Inquérito de Toffoli possui excessos e irregularidades, dizem advogados e juristas

RIO —  O inquérito está acima da lei? Veja o que especialistas disseram sobre o o inquérito aberto pelo presidente do Supremo Tribunal Federal ( STF ), Dias toffoli , para investigar ataques à Corte e notícias falsas sobre o tribunal e os ministros. Nas investigações, o relator Alexandre de Moraes determinou que a revista digital “ Crusoé  ” e o site “O  Antagonista ” tirassem do ar uma reportagem sobre o presidente do tribunal.

O ministro determinou também buscas e apreensões contra pessoas que utilizaram a internet para atacar o STF, além do bloqueio das redes sociais dos investigados. Nas ordens de busca, Moraes sustenta que há indícios de que os investigados cometeram crimes previstos na Lei de Segurança Nacional (LSN), editada durante a ditadura militar.

‘Julgadores exercem o poder de polícia’

Hélio Gomes Coelho Júnior*

Buscas aleatórias. A decisão (de Alexandre de Moraes) é absolutamente inconstitucional, é uma mistura do Supremo Tribunal Federal de órgão julgador com órgão investigador. E é inconciliável. Assim como no caso da censura à revista “Crusoé”, estamos vivendo uma situação atípica em que os julgadores exercem o poder de polícia, que não lhe competem. O Estado democrático de Direito está à beira de um colapso porque o Supremo se despiu da autoridade para ele próprio se imiscuir numa função policialesca: bloqueando sites e impedindo a livre comunicação. Não é assim que um país democrático, com uma Constitucional, opera. A decisão de ontem, do MPF, me parece absolutamente correta. A Procuradora-Geral se recusa a conduzir esse inquérito e se fundamenta no respeito ao devido processo legal. Além disso, as buscas e apreensões feitas contra poucos indivíduos, e de modo aparentemente aleatório, são incomuns e reforçam o caráter investigativo, e não de magistratura, da ação.

‘Usar lei criada na ditadura é um erro’

Roberto Dias*

Proteções da Constituição. As apreensões e os bloqueios das redes sociais me parecem um desdobramento do ato anterior, que mandou retirar de dois veículos de comunicação uma reportagem publicada, e segue na mesma trilha inconstitucional e ainda de forma ampliada porque atinge não só dois veículos, mas as redes sociais. O uso da Lei de Segurança Nacional (LSN) depois do advento da Constituição de 1988 me parece absolutamente equivocado e inconstitucional, na medida em que o novo ordenamento jurídico restabelece o Estado democrático de Direito e as garantias e direitos fundamentais de uma democracia. Usar uma lei criada durante o período da ditadura militar para repreensão é um erro. Se houver ameaças reais contra autoridades nas provas coletadas, estamos diante de crimes. Há aí uma obrigação do Estado de proteger essas autoridades. Mas se é simplesmente uma crítica, ou uma ofensa maior em razão da atuação deles, isso é protegido constitucionalmente.

* Roberto Dias é professor de Direito Constitucional da FGV-SP

‘Liberdade precisa de alguns limites’

Pedro Duarte Pinto*

O limite da ameaça concreta. A liberdade de expressão, por mais que seja um princípio e um valor tutelado, precisa ter alguns limites. Não é um direito absoluto. Mas se a gente fosse escalonar, das ideias que o Supremo Tribunal Federal defende até hoje, as mais próximas do absoluto eu diria que estão a vida e a liberdade de expressão. O Supremo sempre teve um comportamento muito favorável e aberto à liberdade de expressão. Eu acredito que as postagens podem e devem ser investigadas quando elas ultrapassam um determinado limite. E o trabalho do Supremo Tribunal Federal, seja nessa apuração interna oferecida pelo ministro Alexandre de Moraes, seja numa apuração iniciada pelo Ministério Público (MP), deve se pautar exatamente nesse limite do que é considerado uma ameaça concreta e do que é a expressão da liberdade das ideias. Essas declarações que estão servindo à investigação, no entanto, não estão situadas muito próximas desse limite do perigoso.

‘Inquérito é para quem vai acusar’

Flávia Lefèvre*

Inversão do processo. Esse inquérito aberto pelo Dias Toffoli é irregular porque, no regimento interno do Supremo Tribunal Federal (STF), a previsão de abertura de inquérito para apuração de irregularidades é para questões internas. Por exemplo, se um funcionário do tribunal viola o sigilo de determinado processo, o STF pode, dentro das questões relativas ao seu regimento interno, abrir inquérito para apurar isso. Em crimes praticados por terceiros, porém, o MP é o titular da ação penal. Como é que quem julga vai presidir o inquérito? Inquérito é um procedimento para coleta de provas, para quem vai acusar. Então o MP identifica um ilícito, um crime, e instaura um inquérito para apurar as provas para concluir se ele vai abrir um processo ou não. Quem deveria ter aberto esse inquérito é a Procuradoria-Geral da República (PGR). Isso é uma inversão do equilíbrio do processo, onde cada parte cumpre um papel. O MP de acusar, a parte de se defender e o STF de julgar. Há uma distorção completa.

* Flávia Lefèvre é advogada integrante da Coalizão Direitos na Rede

Fonte: O Globo