O desenvolvimento e produção de vacinas contra covid-19 no Brasil entra na segunda geração com o avanço de iniciativas nacionais. Os futuros imunizantes nacionais aguardam o aval da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) para iniciarem os testes em humanos, mas já antecipam uma nova disputa entre o governo federal e o de São Paulo. Isso porque, de um lado, está protocolada a documentação da Versamune-CoV-2FC, desenvolvida pela Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto da USP, em parceria com a empresa Farmacore Biotecnologia e a PDS Biotechnology. E, do outro, a ButanVac, a ser fabricada pelo Instituto Butantan.
Ambos os imunizantes estão nos estágios iniciais e não têm data para começarem a ser aplicados na população, caso se somem ao Plano Nacional de Imunização (PNI). Mas naquilo que a ciência é limitada, a política é pródiga — em promessas. Ao apresentar a ButanVac, o governador João Doria, assegurou que o país já teria acesso a 40 milhões de doses do fármaco no segundo semestre deste ano. Mais prudente foi o ministro da Ciência e Tecnologia, Marcos Pontes, que não deu prazos, apesar de ter anunciado a Versamunne-CoV-2FC poucas horas depois do anúncio do governo paulista.
“A maioria dessas vacinas brasileiras terminou, no máximo, a fase pré-clínica, em animais. Agora, começam as fases clínicas 1, 2 e 3, teste de segurança e eficácia. Costumamos dizer que, quem coloca data de entrega de vacina é político, não é cientista”, criticou a microbiologista Natália Pasternak, diretora-presidente do Instituto Questão de Ciência.
Apesar do Instituto Butantan ter como vantagem uma fábrica de vacinas pronta, por usar a mesma estrutura na produção dos imunizantes contra a gripe, isso não significa liberar o uso para a população. “É importante que existam e que a gente tenha, no Brasil, desenvolvimento das nossas próprias vacinas, para que, no futuro, a gente tenha autonomia de produção. Mas, por enquanto, é muito cedo”, destacou a microbiologista.
Autonomia
O imunologista e pesquisador da Universidade de São Paulo (USP) Gustavo Cabral, que trabalha diretamente com o desenvolvimento de vacinas, destaca que a parceria com laboratórios de fora deve ser vista com bons olhos, desde que garanta a autonomia ao país. “É sempre boa. O que não é legal é dependermos exclusivamente de insumos vindos do exterior, por exemplo”, salientou.
Outra vantagem dessas vacinas de segunda geração é a capacidade de se adequarem às novas variantes, que são parte da evolução natural de qualquer vírus. “Trabalhamos há um tempo essa questão e sabíamos da existência de 700 variantes lá atrás. Hoje, temos cerca de 900. A adequação não seria um problema”, afirmou.
Para isso, o investimento deve continuar quando a covid-19 der trégua, já que outros surtos ou mesmo outras doenças podem demandar a produção acelerada. “Muitas vezes, a gente desenvolve um trabalho e quando estamos próximos de chegar à produção de um conhecimento científico, há cortes de verbas e perdemos estudantes, a estrutura, e vai tudo por água abaixo. Isso nos destrói cientificamente”, observou.
Fonte: Correio Braziliense