BRASÍLIA — Enquanto o Palácio do Planalto tenta formar uma base aliada capaz de dar andamento no Congresso a propostas da agenda econômica, como a reforma da Previdência, o ministro Sergio Moro se movimenta em direção ao Judiciário para tentar angariar apoio ao seu pacote anticrime. O plano é eliminar divergências entre propostas formuladas por representantes da Justiça e as mudanças na segurança pública defendidas pelo governo do presidente Jair Bolsonaro.
O ministro da Justiça e a cúpula do Supremo Tribunal Federal (STF) terão hoje e amanhã um encontro em Brasília. A aposta é que o alinhamento das propostas de Moro com o projeto já formulado pelo ministro Alexandre de Moraes, do STF, no ano passado, impulsione a tramitação da agenda da segurança no Parlamento.
— Há mais pontos de convergências do que diferenças — disse Moro ao GLOBO, em uma sinalização ao Judiciário.
No ano passado, Alexandre de Moraes apresentou ao Congresso, com o apoio do presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), propostas de mudança na legislação para fortalecer o combate à criminalidade e tornar a Justiça mais rápida. Na comunidade jurídica, a proposta de Moraes é tida como mais consistente. Mas, na tentativa de compor com o governo, o ministro acredita que o projeto dele poderia tramitar junto ao de Moro. Daí a necessidade de discutir e tentar acabar com as divergências no encontro desta semana.
Rodrigo Maia tem sinalizado a preferência por dar vazão ao texto de Moraes, o que botaria em segundo plano o pacote de Moro. Na conversa que terão entre hoje e amanhã, integrantes do Judiciário e do governo poderão unificar o discurso sobre questões como a audiência de custódia, que determina a apresentação do suspeito perante um juiz até 24 horas depois da prisão, para que seja verificada a necessidade de mantê-lo atrás das grades.
Enquanto o governo Bolsonaro apresenta resistências ao instrumento, por considerá-lo uma brecha para libertar criminosos, as audiências são defendidas por ministros do Supremo, que enxergam nelas uma ferramenta de direito de defesa e de garantias individuais.
Endosso do CNJ
O primeiro passo no entendimento de Executivo e Judiciário em torno da agenda de segurança pública foi dado na semana passada, quando o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) aprovou o envio ao Congresso de uma nota técnica sobre as audiências de custódia. O texto reforça a legitimidade dos juízes de todo o país para decidir pela manutenção ou não do suspeito na prisão, mas abre a possibilidade de o Congresso regulamentar essas audiências como considerar mais adequado — algo que agrada a Bolsonaro e seus aliados.
“Quando fundamentado em circunstâncias particulares, deverá o juiz decidir o que for necessário ao bom andamento dos processos sob sua jurisdição, inclusive no que tange à audiência de custódia. Tanto é assim que o Supremo Tribunal Federal já reconheceu a possibilidade de alargamento do prazo de 24 horas, desde que haja motivação idônea”, diz o texto.
À primeira vista, a nota contraria interesses do governo. Afinal, reafirma a necessidade das audiências de custódia e destaca que há decisão do STF e acordos internacionais tornando a medida obrigatória. No entanto, o CNJ acrescenta que o Congresso tem poderes sobre o tema. Nesse ponto, o texto foi elogiado por integrantes do governo. “Eventual alteração da normativa de regência deve advir de lei aprovada pelo Congresso Nacional, por ser matéria de competência privativa da União”, diz a nota.
O seminário que começa hoje, organizado pelo CNJ, deve revelar que as preocupações do Judiciário e do Executivo são as mesmas no setor de segurança pública: combater a criminalidade. Será divulgada uma pesquisa sobre impunidade, para deixar claro que esse é um mal que precisa ser enfrentado por todos os Poderes, de forma conjunta.
No STF, Moro é visto com restrições. Especialmente pelo grupo “garantista” da Corte, que opta por permitir ao réu recorrer em liberdade, em nome das garantias individuais. Moro também tem ressalvas ao Supremo. Não foram raras as decisões do tribunal que mandaram libertar, ou para a prisão domiciliar, réus presos pelo ex-juiz da Lava-Jato.
Fonte: O Globo