Oposição venezuelana denuncia repressão a indígenas e duas mortes perto da fronteira com o Brasil

RIO — Um grupo de 22 deputados de partidos opositores da Venezuela que está na cidade de Santa Elena , a 15 quilômetros da fronteira com o Brasil , denunciou nesta sexta-feira “uma brutal repressão militar a comunidades indígenas que estão colaborando para conseguir a abertura do canal humanitário”. Segundo disse ao GLOBO a deputada Olivia Lozano, 15 indígenas foram feridos e uma mulher identificada como Zoraida Rodriguez morreu em um violento incidente perto de Santa Elena. O deputado opositor Américo De Grazia, que está na cidade, confirmou a morte ainda do marido de Zoraida, Rolando García.

Ao menos quatro militares foram sequestrados depois de dispararem contra os indígenas. De acordo com o suspervisor-chefe da delegacia de Santa Elena, foram retidos o tenente de fragata Roselino José Leal Contreras, o sargento Carlos Alfredo Chirvita Marino, o 1º tenente José Antonio Gomez Sifontes e a tenente Grecia del Valle, única mulher no grupo.

Citada pelo site G1, a Secretaria de Saúde de Roraima informou no fim da tarde desta sexta-feira que ao todo sete venezuelanos feridos no confronto foram atendidos no Brasil. A princípio, eles foram atendidos no hospital de Santa Elena, mas tiveram que ser transferidos por falta de insumos médico. Assim, acabaram levados em duas ambulâncias, que tiveram a passagem autorizada pelos guardas venezuelanos apesar do bloqueio da fronteira, para a cidade de Pacaraima.

No lado brasileiro, as vítimas foram primeiro para o Hospital Délio Tupinambá, o único de Pacaraima, onde duas delas foram atendidas e já liberadas. Mas as outras cinco, todas com ferimentos provocados por armas de fogo e em estado grave, das quais três mais críticas, saíram com destino ao Hospital Geral de Roraima, em Boa Vista, a 215 km da fronteira.

— Estamos denunciado o governo Maduro por este ataque. Os indígenas estavam tentando impedir a passagem de blindados militares e foram brutalmente reprimidos — assegurou Olivia, deputada da Assembleia Nacional (AN) presidida por Juan Guaidó.

Guaidó, que em 23 de janeiro se proclamou presidente interino da Venezuela com apoio do Parlamento, denunciou a repressão no Twitter. “Nossa solidariedade com eles. Não ficará impune”.

Os indígenas envolvidos no choque com militares, informaram os deputados, pertencem à comunidade de San Francisco Kumaracapay. Os confrontos foram registrados na comunidade localizada em San Francisco de Yuruaní, no município de Gran Sabana (Bolívar), a cerca de 70 km da fronteira brasileira.

— Estamos reunidos com autoridades políticas da região, prefeitos e chefes de comunidades indígenas. Estão todos decididos a lutar para que a ajuda humanitária que está no Brasil entre em nosso território — afirmou Olivia.

Vereador indígena do município da Grande Sabana, na Venezuela, Jorge Pérez confirmou a morte de Zoraida ao jornal local “El Correo del Caroní”.

Nas redes sociais, principalmente WhatsApp, circulam fotos e vídeos sobre o violento incidente. Em entrevista ao site G1, um dos feridos, identificado como Marcel Perez, de 30 anos, afirmou que os militares simplesmente partiram para o ataque ao se depararem com a barreira montada pelos indígenas para tentar impedir que chegassem à fronteira com o Brasil.

— Em vez de conversarem pacificamente, eles simplesmente ultrapassaram a barreira de forma agressiva, usando bombas de gás lacrimogênio, apontando fuzis — disse Perez ao G1. — Não foram balas de borracha. Usaram armas do estado para nos ferir. Uma senhora, infelizmente morreu.

De acordo com a deputada opositora Olivia Lozano, na madrugada deste sábado congressistas, indígenas e autoridades locais irão até a fronteira para pressionar as forças militares e tentar conseguir o ingresso da ajuda ao país.

ao país.

Segundo Maria Teresa Belandria, embaixadora no Brasil, designada pelo autoproclamado presidente interino Juan Guaido , a capital de Roraima já recebeu 100 toneladas de alimentos, remédios e kits de emergência, que devem ser transportadas para Pacaraima, na fronteira venezuelana
Segundo Maria Teresa Belandria, embaixadora no Brasil, designada pelo autoproclamado presidente interino Juan Guaido , a capital de Roraima já recebeu 100 toneladas de alimentos, remédios e kits de emergência, que devem ser transportadas para Pacaraima, na fronteira venezuelana

Aliado de Maduro culpa oposição por mortes

Enquanto isso,  o vice-presidente do Partido Socialista Unido da Venezuela (PSUV), Diosdado Cabello, aliado do presidente Nicolás Maduro, responsabilizou o deputado oposicionista da Assemblea Nacional Américo de Grazia pelo confronto próximo à fronteira com o Brasil nesta sexta-feira que resultou nas duas mortes, afrmando ser uma “notícia falsa” que integrantes da Guarda Nacional Bolivariana (GNB) fizeram os disparos.

— Quanto aos fatos ocorridos em Kumarakapay, temos a informação que é uma notícia falsa — disse na ponte internacional de Tienditas, na fronteira com a cidade colombiana de Cúcuta, onde foi assistir ao show promovido pelo governo, intitulado “Hands off Venezuela”,  em resposta a evento similar da oposição do outro lado da fronteira, o “Venezuela Aid Live”. — Se demostrou que a GNB não partricipou do ato e é provável que tenha sido realizado por Americo De Grazia — assegurou, de acordo com relato do site de notícias venezuelano “TalCual”.

Brasil não deve interferir em caso de conflitos

Os responsáveis pelo ataque a indígenas, segundo dirigentes da oposição, são agentes da Guarda Nacional Bolivariana e da Força Armada Nacional Bolivariana. Professor da Escola de Comando e Estado-Maior do Exército (Eceme), Tássio Franchi não acredita na possibilidade de intervenção brasileira caso sejam observados conforntos similares no lado venezuelano da fronteira na planejada operação de entrada da ajuda humanitária na Venezuela neste sábado.

— O Brasil não se envolve em conflitos com países vizinhos há mais de cem anos — lembra. — Se houver choques dentro da Venezuela, seria um caso dentro das fronteira nacionais daquele país. Em não ocorrendo violação do território nacional, o Brasil não se envolveria sem autorização daquele país ou sob uma entidade internacional como as Nações Unidas. Essa é a tendência histórica de atuação do Brasil.

Franchi também destaca que ao dar apoio à operação o Brasil não está violando a soberania venezuelana.

— O governo (brasileiro) está oferecendo ajuda humanitária, cabe aos venezuelanos a decisão de aceitar e permitir a entrada dela ou não — diz. — Em momento nenhum vi alguma afirmação do governo no sentido de invadir ou forçar a entrada da ajuda humanitária oferecida. Pelo contrário, ontem (quinta-feira) o genenarl (Otávio) Rêgo Barros (porta-voz da Presidência) afirmou que como os produtos não são perecíveis, se não puderem ser entregues, serão estocados.

Fronteira permanece fechada

Com a ordem de bloqueio por tempo indeterminado, a fronteira da Venezuela com o Brasil não foi reaberta na manhã desta sexta-feira, como acontece diariamente por volta das 7h, informou o site G1. O fechamento  ocorre  na cidade brasileira de Pacaraima, que seria um dos pontos de entrega dos carregamentos de comida, remédio e itens de higiene básica enviados à população venezuelana, e foi ordenado na noite de quinta-feira pelo presidente da Venezuela, Nicolás Maduro.

Durante a manhã desta sexta-feira, venezuelanos não puderam atravessar a fronteira a pé nem de carro. No entanto, segundo o G1, grupos conseguiram passar usando uma rota alternativa, as chamadas trincheiras. São pelo menos duas alternativas para quem quer entrar no Brasil, uma delas muito próxima ao posto oficial de controle dos dois países.

Estava previsto que uma comitiva coordenada pelo Itamaraty passaria o sábado no local, e que caminhões venezuelanos entrariam no Brasil para pegar os alimentos e medicamentos. Segundo o “The Washington Post”, a oposição venezuelana planeja começar a formar canais humanos para transportar os carregamentos no sábado às 09h do horário local (10h em Brasília).