Pesquisas divulgadas logo após o fechamento das urnas na França neste domingo (23/04) apontam que, com 23,7% dos votos, o ex-banqueiro Emmanuel Macron, de centro, fará o segundo turno das eleições presidenciais contra a populista de direita Marine Le Pen (21,7%).
O ex-primeiro-ministro François Fillon, que já reconheceu derrota, e Jean-Luc Melenchon, candidato da esquerda, aparecem empatados em terceiro lugar com cerca de 19,5% das intenções de voto. A apuração está em andamento.
“Hoje vira-se claramente uma página na vida política francesa”, afirmou Macron, ex-ministro da Economia. Segundo ele, os franceses exprimiram nas urnas o seu “desejo de renovação”.
Se confirmadas as previsões, a escolha de Macron e Le Pen representaria uma guinada no cenário político francês: seria a primeira vez na Quinta República que o segundo turno não contaria com nenhuma das correntes políticas que governaram a França desde 1958: socialistas e republicanos.
“O resultado é histórico, o primeiro passo foi dado”, disse Le Pen a seus seguidores. “É o momento de libertar o povo francês.”
A eleição presidencial francesa é observada como crucial para o futuro da Europa, e um teste da insatisfação dos eleitores com o establishment político. O pleito ocorre num momento de desconfiança em relação ao futuro da UE pós-Brexit, onda populista e temor de novos atentados terroristas.
Mas, apesar da ameaça terrorista, como mostrou uma série de pesquisas antes da votação deste domingo, a maior preocupação dos eleitores é com o declínio social na França. O desemprego alcançou 10% em fevereiro, e há uma sensação de estagnação na sociedade francesa.
Mais de 50 mil policiais, apoiados por unidades de elite dos serviços de segurança franceses, patrulharam as ruas nos últimos três. A segurança, que já era intensa, teve de ser reforçada após um atirador matar um policial e feriu outros dois na Champs-Élysées, avenida no coração de Paris.
A jornada eleitoral foi livre de incidentes. O único momento de tensão foi logo no início domingo, quando uma seção de votação em Besancon, no leste da França, foi interditada depois que um veículo roubado foi abandonado com o motor ligado no local.
O fato de as eleições irem para o segundo turno não é novidade na França: as presidenciais raramente são decididas no primeiro turno – desde o início da Quinta República, em 1958, apenas o general Charles de Gaulle conseguiu o feito.
Macron: um europeu convicto
Macron é considerado um europeu convicto. Ele não poupa críticas, por exemplo, ao presidente dos EUA, Donald Trump, como quando disse que a política americana anti-imigrantes e de meio ambiente é um erro. Ele quer cortar 60 milhões de euros de gastos públicos e eliminar 120 mil postos de trabalho nesta área, caso ganhe a eleição. No entanto, planeja investir 50 bilhões de euros em programas de financiamento, como para projetos ambientais, por exemplo.
Entre outras coisas, o candidato independente promete flexibilizar a semana de 35 horas. Além disso, quer que o seguro desemprego seja disponibilizado para outros grupos profissionais, ao mesmo tempo em que propõe uma maior pressão sobre os desempregados, para que eles aceitem os empregos encaminhados pelas agências de trabalho. A taxação das empresas deve ser reduzida dos atuais 33,3% para 25%. A polícia e o Exército devem ser reforçados.
O ex-banqueiro é um humanista. Certa vez, ele cunhou a frase “refugiados são pessoas resistentes e inovadoras”. Ele elogiou com firmeza a política migratória de Angela Merkel, afirmando que ela “salvou a honra da Europa”.
No meio político francês, marcado por personalidades relativamente desinteressantes, o jovem político em ascensão é uma espécie de figura exótica. Ele é casado com uma ex-professora, que é 24 anos mais velha e já é avó. Ela ás vezes ajuda Macron a escrever seus discursos. Ele está bem posicionado em uma campanha eleitoral marcada por escândalos.
A vez de Le Pen?
Ao longo da campanha, Marine Le Pen permaneceu sólida, sempre com mais de 20% das intenções de voto. Em muitas análises, a eleição francesa é encarada como um teste para a força da FN, que há décadas assombra o cenário político francês. Depois da vitória de Donald Trump nos EUA e da aprovação do Brexit, partidos populistas de direita europeus, entre eles a FN, passaram a encarar que chegou o seu momento.
Até o segundo turno, Le Pen tentará afastar a repetição do massacre que ocorreu com seu pai em 2002, quando Jacques Chirac venceu com mais de 80% dos votos. Segundo pesquisas de antes do primeiro turno, Marine perderia a votação final.
A FN, que costuma ir bem em pesquisas, mas nunca consegue converter isso em poder, passou por um processo de “normalização” nos últimos anos. Com um discurso mais amplo, distante da pregação abertamente racista de seu pai, Marine Le Pen passou a cortejar a classe trabalhadora que se sentiu abandonada pelos partidos tradicionais.
O discurso xenófobo ainda está presente, mas é mais pontuado por uma defesa do Estado laico francês e contra o terrorismo. Por outro lado, a candidata também redobrou sua hostilidade à UE, defendendo a realização de um “Frexit”, uma consulta popular sobre a permanência da França no bloco.
Fonte: DW