No Congresso, Trump apela ao bipartidarismo, insiste em muro e ataca ‘investigações ridículas

WASHINGTON – O presidente americano, Donald Trump, abriu seu discurso do Estado da União dizendo que não apresentaria uma agenda republicana ou democrata, mas uma “agenda do povo americano”. Ele fez um apelo ao bipartidarismo após ordenar a mais longa paralisação do governo da História dos Estados Unidos, que exacerbou as divisões políticas no país. Foi aplaudido de pé pelos congressistas.

— Há uma nova oportunidade na política americana, se tivermos coragem de aproveitá-la. A vitória não é ganhar para o nosso partido. A vitória é ganhar para o nosso país — afirmou logo no início do discurso, feito nesta terça-feira (madrugada de quarta-feira no Brasil) na Câmara dos Deputados em Washington. — Juntos, podemos quebrar décadas de impasse político. Podemos superar antigas divisões, curar velhas feridas, construir novas alianças, criar novas soluções e desbloquear a promessa extraordinária do futuro da América. A decisão é nossa — acrescentou.

Exaltando a economia do país sob sua Presidência, Trump disse que criou 5,3 milhões de empregos e que reduziu drasticamente as taxas de desemprego nos últimos dois anos. Sua administração, defendeu, “se movimentou com velocidade histórica para enfrentar problemas negligenciados por líderes de ambos os partidos ao longo de muitas décadas”.

— Após 24 meses de rápido progresso, nossa economia é invejada pelo mundo, nossas Forças Armadas são as mais poderosas da Terra, e a América está ganhando todos os dias — disse Trump. — Agora é a hora da ação bipartidária. Acredite ou não, já provamos que é possível.

Em uma hora e meia de discurso, Trump falou ainda sobre a China e disse que as duras negociações comerciais entre Washington e Pequim vão pôr fim ao suposto “roubo” de empregos e a riqueza da China em seu país.

— Agora deixamos claro para a China, depois de anos assediando nossas indústrias e roubando nossa propriedade intelectual, que o roubo de empregos e riqueza nos EUA terminou — afirmou.

Ao contrário do que ocorreu no ano passado, o presidente fez seu pronunciamento diante de uma Câmara formada por maioria democrata e presidida também por uma deputada da oposição.

Como era esperado, Trump dedicou boa parte do discurso à imigração, usando o tema para tentar colocar contra a parede os adversários democratas ao relacionar, mais uma vez, imigrantes à criminalidade e ao desemprego. Durante o discurso, o presidente mencionou a palavra “muro” dez vezes, referindo-se à barreira na fronteira com o México.

— Temos o dever moral de criar um sistema de imigração que proteja as vidas e os empregos de nossos cidadãos — disse, para depois acrescentar: — Nenhuma questão ilustra melhor a divisão entre as classes trabalhadora e política americanas do que a imigração ilegal. Políticos e doadores ricos pressionam por fronteiras abertas enquanto vivem suas vidas atrás de muros, portões e guardas.

“Eu vou conseguir construir o muro”

Ele afirmou que enviou ao Congresso “uma proposta de bom senso para acabar com a crise em nossa fronteira sul”, referindo-se à construção do muro na fronteira sul, sua promessa de campanha e motivo pelo qual o governo americano chegou a ficar 35 dias paralisado. Trump se recusou a assinar qualquer Lei Orçamentária que não previsse os US$ 5,7 bilhões para a obra na fronteira.

Segundo ele, sua proposta para a crise na fronteira inclui “assistência humanitária, mais aplicação da lei, detecção de drogas nas portas de entrada do país, fechamento de brechas que permitem contrabando de crianças e planos para uma nova barreira física, ou muro, para proteger as vastas áreas de nossos portos de entrada”.

— No passado, a maioria das pessoas nesta sala (na Câmara) votou por um muro, mas um muro apropriada nunca foi construída. Eu vou conseguir construir. Esta é uma barreira de aço inteligente, estratégica e transparente, e não apenas uma simples parede de concreto. Será implantada nas áreas identificadas pelos agentes de fronteira como tendo a maior necessidade.

Trump também aproveitou para criticar as várias investigações contra ele, entre elas a de um suposto conluio de sua campanha à Casa Branca com os russos:

— A única coisa que pode parar nossa economia são guerras tolas e investigações partidárias ridículas. Precisamos estar unidos em casa para derrotar nossos adversários no exterior.

O presidente fez menção à Venezuela no discurso, lembrando que os EUA reconheceram o deputado e presidente da Assembleia Nacional venezuelana, Juan Guaidó, como presidente interino do país.

— Estamos ao lado do povo venezuelano em sua nobre busca pela liberdade e condenamos a brutalidade do regime de (Nicolás) Maduro, cujas políticas socialistas transformaram essa nação que poderia ser a mais rica da América do Sul em um estado de extrema pobreza e desespero.

Para democratas, ‘apelo não sincero’

Os democratas nem sequer esperaram o pronunciamento de Trump para lançar críticas ao seu anunciado discurso em torno da ideia de união. A democrata Kamala Harris, uma das pré-candidatas às eleições de 2020, ironizou, dizendo que Trump apresentaria “apelos não sinceros por unidade”. Mais cedo, o líder da minoria democrata no Senado, Chuck Schumer, fez um discurso duro contra o republicano no Plenário e, no Twitter, escreveu: “O estado do governo Trump é de caos”.

A tradicional resposta ao discurso do Estado da União, feita sempre por algum membro do partido de oposição, desta vez ficou a cargo de Stacey Abrams. É a primeira mulher negra a dar a resposta formal ao pronunciamento do chefe da Casa Branca. Ela, que perdeu as eleições para o governo da Geórgia em novembro passado, foi a escolhida pelos democratas para responder a Trump. Abrams é conhecida por sua habilidade retórica, elogiada até mesmo pelos adversários.

Programado originalmente para o dia 29 de janeiro, o discurso do Estado da União foi adiado e ficou com a data em aberto em consequência da paralisação parcial do governo americano, que se estendeu por 35 dias. Durante o shutdown , a presidente da Câmara dos Deputados, Nancy Pelosi, vetou o discurso anual na Casa, onde o discurso ocorre tradicionalmente, alegando que agências de segurança federais estavam afetadas pela paralisação e que, portanto, não poderiam contemplar as necessidades do evento.

Entre os convidados de Trump para o discurso, estavam os familiares de Jerry e Sherri David, americanos assassinados no mês passado, segundo autoridades do governo, por um jovem imigrante ilegal, vindo de El Salvador. O presidente e a primeira-dama Melania Trump ainda convidaram um garoto de 11 anos que é alvo de bullying na escola justamente por ter o sobrenome… Trump . Também estava entre os convidados do casal presidencial um sobrevivente dos ataques à sinagoga Árvore da Vida, em Pittsburgh, que deixou 11 judeus mortos em outubro passado.

O adiamento do tradicional discurso foi elemento adicional do impasse entre os congressistas democratas e o presidente republicano, que se recusava a reabrir o governo caso o Congresso não apresentasse uma lei orçamentária que previsse os US$ 5,7 bilhões necessários para a construção do muro na fronteira com o México.

No ano passado, Trump apresentou um discurso moderado, como lembrou o jornal New York Times, fazendo um apelo à unidade. De lá para cá, no entanto, sua Presidência não adotou o tom “unificador” proposto pelo republicano. Agora, ainda de acordo com o NYT, com a campanha de 2020 em andamento e com as investigações sobre a suposta interferência russa na eleição de 2016 ainda incompletas, as chances de um país menos polarizado não parecem especialmente promissoras .

Fonte: O Globo