Guarda Nacional é elo mais fraco no apoio a Maduro, diz especialista

CARACAS – A rebelião militar ocorrida nesta segunda-feira em quartéis da Guarda Nacional Bolivariana (GNB) localizados em bairros pobres de Caracas reflete, na opinião de Javier Mayorca, especialista em temas militares, “um clima de insatisfação crescente dentro do mundo militar” e, sobretudo, da GNB, força que está mais em contato com o povo e menos blindada pelo governo Nicolás Maduro.

Em entrevista ao GLOBO, o analista afirmou que “foi um movimento pouco organizado e sem respaldo externo”. No total, confirmou, participaram 26 soldados liderados pelo sargento José Gregório Bandres Figueroa. Todos estão presos e submetidos a tribunais militares.

Como o senhor explica esta rebelião, a primeira em muito tempo na Venezuela?

Existe um clima de insatisfação na Força Armada Nacional Bolivariana (Fanb), e esse clima tem se expressado de várias maneiras. As mais frequentes foram ausências, deserções. No ano passado, a GNB perdeu 10% de seus membros. O resto da força, os que estão ativos, passou a pedir mais licenças, a faltar ao trabalho. Isso, em outro momento, teria levado à aplicação de sanções. Hoje, a situação dentro da GNB é muito precária, e os comandantes estão tolerando coisas que no passado não seriam toleradas.

Esta foi a primeira rebelião expressiva, desde meados de 2017…

No ano passado, foram desmontados dois movimentos que tinham intenções de provocar mudanças políticas. Um dos mais notáveis estava comandado pelo coronel Chaparro, do Batalhão Ayala do Exército, o que tem maior poder de fogo dentro do Forte Tiuna (principal quartel militar de Caracas).

O que podemos esperar a partir de agora?

É preciso cautela. A sociedade civil ainda está cética em relação a lideranças civis, militares, todos estão sob suspeita.

O surgimento de Juan Guaidó, presidente da Assembleia Nacional, criou um ambiente de esperança, dentro e fora do mundo militar?

Uma das coisas que facilitaram a adesão a Guaidó é que ele era um desconhecido. Existe expectativa, mas também desconfiança.

Muitas pessoas apoiaram ontem, nas ruas, os militares rebeldes…

Sim, mas muitas pessoas ainda temem ser traídas. As pesquisas mostram que a grande maioria do país, cerca de 80% da população, quer uma mudança política, quer que Maduro saia do poder e preferiria que fosse de forma pacífica, constitucional e eleitoral. Está crescendo o respaldo a setores da oposição e o desejo de voltar a manifestar-se nas ruas. O desafio de Guaidó e seus aliados que estão na Venezuela é transformar o ressentimento em relação ao governo em movimento político, em ativismo.

Qual é a relação entre a rebelião de ontem e as marchas convocadas para amanhã?

Ainda não está claro. Temos de observar o governo e ver se usarão esta rebelião para perseguir opositores, civis e militares. No começo, o governo fazia piadas sobre Guaidó, mas isso mudou. Dentro das Forças Armadas, seu surgimento também está tendo impacto, mas é um processo lento. Marinha, Aeronáutica e Exército estão blindados, seus membros têm acesso limitado aos meios, às redes sociais. Os mais conectados são os da Guarda Nacional, que são os que estão na rua, com o povo. Não é por acaso que a rebelião tenha sido promovida por um sargento da GNB.

Eles contaram com apoio externo?

Isso não está claro para mim. Me parece um movimento espontâneo, interno e até desorganizado.

Fonte: O Globo