VARSÓVIA – O ministro das Relações Exteriores, Ernesto Araújo, participa nestas quarta e quinta-feiras de um encontro em Varsóvia, na Polônia, proposto pelo governo Trump para pressionar o Irã e recebido com reservas pelas potências da União Europeia.
O encontro foi anunciado em janeiro pelo secretário de Estado americano, Mike Pompeo, como um fórum internacional para aumentar a pressão sobre Teerã. Vários aliados europeus dos EUA, entretanto, receberam com reservas a ideia do encontro, o que logo deixou claro que uma reunião só sobre o Irã serviria para realçar as divisões entre as potências ocidentais, na esteira da saída unilateral americana do acordo sobre o programa nuclear iraniano.
Por causa da frieza europeia, o nome da reunião em Varsóvia foi alterado para “A promoção de um futuro de paz e segurança no Oriente Médio”. Na convocação comum de EUA e Polônia, os governos dizem que a reunião, a ser realizada em nível ministerial, “abordará uma vasta gama de assuntos críticos, incluindo o terrorismo e o extremismo, o desenvolvimento e a proliferação de mísseis, o comércio e a segurança marítimos e a ameaças de grupos na região”.
O nome do Irã não aparece na agenda. Entretanto um dos participantes da reunião, o primeiro-ministro israelense, Benjamin Netanyahu, disse que o país persa é a prioridade da discussão:
— O primeiro assunto da agenda é o Irã — afirmou, em um encontro semanal com jornalistas em seu gabinete no domingo. — Como continuar a impedir que se infiltre na Síria, como coibir sua agressão na região e, acima de tudo, como evitar que obtenha armas nucleares.
Tanto Israel quanto a Arábia Saudita fizeram forte lobby pela retirada de Washington do acordo firmado em 2015 no governo de Barack Obama, pelo qual o Irã se comprometeu a não fabricar a bomba atômica em troca do fim das sanções contra o país. Ao lado de Rússia e China, Alemanha, França e Reino Unido ainda se mantêm no acordo, e buscam, com sucesso restrito, criar meios de evitar as sanções americanas que voltaram a vigorar. Teerã diz que, caso permaneça sufocado economicamente, não terá razões para se manter no pacto.
As potências europeias, com exceção do Reino Unido, que será representado pelo chanceler Jeremy Hunt, enviarão representantes de nível inferior a Varsóvia, e a diplomata-chefe da União Europeia, Federica Mogherini, uma das principais arquitetas do acordo com o Irã, também disse que não vai. Os EUA serão representados pelo secretário de Estado, Mike Pompeo, pelo vice-presidente, Mike Pence, e pelo genro do presidente, Jared Kushner.
Conselheiro-sênior de Trump, Kushner, de 38 anos, foi encarregado pelo sogro de elaborar um plano de paz para o conflito Israel-Palestina, embora a sua função até hoje não esteja clara. Ele deve fazer um raro discurso sobre suas ambições relacionadas ao tema.
Outro americano em Varsóvia é o advogado de Trump, Rudolph Giuliani, que, na tarde desta quinta-feira, fez um discurso em uma manifestação do Conselho Nacional de Resistência Iraniana, fachada política do grupo armado Mujahedin-e-Khalq (Combatentes do Povo), conhecido pela sigla MEK. O grupo era considerado uma organização terrorista pelos EUA até 2012 e defende abertamente uma mudança de regime em Teerã. Não se conhece quem o financia, mas especialistas avaliam que ele paga até US$ 50 mil dólares para que figuras de alto nível discursem em seus eventos.
— Para que haja paz e segurança no Oriente Médio, precisa haver uma grande mudança na ditadura teocrática no Irã. Ela precisa acabar, e rápido — afirmou Giuliani, que é uma figura frequente nos eventos anuais da frente política do grupo em Paris, assim como o conselheiro de Segurança Nacional americano, John Bolton. Segundo o Financial Times, ele discursou sem aprovação de Trump.
Palestinos recusam convite
A Autoridade Nacional Palestina recusou o convite para participar do encontro em Varsóvia, por causa da decisão de Trump de transferir a embaixada americana em Israel para Jerusalém, e fez um chamado para outros países seguirem o seu exemplo.
Apesar disso, a organização diz que o encontro terá a participação de 60 países, e diversas nações árabes, como a Arábia Saudita, os Emirados Árabes Unidos, a Jordânia, Kuwait, o Bahrein e o Marrocos devem enviar ministros. Espera-se que Egito e Tunísia mandem diplomatas de mais baixo nível. A previsão é de que os europeus não assinarão o comunicado final do encontro.
Desde o começo da década de 1990, Israel e países árabes não se sentam para discutir a paz regional em nível tão alto, e espera-se que questões relacionadas ao conflito com os palestinos acabem, de um modo ou outro, entrando na conversa.
Ainda assim, o Irã será um dos assuntos de maior importância na pauta. Netanyahu deve argumentar que Teerã viola os direitos humanos e apoia o terrorismo, sendo incompatível com os valores ocidentais. Seu antagonismo em relação a Teerã deve ser secundado pelos aliados árabes dos EUA, como a Arábia Saudita.
A anfitriã Polônia, enquanto isso, tenta promover seus interesses em Washington. Desde 2015 governado pelo Partido Lei e Justiça, de extrema direita, o país tradicionalmente não tem grande interesse no conflito do Oriente Médio, e sua decisão de sediar a reunião o isola na União Europeia.
Apesar disso, Varsóvia, que já hospeda mísseis antibalísticos americanos, tem interesse na instalação de uma base americana em seu território, apelidada de Forte Trump, que considera necessária para se proteger da Rússia. O projeto atualmente está em consideração pelo Pentágono, que deve revelar sua avaliação em março.
O Irã não foi convidado para participar, e a Rússia recusou o convite. Durante o evento, os presidentes dos dois países, Hassan Rouhani e Vladimir Putin, devem se encontrar com o presidente turco, Recep Tayyip Erdogan, em Sochi, na Rússia, onde discutirão a situação na Síria.
Em uma entrevista coletiva, o ministro das Relações Exteriores do Irã, Mohamad Javad Zarif, declarou nesta quarta-feira que a conferência “nasceu morta”.
— Trata-se de uma nova tentativa dos Estados Unidos para manter viva sua obsessão com o Irã, que é infundada — afirmou. — Creio que o fato de eles não terem a intenção de emitir uma declaração conjunta, mas que estão tentando utilizar seu próprio comunicado em nome dos outros, demonstra que nem mesmo eles [americanos] levam esta reunião a sério.
A maior parte das discussões deve acontecer na quinta-feira. Nesta quarta, está previsto apenas um jantar. Procurado sobre os objetivos do Brasil na reunião, o Itamaraty não respondeu até o fechamento da reportagem.
Fonte: O Globo