RIO — O ex-governador Sérgio Cabral admitiu em depoimento nesta terça-feira que eram seus os US$ 100 milhões que estavam em contas no exterior, e que foram entregues pelos doleiros delatores Marcelo e Renato Chebar. Os irmãos eram quem administravam parte da propina do ex-governador. Eles fizeram delação e devolveram o dinheiro à Justiça.
— O dinheiro dos irmãos Chebar era meu dinheiro, sim — disse ele em depoimento.
Cabral disse que resolveu “falar a verdade” por conta de sua família, do momento histórico e para ficar bem com ele mesmo. Essa é a primeira audiência em que ele participa na 7ª Vara Federal Criminal, do juiz Marcelo Bretas, depois de admitir ao Ministério Público Federal (MPF) ter recebido propina enquanto estava no comando do estado .
Logo no início da audiência, o juiz perguntou o motivo pelo qual Cabral mudou de opinião e resolveu admitir o recebimento de propina.
— Em nome da minha mulher, dos meus filhos e da história, resolvi falar a verdade e ficar bem comigo mesmo. Hoje, sou um homem muito mais aliviado — afirmou o emedebista.
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Começo na política: Eleito deputado estadual em 1990, foi reeleito em 1994 e 1998. Nesse período, após ter trocado o PMDB pelo PSDB, foi derrotado duas vezes para a prefeitura do Rio, em 1992 e 1996. Foto: Divulgação
Ascensão: Em 1999, Cabral voltou para o PMDB e assumiu a presidência da Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro (Alerj). Foto: Gabriel de Paiva / O Globo
Congresso: Em 2000, chegou ao Senado Federal, onde ficou por seis anos. A despedida veio em 2006, quando foi eleito para assumir o governo fluminense. Foto: Ailton de Freitas / O Globo
Vitória com aliados: Com o apoio dos ex-governadores Anthony e Rosinha Garotinho, foi eleito pela primeira vez para o governo estadual na chapa com Pezão, em 2º turno. Foto: Michel Filho / O Globo
Início de governo: Cabral foi diplomado pelo desembargador Roberto Wider (TRE-RJ) em 15 de dezembro de 2006. Agora, ele conta que o esquema de propina nos bastidores da própria administração começou entre fevereiro e março do ano seguinte, pouco após a posse. Foto: Gabriel de Paiva / O Globo
Em 2008, Cabral implantou o projeto que viria a ser o cartão de visitas do governo: as UPPs (Unidades de Polícia Pacificadora). Na foto, dois agentes observam o Morro Dona Marta, em Botafogo Foto: André Teixeira / O Globo
Pupilo: Eduardo Paes, que apoiou Cabral no 2º turno em 2006, integrou a administração estadual na secretaria de Turismo e, em 2008, saiu vitorioso como candidato do PMBD à prefeitura do Rio. Na foto, os dois jogam bola nas areias de Copacabana durante a campanha pelo comando municipal. Foto: Luiz Morier / O Globo
Rio Olímpico: Em 2009, Cabral comemorou ao lado do então presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), do prefeito Eduardo Paes (PMDB) e do presidente do Comitê Olímpico Brasileiro (COB) Carlos Arthur Nuzman a escolha da capital fluminense como sede da Olimpíada de 2016. Foto: Pierre-Philippe Marcou / AFP
Reeleição: Após vitória no 1º turno das eleições de 2010, Cabral e o vice, Pezão, foram ao encontro do então presidente Lula no Palácio do Planalto; o chefe do Executivo nacional também conquistara a preferência das urnas pela segunda vez. Foto: Gustavo Miranda / O Globo
Tragédia: Em 2011, um acidente de helicóptero matou a nora de Cabral, o filho e a mulher do empreiteiro Fernando Cavendish (dono da Delta) Jordana Kfouri (na foto, o ex-governador aparece após a cerimônia de cremação de Jordana). O acidente expôs as relações do ex-governador com empresários de construtoras. Seis dos sete ocupantes do helicóptero haviam deixado o Rio poucas horas antes em um jatinho emprestado pelo empresário Eike Batista (incluindo Cabral e Cavendish). Foto: Marco Antônio Cavalcanti / O Globo
Rompimento: A Operação Monte Carlo, em 2012, expôs a ligação de Fernando Cavendish com o contraventor Carlinho Cachoeira. A exposição do laço entre os dois sepultou a amizade de Cabral com o dono da Delta. Foto: Marcelo Carnaval / Agência O Globo/28-07-2016
Farra: Em 2012, Anthony Garotinho, ex-aliado de Cabral, divulgou imagens de Cabral, Cavendish e secretários do estado em Paris, na França, de 2009. O episódio ficou conhecido como ‘farra dos guardanapos’ e as fotos mostravam um clima de descontração que teria marcado o aniversário da primeira-dama Adriana Ancelmo, mulher de Cabral. Na foto, Sérgio Cortês (primeiro à esq.), ao lado de Georges Sadala, Wilson Carlos e Fernando Cavendish. Foto: Reprodução / Blog do Garotinho
Ocupa Cabral: Embalados pela onda de protestos de junho de 2013 e pelo desaparecimento de um morador da Rocinha (o Amarildo) que foi torturado por agentes da UPP, manifestantes ocuparam a calçada em frente à casa de Sérgio Cabral e pediram que ele deixasse o governo. Foto: Hudson Pontes / O Globo
Desgaste: A imagem do governo Cabral ficou ainda mais arranhada após o sumiço do auxiliar de pedreiro Amarildo, na Rocinha. Na foto, o então governador em uma conversa com os familiares do desaparecido. Mais tarde, soube-se que agentes da UPP teriam torturado e matado Amarildo. Foto: Gustavo Stephan / O Globo
Renúncia: Cabral deixou o governo do Rio em abril de 2014 (seis meses antes do fim do mandato) e deixou o cargo para o vice, Luiz Fernando Pezão. Na foto, os dois aparecem em meio à cerimônia de transferência ao lado das mulheres, Adriana Ancelmo (à direita) e Maria Lúcia. Foto: Alexandre Cassiano / O Globo
Delação: Em junho de 2016, um ex-executivo da Andrade Gutierrez, Clóvis Renato Primo, afirmou em delação premiada que houve um pedido de Wilson Carlos, então secretário de Governo da gestão Cabral, para que fosse pago 1% do valor da reforma do Maracanã, a título de propina, ao Tribunal de Contas do Estado. Além de Primo, o ex-executivo Rogério Nora Sá denunciou que Cabral (PMDB) cobrou o pagamento de 5% do valor total do contrato para permitir que a empresa se associasse à à Odebrecht e à Delta no Consórcio Maracanã Rio 2014. Na foto, Cabral aparece entre Wilson Carlos e Régis Fichtner (Casa Civil). Foto: Michel Filho / O Globo
Prisão: Em junho de 2016, o ex-presidente da empreiteira Delta Construções Fernando Cavendish, seu ex-diretor Cláudio Abreu, o bicheiro Carlos Augusto Ramos (conhecido como Carlinhos Cachoeira), e o empresário Adir Assad foram presos pela Operação Saqueador. No mês seguinte, o Tribunal de Contas do Estado bloqueou R$ 198 milhões em créditos vigentes para as construtoras Odebrecht e Andrade Gutierrez relativos às obras de reforma do complexo do Maracanã para a Copa de 2014. Foto: Reprodução / TV Globo
Anel de R$ 800 mil: O GLOBO revelou em outubro de 2016 que o empreiteiro Fernando Cavendish contou à força-tarefa da Lava-Jato no Rio que tinha provas de ter comprado um anel para Cabral presentear sua mulher, Adriana Ancelmo, pelo aniversário de 39 anos quando viajaram juntos a Mônaco. O empresário afirmou ter os comprovantes da compra em cartão de crédito e uma foto no qual a ex-primeira-dama aparece com a joia na mão esquerda. Foto: Reprodução
Prisão: Cabral foi preso em novembro de 2016 pela Operação Calicute, uma das fases da Lava-Jato do Rio, suspeito de ter integrado o esquema responsável por desviar mais de R$ 220 milhões de recursos públicos. Os ex-secretários – Wilson Carlos Cordeiro da Silva Carvalho e Hudson Braga também foram detidos. A prisão foi comemorada por parte da população fluminense (na foto, curiosos fotografam o carro em que o ex-governador foi levado preso). A ordem para a prisão partiu do juiz Marcelo Bretas, da 7ª Vara Federal Criminal do Rio, responsável pela Lava-Jato no estado. Foto: Reprodução / TV Globo
Transferências: Em janeiro de 2018, o juiz Marcelo Bretas determinou que Cabral fosse transferido do Rio para Curitiba, no Complexo Médico Penal de Pinhais, onde estavam outros presos da Lava-Jato. Havia indícios de que Cabral estava recebendo regalias enquanto cumpria pena em território carioca. Posteriormente, em abril de 2018, o ex-governador voltou ao RJ e foi enviado para o presídio de Bangu 8, onde segue até hoje. Foto: Geraldo Bubniak / Agência O Globo
A mudança de postura do ex-governador acontece após a substituição de advogado. Cabral agora é assistido por Márcio Delambert, o mesmo que defende o ex-deputado estadual Edson Albertassi, preso desde novembro de 2017. Esse foi o primeiro depoimento do emedebista ao juiz Marcelo Bretas depois da troca.
A primeira vez que Cabral admitiu o recebimento de propina foi em depoimento ao MPF no último dia 21 de fevereiro. Em trechos divulgados pela TV Globo, o ex-governador admitiu cobrança de propina em obras como a Linha 4 do metrô e a reforma do Maracanã, além de citar o empresário Eike Batista e o ex-prefeito do Rio Eduardo Paes, ao falar de repasses irregulares para campanhas eleitorais.
O ex-governador também confirmou que houve “várias vezes” entrega de dinheiro de propina dentro do Palácio Guanabara, ao então vice-governador Luiz Fernando Pezão e a Fichtner, que está preso desde o dia 15 de fevereiro .
Em busca da redução de pena
Com a mudança de estratégia, Cabral busca a redução de pena. Preso desde novembro de 2016, o ex-governador responde a 28 processos e já foi condenado a mais de 200 anos de prisão.
Ao longo do período em que esteve preso, o emedebista já prestou vários depoimentos à Justiça e, neles, já adotou diversas posturas. Na primeira oitiva à Justiça, ao ex-juiz Sergio Moro, Cabral ficou em silêncio. Ao juiz Bretas, na primeira vez em que falou sobre a acusação de que cobrava 5% de propina em cima dos valores das obras no estado, disse que isso era uma “maluquice”.
— Nunca houve propina. Houve apoio. Vejo que o Ministério Público se refere a delatores que falam que pedi 5%. Nunca houve 5%. Que 5% é esse? Que história é essa de que esses 5% era algo que vigia no governo? Que maluquice é essa? — em audiência em julho de 2017.
Condenações: Réu em mais de 20 ações penais ligadas à Lava-Jato, Cabral foi condenado pela sétima vez em setembro de 2018. As sentenças somam penas de 183 anos de prisão. Foto: Geraldo Bubniak / Agência O Globo
Cabral admitiu que recebeu propina, assim como seus ex-secretários Régis Fichtner (Casa Civil) e Sérgio Côrtes (Saúde).
Fonte: O Globo