A formação militar brasileira tem sido um tema recorrente de debate, especialmente após a tentativa de golpe que envolveu militares de alta patente nas eleições de 2022. A cientista política Ana Amélia Penido, especialista em educação militar, lançou o livro Como se Faz um Militar? e traz reflexões sobre a importância da formação dos militares no Brasil, destacando como ela pode influenciar atitudes autoritárias e golpistas.
O Exército Brasileiro sempre foi um ator político crucial na história do país, com participação ativa em momentos decisivos, como a Revolução de 1930, o golpe de 1964 e o regime militar subsequente. Ana Amélia, pesquisadora da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), investiga o impacto da educação militar na construção da identidade dos oficiais e o impacto disso nas práticas políticas.
Em entrevista à Agência Brasil, a especialista explicou que a educação militar no Brasil é distinta da educação civil, com um sistema próprio para as Forças Armadas, separado do Ministério da Educação (MEC). Essa autonomia, defendida pela pesquisadora, é um fator crucial na formação de uma identidade militar forte, mas também pode contribuir para a ideia de superioridade militar sobre o mundo civil. O que a pesquisadora observa é que essa cultura de diferenciação e superioridade é um fator importante para compreender o golpismo, pois sugere que “ser militar é melhor do que ser civil”, o que pode gerar a ideia de que os militares têm o direito de impor seus valores à sociedade.
A formação nas escolas militares, como a Academia Militar das Agulhas Negras (Aman), estrutura-se para reforçar essa identidade. Os cadetes seguem uma rotina rígida de internato, com pouca autonomia, e vivenciam uma cultura de disciplina, hierarquia e valores próprios, frequentemente contrastados com os do mundo civil. A pesquisadora destaca que essa formação vai além das matérias acadêmicas e inclui atividades que reforçam a camaradagem, o corporativismo e a identidade militar, que se estendem até a vida adulta, com laços duradouros entre os oficiais, como foi o caso de muitos que apoiaram o governo Bolsonaro.
Ana Amélia também questiona o currículo das escolas militares, sugerindo que ele deveria estar mais alinhado com o sistema de ensino civil, com a supervisão do MEC. Para ela, a educação militar precisa passar por uma reforma para garantir que os valores democráticos e a compreensão do Estado de Direito sejam parte integrante da formação dos oficiais. Além disso, ela aponta que a formação nas Forças Armadas ainda superlativa o papel do Exército na história do Brasil, criando uma narrativa de superioridade histórica e cultural que pode justificar atitudes golpistas.
A pesquisadora também discute o perfil dos oficiais do Exército, argumentando que eles, em sua maioria, vêm de classes médias e altas, o que cria uma desconexão com a realidade das camadas mais pobres do país, que são as principais responsáveis pelo serviço militar obrigatório. Isso reforça uma hierarquia social dentro das próprias Forças Armadas, que se reflete na maneira como os oficiais se veem em relação à sociedade.
Em um momento crítico para a democracia brasileira, as ideias de Ana Amélia Penido são um convite à reflexão sobre a formação dos militares e seu impacto nas instituições democráticas. A cientista política alerta para o perigo da perpetuação de um sistema educacional militar que fomenta uma visão de mundo autoritária e distante da realidade civil, sugerindo que a reforma na educação militar é essencial para garantir o fortalecimento da democracia no país.
Foto: Marcelo Camargo/Agência Brasil