BRASÍLIA — A forte empatia entre os presidentes Jair Bolsonaro e Donald Trump, revelada ainda na campanha do brasileiro durante as eleições do ano passado, poderá se traduzir em avanços em uma extensa lista de projetos que estão paralisados na agenda bilateral, na avaliação de fontes do governo e representantes do setor privado. Segundo um integrante da equipe de Bolsonaro, existe uma janela de oportunidades com essa aliança que não pode ser desperdiçada.
Nem sempre Brasil e EUA falaram a mesma língua na defesa da democracia em fóruns como a Organização dos Estados Americanos (OEA), por exemplo. Isso deve acontecer a partir de agora, com o endurecimento da diplomacia brasileira contra os governos de Nicolás Maduro, da Venezuela, e Daniel Ortega, da Nicarágua.
O Brasil espera que os EUA, que sempre apoiaram a Argentina, sustentem a candidatura brasileira a membro da Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE). Além disso, Brasília crê que os dois países poderão começar a negociar um amplo acordo de livre comércio, uma aspiração antiga de empresários do Brasil e dos EUA, graças à flexibilização do Mercosul. O bloco passará a permitir tratados em separado de membros com terceiros mercados.
“Lua de mel” rápida
A lista é interminável. São também exemplos de iniciativas ainda não concluídas o aperfeiçoamento do tratado de reconhecimento mútuo em propriedade intelectual; a participação brasileira no programa americano global entry, para liberação mais rápidas de brasileiros que viajam com frequência aos EUA e precisam se submeter a longas filas de imigração; a propagação da marca Embraer no mercado de defesa americano, com a fusão com a gigante Boeing; e a adequação da legislação brasileira para a adoção de medidas mais enérgicas contra pessoas e grupos acusados de lavagem de dinheiro e terrorismo.
— Os EUA são nosso maior mercado para a exportação de produtos industriais e onde há mais empresas brasileiras com investimentos no exterior. Essa aproximação entre os dois países tem tudo para ser muito positiva — afirma o gerente-executivo de comércio exterior da Confederação Nacional da Indústria, Diego Bonomo.
Já o presidente do Instituto Aço Brasil, Marco Polo Mello espera que as indústrias siderúrgicas brasileiras recebam um melhor tratamento. Há mais de um ano, o Brasil fez um acordo de redução voluntária de suas exportações de aço, para evitar uma sobretaxa de 25% aplicada pelos EUA. Foi essa medida protecionista, aliás, que deu origem à guerra comercial entre americanos e chineses.
— Há muito a se ganhar em todos os aspectos. Os EUA estão em segundo lugar como parceiros comerciais do Brasil e são os principais investidores em projetos brasileiros, com um estoque de US$ 270 bilhões — diz a CEO da Câmara de Comércio Brasil-Estados Unidos, Deborah Vieitas.
Segundo ela, o Brasil teria ainda mais a ganhar, pois sua participação hoje no comércio internacional é de apenas 1,2% do total. Os EUA são os maiores compradores de produtos industrializados brasileiros, e uma relação melhorada poderia subir o percentual.
Nem todos, no entanto, estão otimistas. O professor de Relações Internacionais da UnB Thiago Galvão questiona se de fato há um projeto do governo Bolsonaro, no Itamaraty, para que o Brasil se beneficie dessa parceria.
— Parece que não. O que dá a entender é que esse governo quer fazer determinadas reformas alinhadas ao governo Trump e pronto. Só que essa lua de mel vai acabar em alguns meses — avalia.
Principais itens na mesa
Democracia: Os dois países deverão ter maior sintonia na ação contra alguns regimes considerados antidemocráticos na região, especialmente os de Venezuela e Nicarágua.
Acordo de livre comércio: A negociação de um amplo acordo de livre comércio é uma possibilidade há ao menos dez anos. Mas só deverá ocorrer se forem flexibilizadas as regras do Mercosul impedindo tratados sem todos os sócios.
Global entry: O programa americano permite mais rapidez no atendimento a brasileiros que viajam com frequência aos EUA — ou vice-versa — e precisam enfrentar longas filas na imigração.
Barreiras: Os dois países têm interesse em eliminar barreiras no comércio bilateral.
OCDE: Espera-se apoio dos EUA à candidatura do Brasil a membro da Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico.
Acordo de investimentos: Começar a negociar um acordo para a cooperação e a facilitação de investimentos entre os dois países é uma prioridade para as indústrias do Brasil e dos EUA.
Salvaguardas tecnológicas: Acordo para permitir o lançamento de satélites com tecnologia americana na base de Alcântara (MA).
Propriedade intelectual: Os EUA esperam que, na revisão do atual acordo de propriedade intelectual, a concessão acelerada de patentes pedidas no Brasil, hoje restrita a petróleo e gás, seja estendida a todos os setores, como já faz o governo americano com os pedidos brasileiros.
Embraer/Boeing: A expectativa é que, com a parceria entre as duas fabricantes de aeronaves, a Embraer se torne mais conhecida no mercado americano.
Tributação: Considerado pelas indústrias dos dois países vital para aumentar a competitividade, um acordo para evitar a bitributação no comércio e nos investimentos está em negociação.
Aduana: Discute-se um acordo para acelerar o despacho aduaneiro e reduzir em até dez vezes o tempo gasto para liberar operações de importação e exportação.
Crime organizado: Os EUA pressionam para que o Congresso aprove um projeto que alinhe as leis brasileiras de combate ao terrorismo e à lavagem de dinheiro às recomendações da ONU.
Aviões militares: A Embraer espera vencer a concorrência do Pentágono para fornecer até 150 aviões Super Tucano à Força Aérea Americana.
Fonte: O Globo