Grupo de venezuelanos vindos de Boa Vista é acolhido em Brasília

Depois de caminhar mais de mil quilômetros a pé, a venezuelana Mariluz Piñero chegou há pouco mais de um mês em Pacaraima, na fronteira do Brasil com a Venezuela, em busca de melhores condições de vida para a família. Ela saiu do estado de Miranda com seus dois filhos para encontrar o marido, que já vive no Brasil.

“Chegamos no fim da tarde, debaixo de chuva, sem tomar banho por seis dias. Viemos caminhando, pegando carona, passando necessidade. Tudo isso superamos”, contou.

Mariluz está entre os 55 imigrantes venezuelanos que chegaram ontem (29) e hoje (30) a Brasília. O grupo deixou Boa Vista em avião da Força Aérea Brasileira (FAB) e será mantido em casas alugadas na região administrativa de São Sebastião, sob a supervisão da Cáritas Brasileira, entidade de promoção e atuação social que trabalha na defesa dos direitos humanos.

Mãe de um casal de crianças que necessitam de atenção especial, devido a problemas de saúde, a venezuelana, de 48 anos, teve que deixar de trabalhar para se dedicar integralmente aos cuidados com os filhos. A menina, de 10 anos, é paciente crônica renal e o menino, de 12 anos, tem problemas de visão.

“Saímos pela situação econômica, pela saúde do meu filho, a saúde da minha família e minha própria saúde”, afirmou.

Com a forte crise política e econômica que atinge atualmente a Venezuela, a renda já não era suficiente para manter o sustento adequado da família. Mariluz disse que não conseguia medicamentos para os filhos e nem manter a alimentação balanceada exigida pelos médicos. “Meu esposo era o único que sustentava o lar, e estava difícil. Ele veio para o Brasil há 4 meses. Fiquei sozinha na Venezuela e depois nos reunimos aqui no Brasil”.

No Brasil, Mariluz sonha em trabalhar com crianças ou como comerciante, em casa. O marido se dispôs a trabalhar como operário ou auxiliar de serviços na área de construção civil.

“Estamos esperando uma oportunidade nova, e que meus filhos tenham uma boa atenção médica, boa educação”.

Apoio no relento

Victor Hernandez Guedes, 29 anos, também chegou ontem à capital cheio de expectativa. O jovem cruzou a fronteira brasileira há três meses, depois de enfrentar longa jornada de caminhadas e caronas. A viagem durou sete dias, divididas em duas etapas: a primeira, em companhia de um amigo, até o povoado venezuelano “Las Claritas”, e o restante do trajeto, ele fez sozinho até chegar a Boa Vista.

Na capital de Roraima, Victor passou 15 dias na rua, recebendo apoio de um brasileiro e uma venezuelana que já estavam acolhidos em um abrigo de refugiados.

“O início foi um pouco mal, porque fiquei na rua, não tinha comida, meus sapatos rasgaram, fui roubado. Depois de 15 dias, consegui ser abrigado. Aí me senti mais seguro pelos guardas, e me davam comida todos os dias”, disse.

Victor é técnico ambiental e pensa em trabalhar logo, no Brasil. Seu objetivo é poder trazer sua mãe e o irmão, que ficaram na Venezuela. Mas não descarta voltar a seu país de origem quando a situação melhorar por lá.

“Quero me estruturar como pessoa, economicamente, e trazer minha mãe e meu irmão no futuro. Quando meu país estiver bem, sim, quero voltar”.

Acolhida

Na próxima semana, mais 50 imigrantes venezuelanos devem chegar a Brasília. Eles também serão levados para a região administrativa de São Sebastião. O objetivo é levar 1325 venezuelanos para a capital federal até o final do ano.

Segundo o coordenador nacional da Cáritas Brasileira, Fernando Zamban, a ação faz parte do projeto Pana, que significa “amigo” na língua da etnia indígena venezuelana Warao. O projeto atua em conjunto com o governo federal no transporte dos refugiados, mas é independente na manutenção da infraestrutura de abrigo.

Os venezuelanos estão instalados em 17 casas alugadas com recursos do governo norte-americano. O apoio financeiro será garantido por cinco meses. Neste período, os imigrantes terão acesso a atividades de formação para resgate da autoestima e identificação de suas habilidades pessoais e profissionais, além de terem acesso a cursos da língua portuguesa.

Dependendo do caso, as famílias poderão ser inscritas no programa Bolsa Família ou receber outros benefícios sociais até terem condições de ser inseridas no mercado de trabalho brasileiro.

“Tem alguns diálogos sendo construídos. Vamos trabalhar de duas maneiras com a inserção deles no mercado de trabalho, uma é no mercado formal, em parceria com empresas e, outra, é a organização de trabalho coletivo através da economia popular solidária, que é um mecanismo de geração de renda com outros valores de vida na sociedade. Não é só uma relação de mão de obra exploratória dessas pessoas”, destacou Zamban.

A Cáritas também vai oferecer suporte psicossocial e pedagógico aos imigrantes, além de assistência em casos de violação de direitos. O atendimento será feito na chamada Casa de Direitos, instalada no centro comercial Conic, localizado na área central de Brasília. Na Casa dos Direitos, os venezuelanos também terão apoio para retirada de documentos.

“O atendimento é processual, desde o momento em que chegam até a entrada na vida cotidiana da sociedade brasileira. Se ocorrerem situações mais graves, a gente acessa os mecanismos do estado de assistência social, psicológica ou de direito, para dar um atendimento mais qualificado, o que a nossa equipe não teria condição de fazer tão sistematicamente”, ressaltou Zamban.

No grupo que chegou ontem (29), foram incluídos refugiados LGBT, que estão recebendo apoio diferenciado para evitar que sejam alvo de discriminação e preconceito.

“Chegar a um país estranho já é um baque cultural, com toda a carga preconceituosa da sociedade. Imagina a situação de um grupo LGBT. Isso torna a inserção um pouco mais complicada, mas temos buscado mecanismos de construção para que sejam aceitos e tenham vida normal como em qualquer lugar”, afirmou o coordenador da Cáritas.

Desde o início do programa de interiorização de venezuelanos coordenado pela Casa Civil, 3.200 refugiados foram levados de Roraima para outros estados brasileiros.

A ação tem o apoio da Agência das Nações Unidas para Refugiados (Acnur), entre outras instituições da sociedade civil e dos governos federal, estadual e municipal.

Fonte: Agência Brasil