Parlamentares articulam para retirar Coaf das mãos de Moro

BRASÍLIA — Apesar de oficialmente divulgar ser favorável, neste momento, à manutenção do Conselho de Controle de Atividades Financeiras ( Coaf ) no Ministério da Justiça, o presidente Jair Bolsonaro já admitiu negociar a retirada do órgão das mãos do ministro da Justiça, Sergio Moro , e devolvê-lo à pasta da Economia. A sinalização foi um gesto à classe política, que considera ter maioria no Congresso para a mudança. A avaliação dos parlamentares é que, ao incorporar o Coaf, o ministério chefiado por Moro ganhou mais poderes do que deveria, tese que une tanto investigados na Operação Lava-Jato quanto defensores da investigação que notabilizou o hoje ministro.

A mudança deve ser feita pelo Congresso na tramitação da Medida Provisória 870, que instituiu a nova estrutura administrativa do Executivo no primeiro dia do governo. O relator da proposta é o líder de Bolsonaro no Senado, Fernando Bezerra Coelho (MDB-PE), que diz não ter recebido do Planalto uma “posição formalizada” sobre o tema. O texto ainda tramita em uma comissão formada por senadores e deputados.

— A posição do governo será formalizada na próxima segunda-feira, quando terei reunião com o ministro Onyx Lorenzoni (Casa Civil) e o presidente Bolsonaro — diz Bezerra.

No sábado, o ministro Sergio Moro recorreu às redes sociais para defender a permanência do Coaf na Justiça. Segundo ele, é importante aproximar o órgão de inteligência financeira da Polícia Federal, do Ministério Público e das polícias estaduais. Em entrevista ontem à TV Globo, o ministro insistiu no assunto:

— Estamos respeitosamente tentando convencer (o Congresso) de que o melhor lugar para o Coaf é o Ministério da Justiça.

No último domingo, sobre a possível mudança, Bolsonaro disse que estava “tratando do assunto”. Ontem, o porta-voz da Presidência, Otávio Rêgo Barros, disse que o órgão permanecerá na Justiça, se depender da vontade “pessoal” do presidente, mas confirmou que há estudos sobre a alteração.

Além de produzir relatórios que já apontaram movimentações financeiras atípicas de políticos de diferentes partidos (veja quadro), o órgão esteve recentemente no centro de investigações envolvendo deputados e assessores da Assembleia Legislativa do Rio. Um deles é Fabrício Queiroz, ex-assessor de Flávio Bolsonaro (PSL), hoje senador. A partir de dados do Coaf, o Ministério Público do Rio investiga a prática de “rachadinhas”, quando servidores devolvem parte dos salários aos políticos que os nomearam.

O presidente da comissão que analisa a MP no Congresso, deputado João Roma (PRB-BA), afirmou que conversou com Moro sobre o caso. Ele disse ao ministro que os políticos precisam de garantias de que o sigilo bancário será preservado, estando o Coaf no Ministério da Economia ou na Justiça. O deputado confirmou a existência de movimentações para tirar o órgão da alçada de Moro:

— Parlamentares podem usar o discurso de que há uma intenção de coagir o mundo político ao deixar o Coaf na Justiça. Se houver apoio do centrão e também da oposição, tem chance de passar.

O líder do PP na Câmara, Arthur Lira (AL), dá a mudança do Coaf como fato consumado. Para ele, se o governo não acatar as sugestões dos líderes, será derrotado:

— Essa questão do Coaf só não se resolveu ainda porque não votou. Se o relator não fizer, a gente vai tirar do texto da MP da mesma forma, entrando com uma emenda supressiva.

O local “adequado”

O senador Randolfe Rodrigues (Rede-AP) acredita que a defesa da retirada do Coaf do Ministério da Justiça é uma tentativa de parlamentares de se blindar de investigações.

— O Coaf faz parte do sistema de Justiça, do sistema de combate à lavagem de dinheiro e de combate à corrupção. Não tem sentido ele ficar fora do Ministério da Justiça — afirmou, à TV Globo.

Já o líder do PPS, deputado Daniel Coelho (PE), diz que a mudança para a área econômica pode evitar excessos de investigações que venham a surgir na pasta de Moro:

— O Coaf não é um instrumento ligado ao sistema policial ou judiciário, é instrumento da Receita. O Coaf tem uma perspectiva de controle financeiro de combate à sonegação. Ele pode ser utilizado para combater corrupção ou outros crimes, mas não é sua função exclusiva. Está se mexendo com sigilo fiscal e bancário de todos os brasileiros, então é importante que se mantenha no local adequado, que é o ministério da Economia .

A MP 870 formalizou a configuração de 22 ministérios, com diferentes mudanças de órgãos entre as pastas. Editado pelo presidente, o texto recebeu 571 emendas no Congresso e precisa ser aprovado pelos parlamentares para tornar-se lei. Se não for referendada até 3 de junho, a norma vai perder a validade e dará lugar à estrutura existente no governo Michel Temer, com 29 ministérios. Por causa disso, o governo precisa negociar com os parlamentares para aprovar a MP tanto na comissão quanto em plenário.

Fonte: O Globo