Governo previu negociar com bancadas, mas derrotas deixam modelo em xeque

BRASÍLIA – O primeiro mês de trabalho do Congresso expôs o revés da principal estratégia anunciada pelo governo Bolsonaro para a formação de uma maioria parlamentar. O apoio das bancadas temáticas mostrou-se frágil diante de orientações partidárias para derrotar o Planalto, como no caso do decreto que fragilizava a Lei de Acesso à Informação.

Na ocasião, o governo teve a seu lado apenas 57 dos 513 deputados, sendo 50 do PSL. Integrantes dessas bancadas dizem ter avisado o Planalto desde o início de que esse tipo de articulação não poderia substituir uma negociação tradicional com partidos.

– No Congresso, a estrutura, inclusive regimental, é partidária. Não pode ficar com discurso de querer fazer antagonismo de velha e nova política, tem que ter uma política só e usar os instrumentos que o governo dispõe para aprovar – afirmou ao GLOBO o deputado Alceu Moreira (MDB-RS), presidente da bancada ruralista.

Alçado a um dos cargos de vice-líder do governo, o coordenador da frente parlamentar da segurança pública, Capitão Augusto (PR-SP), vai na mesma linha:

– A gente já tinha cantado a bola sobre as bancadas temáticas. Os partidos se fortaleceram demais com a fidelidade partidária e o modelo de financiamento de campanhas.

Dirigente da frente parlamentar evangélica, o deputado Sóstenes Cavalcante (DEM-RJ) ressalta também a dificuldade de se formar maioria sem os partidos e destaca que, além disso, o tratamento dado pelo governo aos parlamentares atrapalha qualquer articulação.

– A orientação de painel não é frente parlamentar, é partido. E eu sou da diretoria da frente parlamentar evangélica e não tem interlocução. Realmente não sei a fórmula que o governo vai usar para fazer sua base. Quem tem que dar essa resposta é o governo – afirmou o deputado do DEM.

Com sua ideia inicial de articulação frustrada, o Planalto sinalizou nas últimas semanas outra estratégia que acabou por irritar ainda mais os parlamentares. Tanto na apresentação do pacote anticrime do ministro da Justiça, Sergio Moro, quanto na reforma da Previdência, a primeira exposição detalhada foi feita a governadores e não aos congressistas. A ideia do Planalto, especialmente na Previdência, é que os chefes dos executivos estaduais pressionem os deputados a apoiar a proposta. O vice-líder do governo, Capitão Augusto (PR-SP), critica a ideia.

– Quem vai colocar digital é deputado, não é governador – disse o parlamentar paulista.

O governador de Goiás, Ronaldo Caiado, afirma que o papel no debate será complementar. Segundo ele, os chefes dos executivos estaduais vão ajudar no sentido de sensibilizar os deputados sobre os problemas nas unidades da federação, mas sem a pretensão de substituir os partidos.

– Os governadores têm uma capacidade de ação mais limitada. É lógico que os partidos tem uma atuação mais próxima. Não é que um deputado vai ser pautado por governador, o que vamos fazer é mostrar a realidade de cada estado e sensibilizar os parlamentares da necessidade – afirmou Caiado.

Um experiente líder do centrão destaca que somente no Nordeste haveria uma influência maior de governadores sobre as bancadas, mas é justamente nessa região que os políticos relutam mais em aprovar a reforma da Previdência.

Com a dificuldade de emplacar a sua estratégia, o governo promoveu na semana passada uma reunião do presidente Jair Bolsonaro com líderes de 19 partidos e o ministro da Casa Civil, Onyx Lorenzoni. Foi prometido que cargos disponíveis nos estados seriam abertos a nomeações políticas, desde que atendam a requisitos técnicos.

O governo vem chamando a ideia de “banco de talentos”, na tentativa de dar um verniz às indicações políticas. Também para tentar desvincular essa prática do que é chamado de “toma lá, dá cá”, o Planalto diz que as composições serão com as bancadas estaduais, embora parlamentares experientes ressaltaem que a divisão dos cargos nos estados sempre ocorreu dessa forma.

Recursos à vista

Outro recado dado pelo governo é o de que não vai contingenciar emendas parlamentares, recursos em geral usados nas bases dos deputados e que têm execução impositiva. Esse dinheiro, no entanto, pode ser represado no mesmo percentual da economia que o governo fizer em outras áreas. Também foi acenada a hipótese de se oferecer a parlamentares novatos recursos para serem direcionados às suas bases eleitorais.

Para um líder na Câmara, o governo começou a fazer movimentos em direção à negociação tradicional e pode vir a ser bem-sucedido. O parlamentar ressalta que as expectativas dos partidos são “pequenas” comparadas às que existiam no passado e que, mesmo o discurso crítico à negociação entre partidos, será relevado se, na prática, o governo atender às demandas tradicionais dos deputados.

Convocação de Vélez pode ser o novo desgaste

As sinalizações de possíveis mudanças na articulação política do governo ainda estão longe de amenizar o clima na Câmara. Para demonstrar que o descontentamento continua, líderes do centrão já cogitam impor um novo desgaste ao governo após o carnaval.

A ideia é aprovar um requerimento do líder da oposição, Alessandro Molon (PSB-RJ), para a convocação do ministro da Educação, Ricardo Vélez Rodríguez, depor no plenário. O ministro entrou na mira após ter dito em entrevista que os brasileiros agem como “canibais” e furtam objetos quando estão em viagens no exterior. A situação piorou após ele usar um slogan de campanha em carta a escolas e pedir o envio de vídeos de alunos cantando o Hino Nacional.

Não há ainda decisão se a estratégia será colocada em prática a partir de 12 de março, quando os trabalhos serão retomados no Congresso, mas as conversas de bastidores já começaram.

Deputados que têm ajudado na articulação afirmam que o Palácio do Planalto não tem ainda nem maioria na Câmara, quem dirá os 308 votos necessários para aprovar a reforma da Previdência. Vice-líder do governo, o deputado Capitão Augusto (PR-SP) estima que hoje o tamanho da base não chega nem a 200 votos.

Fonte: O Globo