Em julgamento unânime, 3ª Turma do TRT-11 reconhece vínculo empregatício entre motorista e a Uber

A Terceira Turma do Tribunal Regional do Trabalho da 11ª Região – Amazonas e Roraima (TRT-11)  reconheceu o vínculo de emprego entre um motorista de aplicativo e a Uber do Brasil. Por unanimidade, os julgadores acompanharam o voto da desembargadora relatora Ruth Barbosa Sampaio. Participaram do julgamento os desembargadores Jorge Álvaro Marques Guesdes e Maria de Fátima Neves Lopes.
O motorista trabalhou para a Uber durante sete meses em 2018, recebendo salário mensal de R$ 6 mil. Ele ajuizou processo trabalhista no TRT-11 pleiteando o reconhecimento de vínculo empregatício, anotação na carteira de trabalho (CTPS), com a dispensa imotivada, pagamento de todas as verbas rescisórias trabalhistas e indenizatórias, além do pagamento das diferenças de horas extras. O valor da causa totalizava mais de R$ 123 mil.
Relação de trabalho
Em petição inicial, o motorista argumenta que na relação mantida entre ele e a Uber estavam presentes requisitos da relação de emprego como:  pessoa física/pessoalidade – quando o trabalho prestado não pode ser substituído por outra pessoa; onerosidade; não eventualidade – trabalho prestado de forma habitual, contínua e sob pena de desligamentos pela inativação; e subordinação. Ele alega, ainda, que durante a prestação de serviços aconteceram diversas violações ao contrato de trabalho, de forma unilateral e abusiva por parte da Uber.
O juízo da 11ª Vara do Trabalho de Manaus havia negado o pedido do trabalhador, que ingressou com recurso ordinário, sustentando, entre outros argumentos, que as normas jurídicas relativas à existência do vínculo empregatício devem ser interpretadas e harmonizadas com o contexto normativo vigente, em especial, com os princípios constitucionais.
Incidente processual – tentativa de acordo às vésperas do julgamento
Às vésperas do julgamento, as partes apresentaram petição conjunta pleiteando a suspensão do processo para homologação de acordo. Dentre as cláusulas propostas, estavam o pagamento, ao motorista, da importância de R$ 5.000,  com natureza jurídica de parcela indenizatória, além da desistência do recurso ordinário e quitação total e irrestrita da relação contratual havida entre as partes.
Antes de entrar no mérito do recurso, a relatora, desembargadora Ruth Barbosa Sampaio, analisou a questão incidental, rejeitando a proposta de homologação do acordo. Para ela, ao propor o acordo menos de 24 horas antes do julgamento, a Uber tinha a intenção de impedir a análise da matéria principal – o pedido do vínculo empregatício, e a consequente condenação da plataforma ao pagamento das parcelas salariais e rescisórias decorrentes.
Manobra jurídica
A desembargadora Ruth Sampaio destacou que a plataforma Uber pratica, por meio tal manobra, a chamada jurimetria, uma espécie de estatística do direito que, em alguns casos, utiliza inteligência artificial para alcançar fins como o controle da jurisprudência.
Nos fundamentos da decisão incidental que negou a homologação do acordo, a relatora ressaltou ser inaceitável, na Justiça do Trabalho, a utilização de manobras voltadas a obter direitos sociais indisponíveis, mormente no contexto da pandemia de Covid, na qual a fragilidade do trabalhador fica mais evidente.
Ao finalizar a decisão incidental, relatora destacou que “ninguém pode renunciar ao trabalho digno, pois este não é apenas fonte de subsistência, mas, também, de realização pessoal, inserção social do trabalhador e de dignificação da pessoa humana (art. 1º, III e IV c/c 170, CF/88)”. Tal decisão foi acompanhada por unanimidade pelo colegiado da Terceira Turma.

Decisão da 2ª instância

 

Ao examinar o mérito do recurso, a relatora analisou detalhadamente cada um dos requisitos inerentes à relação de emprego, reforçando que, nos termos dos artigos 2º e 3º da CLT, o vínculo empregatício surge quando positivamente reunidos os requisitos da habitualidade, pessoalidade, trabalho prestado por pessoa física, onerosidade e subordinação. Ela acrescenta que o art. 6º da CLT complementa os citados artigos 2º e 3º, esclarecendo que, para fins de relação empregatícia, o trabalho pode ser realizado à distância, podendo ser controlado por meios telemáticos e informatizados de comando, controle e supervisão.
Para ela, a análise do vínculo de emprego ganha ainda mais destaque “quando a relação contratual é intermediada por plataformas digitais, a exemplo da Uber, nas quais não há a figura física do empregador, representando uma quebra de paradigma nas relações de trabalho”.
Em seu voto condutor, a desembargadora Ruth Sampaio entendeu que a empresa Uber admite, remunera e dirige a prestação de serviços das pessoas físicas, as quais ingressam na plataforma após preencher critérios de seleção. Ela sustenta que, após o ingresso, o motorista passa a se submeter a um sistema de monitoramento eletrônico,  controlando os preços e enquadrando o motorista em um complexo conjunto de regras, avaliações e diretrizes, as quais, dependendo da conduta do trabalhador, podem resultar até em suspensão ou exclusão da plataforma (sistema punitivo).
No acórdão, ela ressalta que “os motoristas não podem escolher o preço das viagens, trajetos a serem percorridos e quais clientes vão transportar (limite de cancelamentos de corridas). O percentual das viagens auferido pela reclamada é dinâmico, os recibos são emitidos pela própria plataforma, a qual fiscaliza e controla o trabalho por GPS, exercendo ainda o controle da forma da condução do veículo e velocidade, etc. Tais fatos não condizem com a autonomia defendida pela reclamada”.
Nos fundamentos da decisão, a relatora traz a análise de casos nacionais e internacionais nos quais fora reconhecido o vínculo empregatício entre o motorista e a Uber. Entre as decisões internacionais, a desembargadora destacou decisão da Suprema Corte Britânica e do o Bundesarbeitgericht da Alemanha, equivalente ao nosso Tribunal Superior do Trabalho – TST.
Ela finaliza o voto apontando que o debate do tema não pode se pautar em uma visão simplista das relações contratuais, negando ao o trabalhador, o acesso a direitos mínimos conquistados a muito custo histórico e assegurados no âmbito constitucional pelas cláusulas pétreas. É preciso que a relação contratual respeite as diretrizes constitucionais.

Garantia de dignidade

Segundo a desembargadora relatora, “é o direito e as relações dele decorrentes que devem se adequar ao homem, garantindo a sua dignidade. Não o contrário. Não cabe ao homem se despir da sua dignidade, representada pelos seus direitos mínimos, para se adaptar às dinâmicas emergentes no mercado de trabalho, bem exemplificadas pelas plataformas digitais que ofertam serviços de transportes, entregas, etc”.
O reconhecimento de vínculo foi acompanhado por unanimidade pelos demais membros da Terceira Turma, desembargadores Jorge Álvaro Marques Guedes e Maria de Fátima Neves Lopes.
A decisão da segunda instância do TRT-11 determina o retorno do processo ao juízo de primeiro grau para que se proceda a novo julgamento dos pedidos decorrentes da relação de emprego reconhecida no segundo grau.