CARACAS – Em um dia em que Caracas foi tomada por duas marchas, uma articulada pela oposição e outra pelo governo, o autoproclamado presidente interino, Juan Guaidó, que tem apoio da Assembleia Nacional (AN), disse que o Brasil será um de três caminhos para a chegada de ajuda humanitária à Venezuela, sem detalhar mais o plano. Enquanto isso, num evento que celebrava o vigésimo aniversário da chegada ao poder de Hugo Chávez, o presidente Nicolás Maduro se disse favorável à antecipação das eleições legislativas.
Maduro vem sendo pressionado interna e externamente, no entanto, a convocar eleições presidenciais, que poderiam levar a uma transição de poder, uma vez que o Parlamento já é controlado pela oposição desde 2015. Em 2017, ele convocou uma Assembleia Constituinte para se contrapor ao poder do Legislativo oposicionista.
Não houve estimativas precisas de público nos dois atos, que reuniram milhares de pessoas. A concentração da oposição ocorreu num palco em frente à sede da União Europeia, no bairro de Las Mercedes. A de Maduro, na Avenida Bolívar, no centro de Caracas.
No ato opositor, Guaidó convocou outras duas marchas, uma em 12 de fevereiro e outra em data ainda não precisada, além de ter anunciado outras duas rotas de chegada de ajuda humanitária, além do Brasil. O Itamaraty não confirmou se houve negociações oficiais sobre o tema.
— Hoje anunciamos uma coalizão mundial pela ajuda humanitária na Venezuela. Já temos três pontos de coleta para a ajuda: Cúcuta (na Colômbia) é o primeiro, outro estará no Brasil e o terceiro será em uma ilha do Caribe — afirmou. — Conversamos com as Forças Armadas. Nos próximos dias, a coleta de ajuda humanitária começa, conforme necessário, porque entre 200 mil e 350 mil venezuelanos estão em risco de morte por desnutrição, falta de remédios ou suprimentos para diálise, de insulina ou de medicação para o câncer.
O local da manifestação opositora foi escolhido porque, na semana passada, potências da União Europeia, incluindo Alemanha, França, Espanha e Reino Unido, deram um ultimato de oito dias para Maduro aceitar a realização de eleições livres, sob a pena de reconhecerem Guaidó como presidente interino. O prazo se esgota amanhã.
Um dos objetivos do ato opositor foi pressionar os países europeus a cumprir a promessa de deslegitimar Maduro, além de reivindicar que a Força Armada Nacional Bolivariana (Fanb) permita a entrada de alimentos e remédios em território venezuelano. Guaidó, que ontem recebeu pela primeira vez a adesão de um general da ativa, fez um apelo a antigos apoiadores de Hugo Chávez para que se voltem contra Maduro:
— Ao povo chavista que, em algum momento, acreditou no governo e hoje está desiludido: Maduro não protege ninguém. Buscamos estreitar laços e somar todas as forças do país para reconstruir a Venezuela.
Milicianos no Exército
Além de Caracas, mais de 330 manifestações foram convocadas pelo país contra Maduro. Não havia estimativa clara de quantas pessoas estiveram presentes nos protestos multitudinários de oposição, nem na marcha em favor do governo Maduro em Caracas.
Para a passeata no centro de Caracas, o governo mobilizou uma multidão, incluindo membros da Milícia Bolivariana uniformizados. Foi a primeira vez que o presidente compareceu a um ato público em seis meses, desde que sofreu uma tentativa de ataque com drones durante uma cerimônia militar, em agosto de 2018.
No palco, Maduro disse que a Assembleia Constituinte, dominada por seus aliados, debaterá a possibilidade de realizar as eleições parlamentares, previstas para 2020, neste ano.
— Vamos consultar o povo sobre esta solução política, esta saída constitucional. Podemos fazer isso de maneira consensual numa agenda de diálogo com a oposição, se quiserem — disse o presidente, de acordo com o site Efecto Cocuyo. — Eu estou de acordo e me comprometo com essa decisão.
Declarada “em desacato” pela Suprema Corte, alinhada ao oficialismo, a Assembleia Nacional teve em 2016 suas funções assumidas pelo mesmo tribunal. Depois, a Constituinte foi convocada a fim de reescrever a Carta Magna e anular as funções do Parlamento.
Maduro ainda anunciou que os membros da Milícia Bolivariana — segundo o governo, composta por 1,6 milhão de pessoas — poderão se incorporar ao Exército, pedindo que todos “que estejam dispostos, sobretudo a juventude, vão aos quartéis” para oficializar a sua integração. Disse ainda ter ordenado que entre 20 mil e 30 mil postos disponíveis na Guarda Nacional Bolivariana sejam preenchidos por milicianos e previu que, até abril, a milícia contará com 2 milhões de integrantes.
No ato, o vice-presidente do Partido Socialista Unido da Venezuela, Diosdado Cabello, afirmou que quem apoiar uma intervenção militar no país será considerado “inimigo da pátria”:
— Aqui estão os milicianos e milicianas da nossa pátria prontos para o combate, a batalha e a vitória.
Na sexta-feira, dissidentes chavistas haviam proposto um referendo para que a população decidisse se deveriam ocorrer novas eleições gerais.
Fonte: O Globo