PACARAIMA — Pelo menos 9 mil toneladas de alimentos brasileiros deixaram de entrar de forma legal na Venezuela desde a última quinta-feira, quando a fronteira entre os dois países foi fechada pelo governo de Nicolás Maduro . Isso equivale a 45 vezes a carga de 200 toneladas de alimentos oferecida como ajuda pelo governo brasileiro.
De acordo com funcionários da Receita Federal que atuam no posto de fronteira em Pacaraima, o volume que deixou de atravessar para o lado venezuelano foi calculado com base numa média diária de 50 carretas com 30 toneladas cada, que entram no país vizinho diariamente desde que a crise de abastecimento começou a se agravar na Venezuela, em 2017.
No lado brasileiro, dezenas de carretas carregadas com itens como arroz, feijão e margarina aguardam no pátio da Receita alguma sinalização de quando a fronteira será reaberta. O movimento aduaneiro zerou, segundo a Receita. Eles dizem que documentos de controle de entrada dessas carretas revelam que os alimentos tinham como destino o Sul da Venezuela, chegando a um raio que adentra 2 mil quilômetros em direção à capital Caracas.
A ajuda brasileira eme alimentos e kits de emergência, doada pelos governos do Brasil e dos Estados Unidos, continua armazenada na Base Aérea em Boa Vista. No sábado, houve uma tentativa de entrada de oito toneladas transportadas em duas camionetes, mas a carga foi bloqueada pela Guarda Nacional venezuelana.
‘Situação de miséria do lado de lá’
Toda a crise na fronteira aumentou a escassez no país vizinho, fazendo com que comerciantes e a população de municípios venezuelanos, e não apenas refugiados, atravessem a fronteira por vias clandestinas em busca de alimentos no Brasil. Eles cruzam para o lado de Pacaraima e abastecem carrinhos de mão com itens básicos e depois retornam, por meio das trilhas, ao seu país. A caminhada dura cerca de cinco horas e, segundo os venezuelanos que se arriscam no meio do mato, só é possível ser feito por meio de pagamento de suborno aos guardas venezuelanos que atuam no bloqueio.
Nos últimos anos de crise na venezuela, o comércio de alimentos nos municípios venezuelanos fronteiriços com o Brasil é abastecido basicamente pelos chamados “despachantes” de fronteira, que compram comidam em Pacaraima. Agora, com a fronteira fechada, eles também precisam usar as trilhas clandestinas até Santa Elena, no lado venezuelano.
O comerciante Jézus Claos, de 33 anos, tem uma lojinha de alimentos em Santa Elena que é abastecida pelos despachantes. Com a fronteira fechada, ele conta que ficou praticamente impossível conseguir itens básicos como arroz e feijão. Os despachantes que distribuem alimentos para os armazéns e mercados de Santa Elena chegam a cobrar até 10 vezes mais caro por carne e feijão:
— Sem ter o que fazer, eu mesmo enfrentei a trilhar para buscar comida em Pacaraima. O pouco que consigo levar (num carrinho de mão e mochila) é vendido de uma só vez assim que retorno. As pessoas estão desesperadas querendo comida.
Representantes da Receita no estado de Roraima também estiveram na fronteira nesta terça-feira para inspecionar o local. Eles disseram que todo o chamado Cone Sul da Venezuela era abastecido via Roraima. Menos de 10% do volume de comércio com o Brasil é composto por exportação venezuelana. Os poucos produtos que entravam por Pacaraima seram algumas toneladas calcário, caixas de ovos, plástico e ferro.
Já as 50 carretas brasileiras movimentavam por dia R$ 5 milhões em produtos alimentícios para a Venezuela antes do fechamento da fronteira.