções, e eu, fazendo uma análise da situação com minha família, cheguei à conclusão que não fazia qualquer sentido continuar a apoiar um governo que só trouxe fome, miséria e destruição ao país. O mais sensato seria que Maduro renunciasse.
Corrupção e violações
Alvo de críticas dentro e fora do país, e chamado pela oposição de “usurpador”, Maduro defendeu sua legitimidade em sua conta no Twitter.
“A legitimidade nos foi dada pelo povo com seu voto”, afirmou o presidente na rede social. “Aqueles que pretendem dobrar nossa vontade que não se enganem. A Venezuela será respeitada!”
Em meio a pedidos do Grupo de Lima para que Maduro não assuma um novo mandato, a chancelaria venezuelana acusou neste domingo os EUA de conspirarem contra o governo do país.
“Mais uma vez a Venezuela denuncia diante da comunidade internacional as intenções do governo americano de consumar um golpe de Estado, ignorando as instituições legítimas e democráticas”, afirmou a chancelaria em comunicado. “Não satisfeito em tentar conceder validade seletiva às instituições do Poder Público venezuelano, (Washington) também recorre à tutela de governos subordinados da região e ordena que eles aprofundem seu cerco e bloqueio”.
De acordo com jornalistas, Zerpa está disposto a colaborar com o sistema de Justiça americano nas investigações sobre corrupção e violações de direitos humanos contra funcionários públicos e colaboradores do governo Maduro.
Fonte: O Globo