Especialistas em defesa e geopolítica ouvidos pelo GLOBO discordam a respeito das consequências da ida de um general brasileiro para um comando militar americano. Enquanto dois professores da área entendem que a posição é benéfica para o país, trazendo conhecimentos e fortalecendo vínculos com um parceiro, um terceiro julga que a indicação ameaça a soberania nacional e pode mesmo indiretamente arrastar o Brasil para uma guerra, em caso de intervenção militar americana na Venezuela.
Nesta semana, o Ministério da Defesa confirmou que o Brasil terá pela primeira vez um oficial no Comando Sul das Forças Armadas americanas, que tem a tarefa implementar a política de segurança dos EUA nas Américas Central e do Sul e no Caribe. O general de Brigada Alcides Valeriano de Faria Junior ocupará provisoriamente o cargo de subcomandante de interoperabilidade, sob ordens do almirante Craig Faller. O Brasil mantém cooperação com os EUA em defesa, mas esta é a primeira vez que um oficial brasileiro participa do processo decisório do parceiro.
O ingresso de um general brasileiro em uma cadeia de comando estrangeira suscitou dúvidas sobre as consequências da submissão de um oficial do país a ordens externas. O professor da Universidade Harvard e do Instituto de Estudos Estratégicos da UFF Vitelio Brustolin entende que a indicação é um “erro”, porque o militar fica sujeito a comandos possivelmente diferentes do interesse nacional:
— O general fica em situação de não poder quebrar a hierarquia de comando e as ordens estadunidenses não necessariamente seguem o interesse do Brasil — afirma Brustolin, ressaltando que a indicação é “sem precedentes” .
De acordo com ele, se fosse “devidamente estruturada”, a cooperação com os EUA poderia ser benéfica, mas não é o caso.
— O general representa o próprio país. Logo, em uma situação de intervenção armada americana na Venezuela, por exemplo, o Brasil seria arrastado para o conflito armado, através do general Alcides Faria Jr., sem que tal decisão tivesse passado pela devida discussão política, estratégica e tática.
Brustolin acrescenta que o almirante Faller cita Rússia, China, Irã, Venezuela, Cuba e Nicarágua como países que ameaçam os interesses americanos na região, mas que o Brasil não necessariamente tem antagonismo com essas nações. Para o professor, o Brasil “delega, tacitamente, a sua soberania à política de outra nação”:
— A China é a principal parceira comercial do Brasil há anos. Ela e a Rússia fazem parte de um bloco do qual o Brasil participa, os Brics. Esses países não são ameaças para o Brasil, pelo contrário — diz. — Qual é o interesse nacional do Brasil, portanto, de se indispor com essas nações?
Diplomacia de defesa
Dois especialistas têm entendimento diferente. Segundo eles, o general permanece na cadeia de comando brasileiro e a posição é uma prática comum e benéfica. Quando no exterior, dizem, um oficial militar brasileiro está subordinado ao adido militar do Brasil naquele país, que faz o acompanhamento dos militares.
O professor da Universidade Federal do Rio Grande do Sul Érico Duarte entende ser “exagerada” a alegação de que o país compromete sua soberania. A função que o general exercerá, afirma, tem um papel de assessoria, e não inclui “a formulação de ações”. Na hipótese de uma intervenção americana, afirma, o general não participaria de operações que contrariassem a ordem de comando brasileira.
—Todo oficial brasileiro em operação no exterior tem algum tipo de respaldo do comando do Exército brasileiro. Tudo que envolver algum tipo de atuação ou tarefas extraordinárias com certeza terá que ser reportado para a cadeia de comando natural. Se isso não é explícito, na prática vai acontecer — afirmou. — A melhor forma de os EUA fazerem pressão não é através desse oficial. Há um grupo militar dentro da embaixada em Brasília. Do ponto de vista operacional, é ali que os EUA têm capacidade de influência — acrescentou.
O professor da Escola Superior de Guerra Danilo Marcondes afirma que Brasil e EUA “são parceiros históricos na área militar” e que a iniciativa se enquadra do Acordo de Cooperação em Defesa assinado em abril de 2010, no governo Lula, retomando uma cooperação que havia sido reduzida no governo Geisel.
— A participação de um oficial general brasileiro em uma missão no exterior, ainda mais no caso de uma missão que está sob um guarda-chuva de um acordo de cooperação em defesa assinado por dois Estados, é prática comum dentro da diplomacia de defesa e não implica em vinculação a decisões de política externa ou de defesa do país onde o oficial está em missão — disse Marcondes, observando que suas colocações são “pessoais” e “não refletem necessariamente as posições” da ESG.
Fonte: O Globo