O Projeto Ciência, Saúde e Solidariedade no Enfrentamento à Covid-19, desenvolvido pela Fiocruz Amazônia, em parceria com a Agência dos Estados Unidos para o Desenvolvimento Internacional (USAID), NPI EXPAND e SITAWI, atuou na capacitação de profissionais de saúde lotados nos laboratórios de saúde pública dos Estados de Roraima, Rondônia e Amazonas, com o objetivo de ampliar a prestação de serviços na área de vigilância genômica da COVID-19, a partir do fortalecimento dos sistemas de prevenção, detecção e respostas às ameaças pandêmicas. No total, foram capacitados 20 profissionais entre os meses de outubro e novembro do ano passado (2022), com a realização de oficinas com aulas teóricas e práticas sobre a realização de testes RT-PCR de inferência e sequenciamento nucleotídico. O trabalho integra a Frente 2 do projeto, que atua também na capacitação de agentes comunitários de saúde em diagnóstico e tratamento (Frente 1) e na sensibilização de populações ribeirinhas, quilombolas e migrantes, quanto à importância da vacinação e dos cuidados para prevenção da doença (Frente 3).
O coordenador da Frente 2, o virologista Felipe Naveca, chefe do Núcleo de Vigilância Genômica de Vírus Emergentes, Reemergentes e Negligenciados da Fiocruz Amazônia, explica que o projeto amplia a atuação dos laboratórios de fronteira, situados em regiões com possibilidade de se tornarem porta de entrada tanto de novas variantes do SARS-CoV-2 quanto de quaisquer outros patógenos emergentes. Segundo Naveca, a disseminação de um patógeno como o SARS-CoV-2 é acompanhada de incertezas sobre sua capacidade de se espalhar na população e, em se tratando da região Amazônica, com um dos níveis mais baixos do Índice de Desenvolvimento Humano (IDH), esse risco é ainda maior.
“A região amazônica abriga uma grande população vulnerável, a exemplo dos indígenas e ribeirinhos, normalmente invisibilizadas pelos governos, fato que precariza o acesso aos serviços públicos, gerando escassez de dados oficiais e indicadores de saúde destas populações”, explica Naveca, ressaltando que a verdadeira gravidade da COVID-19 entre as populações indígenas e ribeirinhas, por exemplo, é subestimada, o que demanda urgência na geração de dados e nesse aspecto os laboratórios de fronteira tem um papel fundamental. “Faz-se necessário e urgente o fortalecimento do sistema de geração de dados precisos sobre a realidade da circulação de patógenos e variantes para que ações e políticas públicas sejam mais efetivas”, afirma o virologista.
Neste sentido, para o cientista, a parceria entre USAID e Fiocruz Amazônia, com apoio da Fundação para o Desenvolvimento Científico e Tecnológico em Saúde (Fiotec) tem sido de grande relevância, pois atende às questões de saúde (vigilância, monitoramento e aumento de testagem e acesso às vacinas) em áreas remotas rurais, ribeirinhas, indígenas, de populações tradicionais, quilombolas e migrantes. Naveca destaca que, entre 2018 e 2022, os resultados da Vigilância Genômica mostraram a circulação de, pelo menos, 38 linhagens do SARS-CoV-2 no Amazonas, oito em Roraima e seis em Rondônia, além de ter permitido entender como se deu a origem da Variante de Preocupação Gamma (P.1), a partir da circulação endêmica da linhagem B.1.1.28.
Os principais objetivos da Frente 2 do Projeto são: realizar ações de vigilância genômica e proteômica para auxiliar no monitoramento, teste e acompanhamento de casos de COVID-19 em comunidades vulneráveis nos estados do Amazonas, Roraima e Rondônia, através da vigilância e investigação de casos nos três estados. De acordo com Naveca, a expectativa inicial do projeto, de que pelo menos dez funcionários dos Laboratórios Centrais de Saúde Pública (LACENs) e dos Laboratórios de Saúde Pública de Fronteira (LAFRONs) em cidades do Amazonas, Rondônia e Roraima, foi superada. “Conseguimos atingir 20 participantes, a maioria biomédicos, farmacêuticos e biólogos em atuação nos laboratórios”.
Como resultados, o projeto espera conseguir viabilizar a identificação de quais vírus estão circulando concomitantemente com o SARS-CoV-2, a obtenção de genomas completos do SARS-CoV-2, a partir de uma porcentagem representativa de amostras positivas de cada local, a aquisição de cerca de 30 perfis proteicos de populações vulneráveis afetadas com variantes do vírus SARS-CoV-2, a utilização do software DiagnoProt para a detecção de variantes na população afetada pela COVID-19 e possíveis prognósticos, além de contribuir para ações de rastreamento de contatos repassando informações sobre variantes de vírus para a Fundação de Vigilância Sanitária.
REFERÊNCIA
A bioquímica Luiza Rocha, que trabalha no setor de Biologia Molecular do Laboratório Central de Saúde Pública do Estado de Rondônia, em Porto Velho, foi uma das participantes da oficina realizada em outubro do ano passado. Ela contou que foi justamente em razão da pandemia que começou a trabalhar no setor, como apoio e acabou ficando. “No decorrer desses três anos, foram inúmeros diagnósticos e aprendizados e agora com a implantação do sequenciamento genético no Lacen-RO, o acesso a esses resultados torna-se mais rápido, o que auxilia ainda melhor em nível de vigilância”, conta. A oficina contou também com participantes da Fiocruz Rondônia.
Luiza relembrou que, no decorrer do ano (2022), foram realizadas diversas capacitações, mas a oportunidade viabilizada pelo Projeto Ciência, Saúde e Solidariedade no Enfrentamento à COVID-19, de ter esse intercâmbio de conhecimento com os profissionais da Fiocruz Amazônia fez a diferença. “Ter essa troca com os profissionais experientes aqui in loco, conhecendo nossa realidade, nosso laboratório, nos auxilia no que devemos modificar, melhorar, ganhar tempo e a ter mais segurança nos procedimentos e leituras realizadas. A equipe da Fiocruz Amazônia é uma das nossas referências e parceiros há um tempo. Então tê-los aqui em nosso laboratório, além de ser uma honra, é de muita importância para agregar e melhorar nossas técnicas, visto que eles estão sempre aprimorando e atualizando os procedimentos”, comentou.
Glauco Coelho Mota, farmacêutico bioquímico do Lacen-AM, se disse satisfeito com os conhecimentos apreendidos durante oficina realizada em Manaus. “Uma oportunidade em si excelente de como melhorar os nossos processos. Havíamos iniciado, mas ficamos parados alguns meses por falta de insumos. Agora com as novas técnicas desenvolvidas pela Fiocruz Amazônia, vai ser possível a economia de reagentes e até o aumento da quantidade de amostras sequenciadas, além do estreitamento de laços entre a Fiocruz e o Lacen-AM, que só trará benefícios para a população do Amazonas”, opinou Glauco.
PORTA DE ENTRADA
Para Marcelo Ferreira dos Santos, bacharel em Biomedicina e responsável técnico pelo setor de Biologia Molecular do Laboratório de Fronteira de Tabatinga, a iniciativa de realização da capacitação veio no momento certo. “A oportunidade é muito boa, porque permite a descentralização do conhecimento e é muito importante para o Estado do Amazonas, que é muito grande. No meu caso, por exemplo, que trabalho com Biologia Molecular na fronteira, no município de Tabatinga, região da tríplice fronteira Colômbia, Peru e Brasil, a partir do momento que essas informações forem repassadas para os profissionais que trabalham lá assim como o sequenciamento for iniciado nessa região, será de suma importância”, afirmou.
Marcelo acrescenta que as regiões de fronteira têm maior probabilidade de ser porta de entrada de uma variante nova ou qualquer novo patógeno. “Recentemente, o LAFRON de Tabatinga passou por uma reforma e está com uma estrutura muito boa. Há um ano, estamos fazendo diagnóstico de Covid por meio da Biologia Molecular, mais recentemente iniciamos a pesquisa de RT-PCR para arboviroses e vírus respiratórios. Então, a tendência e o que esperamos é que essa parceria continue ampliando para melhorar cada vez mais esse processo de saúde nas regiões de fronteira”, concluiu.
SOBRE OS PARCEIROS
No Brasil, a USAID, a NPI EXPAND e a SITAWI Finanças do Bem se uniram para criar uma parceria para apoiar a Resposta à COVID-19 na Amazônia. Entre 2020 e 2021, a primeira fase do projeto do NPI EXPAND Resposta à COVID-19 na Amazônia distribuiu mais de 23 mil cestas básicas e kits de higiene, capacitou mais de 500 agentes comunitários de saúde, doou mais de 1,4 milhão de máscaras feitas por costureiras locais e divulgou mensagens educativas de prevenção para mais de 875 mil pessoas na região. A Fase está promovendo maior resiliência das comunidades amazônicas através do apoio amplo a vacinação contra a COVID-19, campanhas de informação e combate à fake News, e apoiando os sistemas locais de saúde na região com equipamentos e insumos para detectar, prevenir e controlar a transmissão de Covid-19, bem como realizar o acompanhamento de casos agudos de COVID-19 e tratar as sequelas de síndrome pós-COVID-19.”