No continente americano, a crise venezuelana é inédita, em vários sentidos. O caso mais parecido, no mundo, apontou o professor de Harvard Steven Levitsky em entrevista ao GLOBO, é o do Zimbábue, onde o ex-presidente Robert Mugabe, que governou o país durante mais de 40 anos, foi deposto pelos militares em 2017, em meio a uma gravíssima situação econômica e social. Hoje, Levitsky, como muitos analistas regionais e venezuelanos, acredita que a única saída possível para o país é militar.
“Nenhum defensor da democracia gosta de falar em intervenção militar, mas hoje é a única opção que vejo. O governo de Maduro já deixou claro que vai se agarrar ao poder de qualquer maneira e tampouco vejo uma invasão de marines americanos. A única força capaz provocar sua renúncia é a dos militares venezuelanos”, assegurou ele, que junto com Daniel Zibilat, é autor do livro “Como morrem as democracias”, um dos sucessos da literatura política latino-americana de 2018.
Levitsky disse, ainda, que nunca imaginou “ver o chavismo matando pobres” e mostrou-se certo de que “neste momento os generais venezuelanos estão debatendo seriamente o que fazer. Os custos de continuar ao lado de Maduro são cada vez mais elevados”.
O senhor foi professor de deputados da oposição que ocupam lugares centrais no “governo encarregado” de Juan Guaidó, como Juan Andrés Mejía. Está assessorando a oposição venezuelana?
Não, não sou assessor do governo de Guaidó. O deputado Mejía foi meu aluno em Harvard e temos conversas informais sobre a crise.
O mais parecido que conhecemos talvez tenha sido o caso do Zimbábue. Mas na América Latina nunca vimos nada igual. Vemos semelhanças com momentos do Peru, a hiperinflação da Argentina, mas na Venezuela a coisa é muito mais grave. O problema é que todos os exemplos de estabilização da economia são com governos democráticos. Combater a inflação em meio a uma transição à democracia é difícil.
O Plano Real está sendo estudando pela oposição…
Claro, mas Fernando Henrique (Cardoso, PSDB) combateu a inflação num cenário totalmente diferente. Havia estabilidade política e uma democracia sólida no Brasil. O nível do colapso que observamos hoje na Venezuela nunca ocorreu no Brasil, nem na Argentina. Só mesmo o Zimbábue teve uma crise tão prolongada.
Que saída o senhor vê para a Venezuela?
Muito lamentavelmente, a única saída que vejo é a de uma ação militar. Nenhum defensor da democracia se sente confortável com essa opção, mas não vejo outra. Os militares precisam retirar o apoio a Maduro e dar esse apoio a Guaidó. Não vejo Maduro renunciando, como o ex-presidente argentino Fernando de la Rúa (1999-2001), por exemplo. Este governo já deixou claro que vai se agarrar ao poder. Tampouco vejo uma invasão de marines americanos, nem outro tipo de intervenção externa. A única força capaz de provocar a renúncia de Maduro é a dos militares venezuelanos.
Os militares poderiam tirar Maduro do poder e colocar em seu lugar uma figura mais aceitável pela comunidade internacional que poderia, talvez, coordenar uma transição?
Sim, poderiam. Já aconteceu em outras ocasiões, incluindo na Venezuela de 1945 e 1957.
Quem poderia ser essa pessoa?
Bom, isso depende muito. Se conseguirem alguém com suficiente independência, prestígio e credibilidade poderia ser o começo da transição. Mas teria de ser o começo de um processo eleitoral livre e justo. Não há garantias, lembrem do caso do Zimbábue, mas sim, é possível.
A presença cubana é um obstáculo para essa eventual rebelião interna?
Sinceramente, não sabemos. Para todos é uma surpresa que este regime tenha durado os últimos cinco anos. Mas ele poderia ficar mais tempo, apesar do sofrimento que causa a milhões de venezuelanos, do êxodo de 3 milhões de refugiados. É incerto, mas também é verdade que temos casos de militares corruptos que finalmente decidem se rebelar. Eles chegam à conclusão de que ficar é pior do que encarar uma transição. Já vimos isso na própria Venezuela, com a queda do ditador Marcos Pérez Jimenez, em 1958. Os militares, em algum momento, se cansam, percebem que o risco de permanecer é grande demais. Me surpreende que isso ainda não tenha acontecido na Venezuela.
Há muitos rumores em Caracas…
Não tenho dúvida de que os generais venezuelanos estão discutindo justamente isso, neste momento. Talvez tenham de negociar com os cubanos, os americanos estão muito dispostos a negociar. E os cubanos têm muito a perder, porque a verdade é que, se Cuba quer se estabelecer como um regime sustentável, estar vinculada a esse desastre venezuelano não ajuda. Cuba está tentando romper seu isolamento internacional, ter uma economia mais aberta e apostar tudo na Venezuela não seria inteligente.
Que conselho o senhor daria hoje à oposição?
Essa é a pergunta mais difícil do ano. A oposição venezuelana cometeu mil erros, mas tentaram de tudo. Estratégias boas, ruins, democráticas, autoritárias, cautelosas, audazes, tudo. E tudo fracassou, não só por ineficiência, mas porque este regime é teimoso, tem petróleo e conseguiu controlar os militares.
Qual a sua opinião sobre Juan Guaidó?
Guaidó fez o correto. Sua estratégia foi inteligente. A oposição estava derrotada, dividia, exausta… era necessária uma renovação da liderança, um rosto novo. Ele parece ter carisma, capacidade política e de discurso, mas não o conheço. Com a Venezuela diante de uma situação crítica, uma emergência humanitária tremenda, milhões de vida em jogo, não me parece mau que optem por estratégia muito ofensiva e que tem como um de seus pontos centrais a colaboração internacional. Não sei se essas ações terão efeito, mas poderia funcionar.
Maduro está encurralado?
Sem dúvida, mas pode não cair amanhã. Analistas estão prevendo o fim do regime cubano desde dezembro de 1989. Há cinco anos estamos aqui, vários de nós, prevendo o final de Maduro e a verdade é que não sabemos. Sabemos que ele está fraco, que poderia facilmente cair, poderíamos ter um golpe amanhã, mas ninguém sabe. Pode demorar dias, semanas, meses ou anos.
A repressão está cada vez pior…
Sim. Lembro que, com (Hugo) Chávez no poder, eu dizia que quando eles tivessem que reprimir os pobres seria o fim. Pois bem, estão reprimindo as classes mais baixas, já não é só a classe média, estão matando pobres. E estão no poder. Tenho 100% de certeza de que os generais estão debatendo e muitos gostariam de livrar-se de Maduro, negociar com Guaidó, mas precisam atuar em conjunto, não querem nem podem dividir-se. O mais difícil agora é transformar ações individuais em uma coletiva.
Se Maduro cair, o senhor acredita que Guaidó seria o candidato mais respaldado numa eventual eleição presidencial?
Se a oposição conseguir realizar uma transição, ele deveria ser líder dessa transição. Um presidente interino, mas não o candidato da oposição numa eleição. Essa seria a atitude de um verdadeiro democrata.
A oposição parece, novamente, unida. O senhor acha que essa união vai durar desta vez?
Não e eles não precisam permanecer unidos. A unidade é necessária para derrubar o regime. Mas uma vez que esteja instalado um novo regime democrático eles se dividirão. Esta é uma coalizão muito heterogênea e assim funciona a democracia.
O senhor acha que iniciativas como o grupo de Contato Europeu pode dar certo?
Espero que sim, mas sou pessimista. Não acredito que o governo tenha interesse em negociar. A chave de qualquer negociação é a convocação de eleições livres e criação de condições que permitam sua realização. Maduro não pode ganhar uma eleição livre. Então, o que exatamente ele vai negociar?
Fonte: O Globo