Justiça tem deferido pedidos de remoção no interior do Amazonas, porém, pacientes graves estão morrendo no aguardo das transferências
Substituir os beneficiados com uma decisão judicial. Esse é o pedido que a Defensoria Pública do Estado (DPE-AM) começou a fazer à Justiça no interior do Amazonas, diante da morte de pacientes com Covid-19 alcançados por liminares que garantem a remoção para leitos em Manaus ou outro estado brasileiro.
“Basicamente, as pessoas estão morrendo mesmo com decisões obrigando o Estado a transferi-las para UTI. Também estamos tentando conseguir as transferências de forma extrajudicial, mas está complicado. Ou a família consegue leito em hospital particular ou o paciente convalesce”, afirma o defensor público Murilo Monte, que atua no Polo da DPE-AM no Médio Amazonas.
Em um processo que tramita na 1ª Vara da Comarca de Itacoatiara (a 176 km de Manaus), a Defensoria pedia a transferência de dez pacientes, dos quais cinco faleceram aguardando o Estado cumprir a decisão favorável. Nessa ação, defensores públicos pediram a substituição dos beneficiados que vieram a óbito por outros quatro pacientes.
Dos cinco que sobreviveram, um permanece em estado grave e outros quatro tiveram melhoras no quadro clínico. “Saliento uma vez mais: o perigo de dano é tamanho, que os pacientes estão morrendo e sendo substituídos por outros antes até da manifestação do réu (Governo do Amazonas)”, destacou o juiz Gonçalo Brandão de Sousa, na decisão proferida na quarta-feira (27).
Caso as transferências não fossem realizadas em até seis horas após a intimação do Governo, o Judiciário impôs multa de R$ 500 mil a ser bloqueado em partes iguais nas contas pessoais do governador Wilson Lima e do secretário estadual de Saúde, Marcellus Campêlo.
“Temos a decisão, mas está difícil dar cumprimento. Nesta quinta-feira (28), conseguimos transferir uma pessoa. Mas as outras ainda não, pois, muitas estão em situação mais grave e exigem leitos de UTI, que estão escassos em Manaus, como todos sabemos”, conta o defensor Oswaldo Neto, coordenador do Polo da DPE-AM no Médio Amazonas, com sede em Itacoatiara.
Sem remoções há 13 dias
Em Tefé, município a 523 quilômetros de Manaus, não há remoções reguladas de pacientes com Covid-19 para a capital ou outro estado desde o último dia 16. Por meio do Polo do Médio Solimões, a Defensoria tem ajuizado, em média, uma Ação Civil Pública por semana para assegurar transferências de pacientes em Tefé.
Desde o dia 12, já foram alcançados 20 pacientes nas ações judiciais. Cinco deles morreram após a Justiça emitir decisões favoráveis e três antes mesmo de saberem que tiveram o pedido atendido pelo Judiciário.
Em um parecer entregue à Justiça, com uma lista de seis pessoas que correm risco iminente de morte, o médico responsável alerta que todos os pacientes que foram intubados no Hospital Regional de Tefé e não removidos para UTIs morreram. Somente no mês de janeiro, até aqui, 14 pacientes alcançados ou não por decisões judiciais foram a óbito no município aguardando remoção para tratamento adequado.
O documento informa ainda que o hospital consegue disponibilizar assistência somente semi-intensiva, em cinco leitos, sendo que todos estão ocupados. Segundo o médico, só é possível estabilizar o paciente para uma possível remoção.
Em decisão liminar nesta quinta, favorável à transferência de seis pacientes em Tefé, o juiz André Muquy registrou: “Não se trata de divagação judicial ou exercício de futurologia, da simples consulta das demandas propostas há poucos dias pela Defensoria, vê-se que muitos dos postulantes já foram a óbito. E o mais alarmante, os que ainda lutam por suas vidas não recebem qualquer notícia sobre um planejamento logístico para sua remoção”. Segundo ele, a população do interior vive em um “verdadeiro ‘salve-se quem puder’, onde padece o mais fraco, o sem recursos e sem ‘padrinho”.
“Pena de morte”
Parintins, a 369 km de Manaus, tinha, até esta quinta-feira, 34 pacientes cadastrados no Sistema de Transferência de Emergência Regulada (Sister) aguardando remoção por parte do Governo do Amazonas. Em decisão obtida pela Defensoria e o Ministério Público (MP-AM) para atender os casos críticos, a juíza Juliana Mousinho chegou a escrever: “(…) há dez pacientes em estado grave necessitando de transferência imediata para unidade de terapia intensiva, sob pena de morte”.
Na decisão desta quinta-feira, o Judiciário deu prazo de 24 horas para o Estado providenciar as dez remoções. Em caso de descumprimento, a multa diária é de R$ 50 mil, limitada a 30 dias. “Todo dia recebemos casos de pacientes que tiveram o quadro de saúde agravado e buscam remoção. Hoje já temos mais um assistido”, relatou a defensora pública Enale Coutinho, do Polo do Baixo Amazonas, na manhã desta sexta-feira (29).
Em Coari, cidade a 363 km da capital, três pacientes que necessitavam de internação em UTI foram removidos nesta sexta-feira, após a Defensoria obter liminar para que o Estado realizasse o procedimento. Porém, outros dois também beneficiados pela decisão ainda aguardam para ser transferidos.
A liminar estabeleceu prazo de 24 horas para as remoções, sendo que a multa em caso de descumprimento pode chegar a R$ 100 mil por paciente. Na ação, defensores públicos do Polo de Coari ressaltaram que o Plano de Contingenciamento da Secretaria de Estado da Saúde (SES-AM), que prevê o fluxo de atendimento de pacientes acometidos pela Covid-19 não vem sendo cumprido, havendo negligência quando se trata da assistência aos pacientes do interior.
Foto: Transferência de pacientes em Coari nesta sexta-feira (29). Divulgação/Secretaria de Comunicação Coari