Desmatamento na Amazônia em junho cresce quase 60% em relação ao mesmo período em 2018

RIO — A preocupação internacional em torno do desmatamento na Amazônia, que resultou em forte pressão política sobre o presidente Jair Bolsonaro no encontro do G20, em Osaka, no Japão, deve ganhar corpo com os números atualizados do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), vinculado ao Ministério da Ciência, Tecnologia, Inovações e Comunicações . Em junho, a Amazônia perdeu 762,3 km² de floresta, o equivalente a duas vezes a área de Belo Horizonte. É o pior registro do mês desde 2016. No acumulado dos últimos 180 dias, o quadro também inspira preocupações. 

No mesmo período, em junho de 2018, o desmatamento havia sido de 488,4 km². Na prática, a floresta perdeu duas cidades do porte de Paris a mais em comparação ao ano passado. No acumulado de 2019, o Brasil  viu uma redução de aproximadamente 1,5 vez o território da cidade de São Paulo: 2.273,6 km².

O Inpe trabalha com satélites que calculam o desmatamento com base em diferentes filtros.O sistema é criticado pelo ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, que defendeu em diferentes ocasiões a contratação de uma empresa privada estrangeira para o monitoramento da Amazônia. O instituto, por sua vez, defende a precisão dos dados.

Os números desta reportagem levam em conta desmatamentos com solo exposto, com vegetação e derrubadas resultantes de atividades ligadas à mineração, metodologia adotada pela ONG Observatório do Clima. Na série histórica da plataforma Terra Brasilis, disponibilizada pelo instituto e iniciada em 2015, os números deste ano só são superados pelos de 2016, que registrou, até junho daquele ano, 3.183 km² de áreas desmatadas. Naquela ocasião, os índices foram os piores desde 2008.

O cenário coloca em xeque as metas do Brasil para o Acordo de Paris, assinado em 2015. No documento, o país se comprometeu a zerar o desmatamento ilegal na Amazônia até 2030 e a compensar os gases poluentes emitidos pela ação de derrubada da floresta até o fim da próxima década. Há, ainda, a Lei 12.187, assinada em 2009 para firmar o compromisso do Brasil junto às Nações Unidas de reduzir o desmatamento da Amazônia Legal para 3.907 km² até 2020.

Balsa transporta troncos de árvores no Pará, estado mais afetado pelo desmatamento de acordo com os números do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais Foto: Frame / Agência O Globo
Balsa transporta troncos de árvores no Pará, estado mais afetado pelo desmatamento de acordo com os números do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais Foto: Frame / Agência O Globo

Para Carlos Ritti, secretário-executivo do Observatório do Clima, o quadro confirm

— A variação tem uma digital para trás, que é a do governo Jair Bolsonaro. O discurso na campanha se reflete na redução no combate ao desmatamento. O número de operações foi 70% maior de janeiro a abril. Não é uma variação, digamos, esperada de um início de governo. Se no discurso você estimula e diz que vai tirar o governo das costas de quem quer produzir, estamos, na verdade, tirando o governo das costas de quem está cometendo crimes ambientais — avalia Ritti.

Sobre as críticas de Salles ao monitoramento do Inpe, o ambientalista é taxativo:

— O sistema do Inpe visa alertar os órgãos ambientais para que vão a campo para acabar com o desmatamento. Ele não detecta o desmatamento em sua totalidade. Esses números mostram uma tendência muito forte, mas não permite dizer que foi só isso que foi desmatado — explica o secretário-executivo. — Os dados não importam ao governo assim como os do IBGE, os da Fiocruz. A metodologia é reconhecida mundialmente como muito robusta. O ministério e o Ibama estão recebendo informações sobre o desmatamento ilegal dentro e fora de propriedade privada e têm todos os instrumentos para agir. Cabe ao ministro a responsabilidade de colocar equipes em campo, até porque recursos não faltam.

O Ministério do Meio Ambiente ainda não nomeou chefes para as superintendências dos estados que compõem a Amazônia Legal. Segundo estimativa do Observatório do Clima, quase 99% do desmatamento ocorrido em 2019 tem origem ilegal.

Acordos na mira

Embora o acordo comercial entre o Mercosul e a União Europeia (UE), fechado durante o G20, condicione os benefícios eventualmente aproveitados pelo Brasil ao desenvolvimento sustentável, faltam indícios de que o país cumprirá o requisito. Enquanto o martelo era batido em Osaka, o Fundo Amazônia, iniciativa financiada pelos governos da Alemanha e Noruega voltada para a proteção do bioma, vive momentos de suspense.

O comitê organizador responsável pelo projeto não foi renovado no decreto presidencial da última sexta-feira, enquanto o governo negocia um novo formato com os dois países europeus. Boa parte do financiamento do Ibama, por exemplo, deriva atualmente do fundo, considerado uma iniciativa de sucesso internacionalmente.

— (A indefinição sobre o futuro do Fundo Amazônia) É uma tentativa de ingerência política do Ministério do Meio Ambiente e de Ricardo Salles sobre a questão — avalia o secretário-executivo da ONG.

Área desmatada na Amazônia Legal, no estado do Mato Grosso, em foto de outubro de 2015 Foto: Paulo Whitaker / Agência O Globo
Área desmatada na Amazônia Legal, no estado do Mato Grosso, em foto de outubro de 2015 Foto: Paulo Whitaker / Agência O Globo

O endurecimento do discurso de lideranças europeias como o presidente da França, Emmanuel Macron, não impedirá que o desmatamento ilegal avance, teme Ritti. Para ele, o bloco europeu “assinou um cheque em branco” em relação ao aumento da violência contra povos indígenas e do desmatamento. Ele afirma, ainda, que o acordo significa um incentivo a mais para o desmatamento na Amazônia, com as portas abertas para a expansão da produção e da competitividade no mercado brasileiro, além de estimular novas mudanças na legislação ambiental.

Ainda de acordo com Ritti, o próprio acordo com a União Europeia pode ficar na berlinda se o Brasil persistir nas políticas adotadas desde a posse de Jair Bolsonaro. O ambientalista também critica a decisão do bloco europeu:

— Temos no acordo referências a questões de proteção do meio ambiente, como no Acordo de Paris. Tudo isso é bonito no papel Como traduzir isso em mecanismos? O que vai assegurar que esse país cumpre? Não estamos perdendo apenas governança ambiental, climática, extinguindo conselhos. Na prática, o que está acontecendo é justamente o contrário do que os governos europeus cobraram do Brasil no discurso. Se o acordo entrar em pleno vigor em dois ou três anos, corremos o risco de perder muita floresta, e haverá uma digital da UE por trás disso.

Procurando pela reportagem do GLOBO, o Ministério do Meio Ambiente não respondeu aos questionamentos ainda.

Fonte: O Globo