CARACAS – Em entrevista coletiva que terminou se transformando em um ato público, num claro desafio ao governo de Nicolás Maduro e suas forças de segurança e inteligência, o autoproclamado presidente interino da Venezuela, Juan Guaidó, reapareceu na Praça Bolívar, município de Chacao, na grande Caracas, para anunciar ao país o que está fazendo e pretende fazer seu governo, reconhecido hoje por 17 países, 16 deles das Américas.
Guaidó, que desde a grande manifestação opositora de quarta-feira estava “resguardado” em algum lugar da capital venezuelana, voltou a pedir o apoio dos militares, principal base de apoio de Maduro, e assegurou que “chegou a hora de Cuba sair das Forcas Armadas”. Segundo fontes da oposição, os assessores da inteligência cubana representam hoje um dos principais obstáculos para qualquer tipo de acordo com setores da Força Armada Nacional Bolivariana (Fanb), a peça que esta faltando na estratégia opositora para forçar uma transição que leve ao fim do regime de Maduro.
O líder opositor falou no mesmo momento em que Maduro dava uma entrevista a jornalistas estrangeiros. Diante de uma estatua de Simón Bolívar — a simbología política tem enorme importância neste momento na Venezuela —, Guaidó, presidente da Assembleia Nacional (AN) desde o início de janeiro, afirmou que “a Venezuela acordou de um pesadelo e nunca mais deixara de lutar por seus sonhos”.
— É hora de Cuba sair das Forças Armadas. Irmãos cubanos, vocês são bem-vindos, mas fora das Forças Armadas. Temos que defender nossa soberania — disse Guaidó diante de centenas de apoiadores da oposição.
Rodeado de deputados e dirigentes da aliança opositora que o sustenta, o chamado “presidente encarregado” falou aos venezuelanos sobre seu projeto de abrir um canal humanitário para receber alimentos e remédios do exterior, e pediu aos militares que o ajudem a implementá-lo. Essa é uma de suas principais jogadas neste momento:
— O que farão os militares quando chegar a ajuda humanitária já prometida pelos Estados Unidos, Brasil, Colômbia. Vão deixar nossos irmãos passar fome? — perguntou o presidente da AN, que reiterou a importância da lei de anistia aprovada recentemente pelo Parlamento de maioria opositora e cujos poderes foram anulados pelo Supremo Tribunal de Justiça leal a Maduro.
Segundo Guaidó, “em dois dias fizemos mais que o presidente usurpador em seis anos”. Perguntado por uma possibilidade de diálogo com o governo, que foi mencionada por Maduro em entrevista coletiva dada na mesma hora que a de Guaidó, foi enfático:
— Só haverá diálogo se for para cumprir nosso plano de voo: fim da usurpação, governo de transição e eleições livres.
O novo ato de Guaidó teve um objetivo muito claro, disseram deputados aliados: mostrar que o governo esta enfraquecido. Durante a espera pelo discurso do presidente interino, as especulações sobre uma onda de detenções na praça foram intensas. Mas não houve repressão e Guaidó, acusado de golpista por Maduro e pelo ministro da Defesa, general Vladimir Padrino, falou durante mais de uma hora.
Não se descartam detenções nas próximas horas e nos próximos dias. Mas a realidade é que o homem acusado de estar dando um golpe com apoio dos Estados Unidos e de países vizinhos, entre eles o Brasil, discursou em praça pública, em plena luz do dia. Não havia integrantes da Guarda Nacional nem de outras forças militares e policiais.
— Golpe seria se me prendessem — assegurou Guaidó.
Há vários países que, embora não reconheçam Guaidó como presidente interino, não reconhecem o novo mandato de Maduro, para o qual ele tomou posse no último dia 10. É o caso dos 28 países-membros da União Europeia. Notal, 43 países não reconheceram o novo mandato do presidente, alegando que ele foi reeleito em um pleito, em maio de 2018, que não foi limpo nem justo.
Fonte: O Globo